sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Vida extraterrestre e tudo mais

[Originalmente publicado no blog Bule Voador]

A busca por vida no universo é, talvez, um dos melhores exemplos da nossa humildade combinada com curiosidade. Afinal, alguém poderia perguntar: Por qual razão seres conscientes da sua própria existência dedicariam tempo e recurso na investigação de algo que não há garantias de sucesso?

Algumas pessoas fixam-se excessivamente com o compromisso do resultado, esquecendo ou menosprezando o progresso. Ao longo dos anos — motivados pela paixão e atraídos pelo desconhecido –, os cientistas trouxeram à tona informações preciosas do nosso local no cosmos. Tomando os últimos 450 anos, qualquer um que se aventurar a explorar os detalhes destas descobertas ficaria sem fôlego: Coisas que hoje nos parecem banais eram frequentemente entendidas através de especulações que transitavam entre o plausível e a superstição. Quem não lembra da ideia defendia por exploradores de que no final do horizonte do mar haveria uma queda rumo a morte? Não muito tempo atrás achava-se que os canais em Marte teriam sido feitas por uma civilização extraterrestre tecnológica com intuito de irrigar suas plantações. Há três décadas atrás não haviam planetas descobertos que não fossem os do próprio sistema solar. Nosso sistema, pensava-se, era único; não seria concebível imaginar planetas fora da galáxia. Em pouco mais cem anos atrás muitos sequer imaginavam que outras galáxias pudessem existir. Todas essas questões — e suas respostas–, apareceram numa fração diminuta do tempo desde que a vida surgiu na Terra. Colocando as coisas em perspectivas, não deixa de ser espetacular que somos a primeira espécie na Terra — algo como os últimos 15 segundos antes da meia-noite do dia 31 e Dezembro do calendário cósmicos, onde 1° de Janeiro é o nascimento do universo –, com a capacidade de satisfazer as inquietações intelectuais que o próprio universo nos convida a serem perguntadas. Somos uma parte do cosmos que tomou consciência e inteligência o suficiente para perscrutar perguntas até então inéditas na história do planeta.

Algumas dessas informações são úteis para a humanidade toda, não apenas para saciar a curiosidade de mentes inquietas. Foi com a exploração espacial que descobrimos um efeito estufa descontrolado no nosso vizinho mais próximo (Vênus), e que serve de aviso para nossa espécie reforçar os esforços que combatam a degradação ambiental. O advento necessário de novos satélites e telescópios trouxeram tecnologias maravilhosas para todos. Muito do impulso tecnológico de miniaturização de câmeras dos celulares modernos foi possível como uma espécie de coproduto da exploração realizada por nossas agências espaciais. Não seria maravilhoso que mais e mais tecnologia pudesse ser extraída para o nosso conforto que viesse desse tipo de atividade? Muito melhor que a humanidade obtenha benefício das suas ações criativas em detrimento das destrutivas. Guerras também geram tecnologias. Não deixaremos de usá-las por isso; entretanto não deixa de ser um pouco incômodo que há concorrentes produtores de tecnologias defendendo valores mais plurais e producentes– e que estão fazendo o trabalho de maneira mais humana.

O mistério é atualizado conforme as dúvidas da atualidade são outras. E talvez sejam bobas para o estudante do futuro: Há vida no nosso sistema solar? Qual a dificuldade do aparecimento da vida em outros cantos do universo? O que está acontecendo, nesse exato momento, naquela estrela misteriosa a 1500 anos luz de distância da Terra? Uma vez ter identificado vida tecnológica, seria possível algum diálogo? O recado é simples: Nenhuma pergunta é idiota, e não fazê-las é precisamente algo que caracteriza a idiotice.

Muitas vezes, a superstição e o dogmatismo insistem em substituir nossos métodos racionais de investigação. Em doses moderadas, é possível conviver com a superstição, mas não com o dogma. Se estivermos disposto a aceitar cegamente a palavra da autoridade ou alguma mensagem revelada em detrimento da livre investigação acompanha do escrutínio, não podemos garantir que nosso futuro será o de preservação da humanidade. É por isso que uma das razões que motiva a busca por vida extraterrestre é a possibilidade de descobrir um pouco mais sobre nós mesmos.

domingo, 8 de novembro de 2015

Sobre as intervenções ativistas nas universidades

Fonte: iStock Vectors / Getty Images *As frases são de coletivos de universidades brasileiras

[Originalmente publicado no blog Bule Voador]

 Com frequência, temos visto nas universidades atos conhecido como “intervenções”, “performances” ou “problematizações”. Seja em nome de causas feministas ou por questões de gênero, há algo em comum nesses eventos. Apostam em uma espécie de impacto visual para chamar atenção à sua causa: pessoas aparecem nuas dançando ou se banhando em óleo; outras vezes urinam em baldes e ameaçam transeuntes; masturbam-se em público; ecoam gritos contra o patriarcado ou contra imposições de gênero. Causam ao mesmo tempo estranheza e adoração. O que está em jogo é algo defensável: tentar minimizar preconceitos enraizados na sociedade, como o machismo, homofobia, transfobia e racismo. Portanto a questão seguinte merece atenção: as intervenções ativistas vistas nesses locais contribuem de alguma maneira à causa defendida?
     Primeiramente, é necessário reconhecer a necessidade de sensibilizar cognitivamente as pessoas pertencentes do grupo ao qual é desejado persuadir. Se o ativismo praticado é aquele que pressupõe eficácia por adesão numérica de pessoas através de suas performances em detrimento de argumentos, isso implica em desacreditar na possibilidade de chegar a resultados relativamente consensuais usando argumentos com premissas universais (tanto quanto possíveis) nos quais todas as pessoas possam aceitar. Isso não significa minimizar a arte como força revolucionária -- só implica que a qualidade de suas premissas não é proporcional às apresentações esdrúxulas. Ora, se em um argumento dedutivamente válido é considerado cogente (um bom argumento) quando as premissas são verdadeiras e são mais plausíveis que a conclusão, é razoável o paralelo que uma performance ativista pretendendo entregar uma mensagem proposicional (a saber, agir ou pensar de tal forma é moralmente errado) deve ter suas ações pautadas de maneira mais moderada do que a mensagem final desejada (pelo menos para o estado cognitivo do receptor). Em outras palavras, causar estranheza ao seu público alvo não parece uma maneira eficaz de transmitir ideias.
     Para fins ativistas, é razoável defender uma união entre manifestações artística e argumentação dedutiva. O ponto central é: a performance e/ou as premissas dos argumentos deve ser suficientemente convincente para atingir seu público alvo. Um argumento pode ser válido e concomitantemente ruim; da mesma forma, a performance pode alcançar um público numeroso e mostrar-se igualmente ser ruim. E é ruim quando falha precisamente por convencer o receptor da importância do seu ato.
     Que um argumento pode ser logicamente válido e ao mesmo tempo ruim é ponto pacífico para quem tem minimamente um estudo sobre lógica dedutiva. Detenho-me então na seguinte afirmação: independente da extravagância ou moderação visual de sua performance, ela só terá eficácia se o se ato for mais palatável para o destinatário do que para emissor; o último já está convencido da importância da sua finalidade, então é o primeiro que merece maior atenção.
      E como defender a afirmação acima? A resposta precisa contemplar a tese que entende como positiva as manifestações com performances transformadoras, com consequente adesão a determinada causa. Essa é uma tese empírica, e, portanto merece uma investigação igualmente empírica. As evidências alertam para a pouca eficácia da performance agressiva e excêntrica. Inúmeros estudos têm mostrado que incutir alguma mudança efetiva no comportamento moral das pessoas pode ser feita através da exposição interpessoal de cunho afetivo. Por exemplo, a convivência com gays próximos, parentes ou amigos, tem mostrado mais disposição das pessoas em minimizar seus comportamentos homofóbicos. Grosso modo, isso é o que pesquisadores nas áreas de psicologia e sociologia chamam de hipótese do contato – cujos resultados de estudos têm demonstrado que atitudes mais favoráveis a gays podem ser conseguidas quando grupos potencialmente homofóbicos têm experiências positivas com gays. Evidências também mostram melhoria de integração por contato inter-grupos para os casos de muçulmanos na Europa, para pessoas negras e para etnias sociais.
     Não há evidências de que atos com padrão visualmente agressivo, grotesco e/ou excêntrico incentive alguém mudar seu pensamento e comportamento moral. Temos razões para acreditar precisamente o contrário: segundo o estudo da Bashir e colaboradores, é comum pessoas evitarem se afiliar com ativistas por os enxergarem como militantes/agressivas e excêntricas/não-convencionais. Essa tendência de atribuir estereótipos negativos faz com pessoas sintam-se desconfortáveis em aderirem às motivações de mudança que os ativistas advogam. Se a conclusão está correta, a mensagem é cristalina: pessoas depositam estereótipos fortemente negativos sobre ativistas, e esses sentimentos reduzem sua vontade de apoiar aquilo pretendido por eles. Isso não sugere que tudo está perdido nas causas ativistas. Esse mesmo artigo sugere que pessoas foram mais motivadas a adotar comportamentos alinhados aos ativistas quando eles demonstram menos aspereza. Ainda nas palavras da autora, "convertidos" em potencial para a sua causa "podem ser mais receptivos a ativistas que desafiam os estereótipos ao se mostrarem como agradáveis e amigáveis". Outra forma de sensibilizar seu público-alvo é expor argumentos e evidências científicas sobre o assunto em causa.
     A resistência individual para a mudança social é mais difícil do que parece supor os ativistas performativos: um estudo projetado para medir a minimização de estereótipos e preconceitos em proporções populacionais falhou em diminuir os níveis de antagonismos após a implementação de um programa com acompanhamento; embora nos primeiros dias após a intervenção os níveis de preconceito medido tenham diminuído, após 3 meses voltou às condições iniciais. E embora as políticas de intervenções de redução de intolerância abundem, tem-se visto que, ironicamente, o efeito final possa resultar em exatamente o contrário do inicialmente pretendido. Nesse sentido, promoção da autonomia regulada de preconceitos (ou seja, encorajamento pessoal do valor da diversidade e autonomia) parece ser mais eficiente do que apenas pressão social (como linguagem agressiva) pura e simplesmente.
     Manifestantes dos atos de performances vangloriam-se que estão "causando", e assim acreditam que terão mais pessoas adeptas à sua causa. Entretanto acreditar nisso esbarra em um efeito limitante: só os iniciados comprarão a ideia -- talvez funcione para pessoas que não tinham encontrado ainda um terreno confortável para se manifestar, e enxergam nesses atos uma espécie de libertação epistêmica. Por outro lado, há algo de pernicioso e equivocado nessas ações. Elas parecem estar preocupadas mais com contagem de auditório do que qualidade de argumentos. Parece estar implícito que chocar pessoas com imagens pouco convencionais daquilo que se espera do cotidiano tenha alguma força, se não argumentativa, pelo menos de adesão à causa -- fomentando assim a reflexão futura. Tendo em vista a literatura recente, estas tentativas de promoção de igualdade não tenderão a gerar bons frutos.
     É importante reconhecer a potencialidade das ciências sociais em discutir publicamente a minimização de preconceitos. Em tese, essa é uma das tarefas da academia. A pergunta é: as pessoas ativistas estão sendo atualizadas com dados empíricos sobre o que tem sido feito em pesquisas que envolvem a percepção social sobre grupos minoritários? E mais, estão atualizadas sobre as evidências empíricas de vieses implícitos, e sobre o reforço de estereótipo negativo em manifestações de ativistas? A julgar pelas performances surgindo nas universidades a resposta é não.

domingo, 11 de outubro de 2015

Local de fala, protagonismo e privilégio à luz da epistemologia



[Originalmente postado no blog Bule Voador]
Em filosofia, a epistemologia (teoria do conhecimento) dedica-se a estudar questões do tipo: qual a origem do conhecimento? Qual relação entre conhecimento e certeza, e entre o conhecimento e a impossibilidade do erro? Qual o papel da experiência e da razão na geração do conhecimento?
    É necessário, primeiro, determinar o significado de conhecimento. Como todo o conhecimento é uma relação entre um agente e um objeto, diferentes tipos de conhecimentos são concebíveis. Se alguém alega saber andar de bicicleta, nadar, ou preparar uma deliciosa sobremesa é porque esta pessoa tem o conhecimento de como efetuar uma ação. É um saber-fazer — sendo este o nome dado a este tipo específico de conhecimento prático. Outro tipo: Posso manifestar minha experiência direta com pessoas famosas, ou locais famosos. Se alguém diz que mora em Paris há anos, então é provável que esta pessoa conheça bem a cidade. A este tipo damos o nome de conhecimento por contato.
    Um terceiro tipo — de maior interesse para a filosofia –, é o conhecimento proposicional. Nesse caso, estamos interessados em uma proposição: uma pessoa pode afirmar saber que Paris é a capital da França, sem ser necessário que a tenha visitado. Tradicionalmente, a maneira de abordar conhecimento proposicional é tentar encontrar condições necessárias e suficientes que possam defini-lo. Embora os filósofos ainda discordem (veja o problema de Gettier), uma tentativa de entender conhecimento proposicional é estabelecê-lo como sendo uma crença verdadeira e justificada (convenientemente chamada de definição tripartida). Explorar detalhes desta definição está além do objetivo do presente texto, mas é necessário ter em mente o seguinte: a investigação do conhecimento proposicional (como a alegação de uma pessoa que supostamente diz uma verdade) independe de características intrínsecas do receptor. Dito de outro modo: o acesso à informação (ou conhecimento, se esta informação for verdadeira e justificada), pode ser igualmente perscrutado por qualquer ser humano, não importando sua cor de pele, orientação sexual, identidade de gênero, opção religiosa, etc.
    À luz da teoria do conhecimento, é possível existir algum sentido nos excessos (aparentemente banalizados) os quais têm proclamado “protagonismo e local de fala do oprimido”? Em certo sentido sim: caso alguém limite o acesso ao conhecimento humano somente através do conhecimento por contato e saber-fazer. Sobretudo o primeiro, poderia ser mais ou menos equivalente ao que é alegado de “vivência do oprimido”. Algumas vertentes são ainda mais pontuais: Só a mulher pode combater o machismo, porque só ela sabe o que é sofrer na sociedade patriarcal; só o homossexual pode lidar com a opressão contra os gays, pois só eles sabem o que é viver na pele a homofobia. Resumindo, o protagonismo é do oprimido. Uma consequência disso, muitas vezes, é apelar para alguma espécie de privilégio epistêmico. Ou seja, que grupos oprimidos teriam acesso privilegiado da verdade (no caso, a verdade seria o acesso à informação da opressão). Entretanto, há algo de filosoficamente pueril defender que o conhecimento só pode ser alcançado por experiências de contato. Como já assinalou a filósofa Susan Haack, as teses baseadas na ideia que a opressão fornece privilégio epistêmico ao oprimido são implausíveis. Se estivessem certas, os grupos mais desfavorecidos resultariam nos melhores cientistas; talvez o contrário: os oprimidos e socialmente marginalizados muitas vezes têm pouco acesso à informação e educação para lhe garantirem destaque em ciência, dessa forma os levando a uma situação de “desvantagem epistêmica”.
    A experiência humana, entretanto, é muito mais complexa. Resumir o mundo entre opressores e oprimidos, conhecedores e não conhecedores (por contato), é falhar em reconhecer que conhecimento proposicional tem um potencial papel relevante no que diz respeito a investigações de verdades no mundo, e que não pode ser desprezado. Ignorar conhecimento proposicional pode dar margem a acusações falaciosas como aquele que julga toda a violência contra a mulher tendo origem na sociedade patriarcal: tem sido evidenciado que, em determinadas condições de relacionamentos, mulheres podem ser igualmente ou mais violentas que os homens. É irrelevante que quem alegou isso foi uma mulher ou um homem branco cissexual. O que está sendo mostrado nestes estudos é algo pretendido a ser como conhecimento proposicional, e, portanto o escrutínio cabe focando-se na metodologia da pesquisa, e não sobre o sexo do pesquisador. Fechar os olhos para o conhecimento proposicional pode correr o risco de alimentar um ativismo mal informado: mais de décadas de acúmulo de evidencias em psicologia apontam que pessoas, independentemente de seus grupos, guardam em média vieses contra seus próprios grupos. São vieses implícitos que podem (em maior ou menor grau) fazer com que homossexuais sejam homofóbicos, ou mulheres machistas. O que todas estas pesquisas têm mostrado é que preconceito é um aspecto da vida mental e sendo assim pode ser objetivamente estudado. Trocar conhecimento proposicional por “vivência” é endossar alguma espécie de irracionalismo, ou até mesmo subjetivismo da pior espécie.
    Parece razoável que um homem heterossexual não sofra homofobia, mas não é razoável defender uma tese no sentido de impossibilitar este homem de conhecer (no sentido proposicional) que a homofobia existe, é algo ruim e deve ser combatida. O que parece estar em causa é: o conhecimento por contato (no sentido de “vivência”) pode ser uma condição facilitadora, mas não é uma condição necessária (nem suficiente) para reconhecer mecanismos de opressão na sociedade. Somando-se a isso, se alguém está interessado em resolver injustiças sociais por meios éticos, sugerir alternativas racionais para saná-las parece exigir muito mais conhecimento proposicional sobre o mundo do que conhecimento por contato. E este conhecimento não deriva apenas das ciências empíricas. A própria reflexão ética é baseada por proposições, sem necessidade de depender única e exclusivamente de locais de falas da vivência do oprimido. Ativismo maduro — eticamente engajado e cientificamente informado –, é muito antes checar os fatos (ou proposições) do que checar os privilégios (ou suas vivências).

Uso de maconha por adolescente: Recente estudo sugere que o consumo não está ligado a depressão, câncer e nem sintomas psicóticos

Uso de maconha por adolescente: Recente estudo sugere que o consumo não está ligado a depressão, câncer e nem sintomas psicóticos
 [Originalmente postado no blog Bule Voador]
O uso crônico de maconha por adolescentes não parece estar ligado a questões posteriores de saúde física ou mental, como depressão, sintomas psicóticos ou asma. Esta foi a conclusão de um recente estudo publicado pela American Psychological Association.
Pesquisadores da Universidade de Pittsburgh Medical Center e da Universidade Rutgers acompanharam 408 homens a partir da adolescência até seus 30 e poucos anos.
“O que descobrimos foi um pouco surpreendente”, disse o pesquisador Jordan Bechtold, pesquisador de psicologia da Universidade de Pittsburgh Medical Center. “Não houveram diferenças nos resultados de saúde mental ou física que nós medidos, independentemente da quantidade ou frequência de maconha usada durante a adolescência.”
O uso de maconha foi submetido a um intenso escrutínio depois de vários estados nos EUA legalizarem a droga, o que levou os pesquisadores a examinarem se o uso de maconha entre adolescentes têm consequências para a saúde a longo prazo. Com base em alguns estudos anteriores, eles esperavam encontrar uma ligação entre o uso de maconha entre adolescentes e o posterior desenvolvimento de sintomas psicóticos (delírios, alucinações, etc.), câncer, asma ou problemas respiratórios, mas nenhuma foi encontrada. O estudo também não encontrou nenhuma ligação entre o uso de maconha entre adolescentes e depressão, ansiedade, alergias, dores de cabeça ou pressão arterial elevada. Este estudo é um dos poucos sobre os efeitos da saúde a longo prazo do uso de maconha entre adolescentes que têm monitorado centenas de participantes de mais de duas décadas de suas vidas, disse Bechtold.
A pesquisa foi um desdobramento do Estudo da Juventude de Pittsburgh, que começou a acompanhar desde os 14 anos de idade estudantes do sexo masculino de escolas públicas e Pittsburgh no final de 1980 para analisar várias questões de saúde e sociais. Durante 12 anos, os participantes foram examinados anualmente ou semestralmente, e uma pesquisa seguinte foi realizada com 408 participantes em 2009-10 quando eles tinham 36 anos de idade. A amostra do estudo foi de 54% de negros, 42% de branco e 4% de outras raças ou etnias. Não houve diferenças nos resultados com base em raça ou etnia.
Os participantes foram divididos em quatro grupos com base no seu uso de maconha relatada: baixo ou não-usuários (46%); usuários crônicos (22%); participantes que só fumaram maconha durante a adolescência (11%); e aqueles que começaram a usar maconha mais tarde, em seus anos de adolescência e continuara usando a droga (21%). Usuários crônicos relataram um consumo muito maior de maconha, o que aumentou rapidamente durante a adolescência para um pico de mais de 200 dias por ano, em média, quando eram 22 anos de idade. Entretanto, o consumo relatado diminuía à medida que envelheceram.
Os pesquisadores controlaram outros fatores que podem ter influencia nos resultados, incluindo tabagismo, uso de outras drogas ilícitas, e acesso dos participantes ao seguro de saúde. Uma vez que o estudo incluiu apenas homens, não houve resultados ou conclusões sobre as mulheres. Relativamente poucos participantes tinham sintomas psicóticos, de acordo com o estudo.
“Queríamos ajudar a informar o debate sobre a legalização da maconha, mas é uma questão muito complicada e um estudo não deve ser tomada de forma isolada”, disse Bechtold.
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Tradução: Cicero Escobar

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Chamada do CNPq está apoiando pesquisa em homeopatia

   Ao abrir a página do CNPq desta semana, é possível encontrar um anúncio desconfortável. Uma chamada em parceria com a ANVISA visando apoiar financeiramente projetos que incluem estudos envolvendo homeopatia. E isso não é a primeira vez que acontece.
   O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq, é uma agência do Ministério da Ciência, e desde a década de 50 tem como principais atribuições fomentar a pesquisa científica e tecnológica e incentivar a formação de pesquisadores brasileiros. Na página da agência é possível encontrar o que norteia a instituição: “Fomentar a Ciência, Tecnologia e Inovação e atuar na formulação de suas políticas, contribuindo para o avanço das fronteiras do conhecimento, o desenvolvimento sustentável e a soberania nacional.” A missão da agência é cristalina. Contudo, algumas vezes seu financiamento científico é obscurantista.
   O CNPq é um órgão ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Trocando em miúdos, o investimento em ciência e tecnologia da instituição é adquirido através de dinheiro público. Sendo assim, há pelo menos duas responsabilidades que a instituição deve prezar — uma científica e outra moral.
   Na literatura científica é possível encontrar pelo menos 5 meta-análises (estudos sobre estudos científicos) indicando unanimemente que a homeopatia não difere do placebo. Se a homeopatia quer ser aceita como medicina ela tem que se mostrar eficaz, e ser submetida ao escrutínio científico é uma condição necessária para alcançar esse objetivo. Medicina é uma só: Se alguém faz alguma alegação extraordinária sobre um fenômeno médico, deve estar submetido ao mesmo rigor crítico que qualquer pesquisador no mundo faz sobre determinado evento. O resumo é: Um preparado homeopático não difere em nada de pílulas de farinha. Tendo em posse essas informações – qualquer pessoa pode ter acesso gratuitamente aos artigos científicos nas Universidades públicas do país –, chega ser irônico o uso de parte do recurso público (que fornece subsídio à informação e senso crítico ao indivíduo) parcialmente dividido para financiar projetos em uma linha de pesquisa cuja conclusão já foi satisfatoriamente demonstrada como ineficaz. Então é aqui que fica o questionamento moral: É correto que um órgão governamental continue promovendo recursos humanos e financeiros a uma prática contraditória aos princípios básicos de química, física e biologia, e que ainda vai de encontro aos melhores resultados científicos disponíveis? Embora de natureza um pouco distinta, é esperado que pessoas repudiem uma fraude científica. Por qual razão deixaria de ser uma discussão igualmente ética um órgão de fomento de pesquisa endossar uma prática ausente de respaldo na comunidade científica?

   Alguém poderia refutar: Só teremos condições de concluir sobre a eficácia após dedicar recursos em pesquisas. Não está errado quem alega isso, não fosse pelo fato de que a homeopatia já foi profundamente investigada (sobretudo a nível clínico — pois já foi concebido que poderia haver algum fenômeno básico ainda desconhecido a nível molecular). Nesse sentido, seria algo ao equivalente a defender recursos a uma pesquisa que quisesse novamente descobrir a roda. Além disso, a chamada de apoio financeiro ao projeto não menciona a investigação de eficácia. Ao que tudo indica já se considera a prática eficaz. Segundo o texto publicado na chamada, um dos objetivos é o “estudo para desenvolvimento de monografias de insumos ativos para uso homeopático”. Uma chamada de pesquisa deste tipo não parece fazer sentido se alguém entende que a prática não tem eficácia.
   O apoio do CNPq favorável à homeopatia contradiz o processo rigoroso de revisão por pares ao qual a prática já foi submetida. Não parece ser uma atitude virtuosa especialmente de uma agência de fomento que deveria reconhecer o estado da arte daquilo que está sendo financiado.
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Nota de esclarecimento: O autor não se opõe ao direito dos homeopatas de fazer e vender seus preparados (como já foi defendido aqui). Seria falacioso que, mesmo reconhecendo a não eficácia da prática, disso se seguisse proibição de venda e consumo — sobretudo se este comércio é exercido na esfera privada e com pleno consentimento dos envolvidos.

Novo modelo pode explicar surgimento de autorreplicação nos primórdios da Terra

Post traduzido para o Universo Racionalista 

Crédito: Credit: Maslov and Tkachenko
Quando a vida na Terra começou há mais 4 bilhões de anos - muito antes dos seres humanos, dos dinossauros ou até mesmo as primeiras formas unicelulares de vida -, ela pode ter iniciado como um "soluço" ao invés de um "rugido": Blocos simples de construção moleculares, conhecidos como monômeros, foram agregando-se em cadeias mais longas, chamadas de polímeros, e, sequencialmente, acabaram indo em direção a lagos quentes - que alguns chamam de lodo primordial.
   Então, em algum momento, essas cadeias poliméricas crescentes desenvolveram a capacidade de fazer cópias de si mesmas. A concorrência entre tais moléculas garantiria a existência das mais eficientes na tarefa e, também, a capacidade de fazer cópias mais rápidas ou com maior abundância -- traço que seria compartilhado pelas cópias geradas. Esses replicadores rápidos poderiam preencher o lodo primordial com mais velocidade do que os outros polímeros, permitindo que a informação por eles codificada pudesse ser passada de uma geração para outra, eventualmente, dando origem ao que nós pensamos hoje como a vida.
   Mas, sem registro fóssil para verificar os acontecimentos da Terra primordial, temos uma narrativa que ainda está ausente de alguns capítulos. Uma questão em particular continua a ser problemática: o que permitiu o salto de uma sopa primordial constituída de monômeros individuais para cadeias de polímeros autorreplicantes?
   Uma nova proposta, publicada nesta semana no The Journal of Chemical Physics, postula que a ligação de polímeros pode ter sido auxiliada por uma molécula-modelo, ou seja, a união de dois polímeros auxiliada por essa molécula-modelo poderia ter permitido que eles se tornassem autorreplicantes.
   "Tentamos preencher essa lacuna no entendimento entre os sistemas físicos simples para algo que pode se comportar de forma realista e transmitir informações", disse Alexei Tkachenko, pesquisador do Brookhaven National Laboratory. Tkachenko realizou a pesquisa ao lado de Sergei Maslov, um professor da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign.
 Origens da autorreplicação
   A autorreplicação é um processo complicado. O DNA, base para a vida na Terra hoje, requer uma ação coordenada de enzimas e de outras moléculas a fim de se duplicar. Os primeiros sistemas autorreplicantes eram, certamente, mais rudimentares, mas a sua existência naquela época ainda é um pouco desconcertante.
   Tkachenko e Maslov propuseram um novo modelo que mostra como as primeiras moléculas autorreplicantes poderiam ter trabalhado. O modelo alterna entre as fases "dia", em que os polímeros individuais flutuam livremente, e fases "noite", em que se juntam para formar cadeias maiores via ligação auxiliada por uma molécula-molde. As fases são conduzidas pelas alterações cíclicas das condições ambientais, tais como temperatura, pH e salinidade - que conduzem o sistema para fora do equilíbrio e induzem os polímeros tanto a se unirem ou a se separam.
   De acordo o modelo, durante os ciclos de noite, múltiplos pequenos polímeros ligam-se a cadeias de polímeros maiores, que atuam como molde. Esse molde maior de cadeias mantém os polímeros menores próximos o suficiente para que eles possam formar uma ligação química de cadeias maiores - sendo uma cópia complementar de pelo menos parte da molécula modelo. Com o tempo, os polímeros sintetizados devem predominar, dando origem a um sistema autocatalítico e autossustentável de moléculas grandes o suficiente para potencialmente codificar novas moléculas para a vida.
   Os polímeros, também, podem ligar-se em conjunto sem a ajuda de um molde, mas o processo é um pouco mais aleatório - uma cadeia que se forma em uma geração não será necessariamente levada para a próxima. A ligação assistida por molde, por outro lado, é um meio mais fiel de preservar a informação, uma vez que as cadeias de polímero de uma geração são utilizadas para construir a próxima. Assim, essa proposta combina o prolongamento de cadeias de polímero com a sua replicação, proporcionando um mecanismo potencial de hereditariedade.
Enquanto alguns estudos anteriores têm argumentado que uma mistura dos dois é necessária para sair um sistema de monômeros para outro de polímeros autorreplicantes, o modelo de Maslov e Tkachenko demonstra que é fisicamente possível para a autorreplicação surgir com apenas ligação auxiliada pelo modelo.

"O que nós demonstramos pela primeira vez é que mesmo se tudo que você tem é a ligação auxiliada pelo modelo, você ainda pode iniciar o sistema de sopa primordial", disse Maslov.
   A ideia da autorreplicação auxiliada por uma molécula molde foi originalmente proposta na década de 1980, mas de uma forma qualitativa. "Agora, é um modelo real que pode ser executado através de um computador", disse Tkachenko. "É uma peça sólida de ciência para a qual você pode adicionar outros recursos e estudar os efeitos de memória e herança."


   Com o modelo de Tkachenko e Maslov, a condução a partir de monômeros para polímeros é bem mais repentina. É necessário um determinado conjunto de condições para dar o salto inicial de monômeros para polímeros autorreplicantes, mas essas exigências rigorosas não são necessárias para manter um sistema de polímeros autorreplicantes uma vez que se venceu sobre o primeiro obstáculo.
Uma limitação do modelo que os pesquisadores planejam abordar em estudos futuros é a sua suposição de que todas as sequências de polímero são igualmente prováveis de ocorrer. Transmissão de informações requer variação hereditária -- há determinadas combinações de código de bases para proteínas específicas, que têm funções diferentes. O próximo passo, então, é a de considerar um cenário em que algumas sequências tornam-se mais comuns do que outras, permitindo que o sistema para transmitir informações significativas.
   O modelo de Maslov e Tkachenko se encaixa na proposta conhecida como hipótese do mundo-RNA - a hipótese de que a vida na Terra começou com moléculas de RNA autocatalíticas que, em seguida, levaria a existência da molécula mais estável, porém mais complexa como modo de transmissão de herança, do DNA. Entretanto, por ser uma tese muito geral, pode ser utilizada para testar quaisquer hipóteses sobre a origem da vida que dependa do surgimento de um sistema simples autocatalítico.
   Maslov adiciona: "Nós não estamos tentando resolver a questão de qual material esta sopa primordial de monômeros está vindo" ou quais as moléculas específicas envolvidas. Em vez disso, o seu modelo mostra um caminho fisicamente plausível partindo de monômero indo em direção a polímeros autorreplicante, assim avançando um passo mais para de compreender a origem da vida.
 
 Traçando a origem da vida, de Darwin até os dias atuais 

  Quase toda cultura no planeta tem uma história de origem, uma lenda que explica a sua existência. Os seres humanos parecem ter uma profunda necessidade de uma explicação de como acabamos aqui, neste pequeno planeta girando através de um vasto universo. Os cientistas, também, há muito , têm procurado a história de nossas origens, tentando discernir como, em uma escala molecular, a Terra passou de uma confusão de moléculas inorgânicas para um sistema ordenado de vida. A pergunta é impossível de responder com certeza; não há registro fóssil nem testemunhas oculares. Entretanto, isso não impediu que cientistas de tentarem.
   Ao longo dos últimos 150 anos, nossa compreensão da origem da vida tem espelhado o surgimento e desenvolvimento dos campos de química orgânica e biologia molecular. Ou seja, uma maior compreensão do papel que os nucleotídeos, proteínas e genes desempenham na formação do nosso mundo vivo hoje também melhora, gradualmente, a nossa capacidade de perscrutar o seu passado misterioso.
   Quando Charles Darwin publicou seu seminal "A Origem das Espécies", em 1859, ele falou pouco sobre o surgimento da vida em si, possivelmente porque, na época, não havia nenhuma maneira de testar tais ideias. Suas únicas observações reais sobre o assunto vêm de uma carta posterior a um amigo, na qual ele sugeriu um que a vida surgiu a partir de uma "poça morna" com um rico caldo de química de íons. No entanto, a influência de Darwin era de longo alcance, e suas observações improvisadas formaram a base de muitas origens dos cenários da vida nos anos seguintes.
   No início do século 20, a ideia foi popularizada e expandida por um bioquímico russo chamado Alexander Oparin. Ele propôs que a atmosfera na Terra primitiva era reduzida, o que significa que teve um excesso de carga negativa. Este desequilíbrio de carga poderia catalisar uma sopa pré-biótica de moléculas orgânicas existentes em direção às primeiras formas de vida.
   Os textos de Oparin, eventualmente, inspiraram Harold Urey, que começou a explorar a proposta de Oparin. Urey, em seguida, chamou a atenção de Stanley Miller, que decidiu testar, formalmente, a ideia. Miller tomou uma mistura da qual ele acreditava que os oceanos da Terra primitiva pode ter constituído -- uma mistura de compostos reduzidos, ou seja, composto de metano, amônia, hidrogênio e água- - e a ativou com uma faísca elétrica. A descarga elétrica transformou quase a metade do carbono no metano em compostos orgânicos. Um dos compostos que produziram foi glicina, o aminoácido mais simples.
   O experimento inovador de Miller-Urey mostrou que a matéria inorgânica poderia dar origem a estruturas orgânicas. E, embora a ideia de uma atmosfera redutora tenha caído gradualmente em desuso, sendo substituída por um ambiente rico em dióxido de carbono, a estrutura básica de Oparin de uma sopa primordial rica em moléculas orgânicas ainda continua plausível.
A identificação de DNA como o material hereditário comum para toda a vida, e a descoberta de que o DNA codifica o RNA, que, por sua vez, codifica as proteínas, forneceu uma nova visão sobre a base molecular para a vida. No entanto, forçou, também, os pesquisadores da origem da vida para responder a uma pergunta desafiadora: Como poderia essa maquinaria molecular complicada ter começado? O DNA é uma molécula complexa, requerendo uma equipe coordenada de enzimas e de proteínas para se replicar. Seu surgimento espontâneo parecia improvável.
Na década de 1960, três cientistas -- Leslie Orgel, Francis Crick e Carl Woese –, independentemente, sugeriram que o RNA poderia ser o elo perdido. Já que o RNA pode autorreplicar-se, então, poderia ter agido tanto como material genético como catalisador para o início da vida na Terra. O DNA, mais estável, embora mais complexo, surgiria mais tarde.
   Atualmente, acredita-se, amplamente (embora não universalmente aceito), que, em algum ponto da história, um mundo baseado no RNA dominou a Terra. Mas, como e se houve um sistema ainda mais simples é algo que continua em debate. Muitos argumentam que o RNA é muito complicado para ter sido o primeiro sistema de autorreplicantes na Terra, e que algo mais simples o precedeu.
Graham Cairns-Smith, por exemplo, tem argumentado, desde a década de 1960, que as primeiras estruturas genéticas não foram baseadas em ácidos nucleicos, mas em cristais imperfeitos que surgiram a partir da argila. Segundo ele, os defeitos nos cristais armazenariam as informações que poderiam ser replicado e transmitido de um cristal para outro. Sua ideia, embora intrigante, não é amplamente aceita.
   Alternativamente, outros pesquisadores suspeitam que o RNA possa ter surgido em conjunto com os peptídeos - uma tese conhecida como mundo peptídeo-RNA -, em que ambos trabalharam juntos para construir a complexidade. Os estudos bioquímicos, também, estão fornecendo informações sobre ácidos nucleicos análogos ao RNA, porém mais simples. Ainda, é possível que os primeiros sistemas autorreplicantes na Terra não tenham deixado nenhum vestígio de si mesmos em nossos sistemas bioquímicos atuais.
   É nesse sentido que o recente trabalho de Tkachenko and Maslov traz uma colaboração importante. Sugerem que as moléculas autorreplicantes, tais como o RNA, possam ter surgido através de um processo chamado de ligação auxiliada por um molde. Isto é, sob certas condições ambientais, pequenos polímeros poderiam ser levados a ligar-se com cadeias mais longas de um polímero complementar, mantendo os fios curtos em proximidade suficientes próximos uns dos outros para que eles pudessem se fundir em cadeias mais longas. Através de mudanças cíclicas nas condições ambientais que induzem cadeias complementares que virão juntos, uma coleção autossustentável de hibridizadas -- polímeros autorreplicantes --, capazes de codificar as bases para a vida, poderia ter surgido.
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Fonte:  Phys.org
Tradução: Cícero Escobar
Artigo
"Spontaneous emergence of autocatalytic information-coding polymers," por Alexei Tkachenko and Sergei Maslov, The Journal of Chemical Physics on July 28, 2015: http://scitation.aip.org/content/aip/journal/jcp/143/2/10.1063/1.4922545

domingo, 21 de junho de 2015

Um pouco sobre Direitos Humanos

Texto originalmente publicado no blog oficial da Liga Humanista do Brasil (Bule Voador)

“O sentimento vingativo que se denomina indignação moral não passa de uma forma de crueldade (…) pensar o criminoso como objeto de execração é totalmente irracional.”
Bertrand Russel

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Não parece por acaso que dentre os países com os melhores indicadores sociais encontram-se aqueles que mais zelam por liberdades individuais. Estudos nas áreas sociais têm apontado que as nações com maiores expectativas de vida, melhores níveis de alfabetização, educação e renda, são mais sensíveis a provocarem sentimento de autorrealização, e portanto felicidade [1]. E que as diferenças de personalidades entre homens e mulheres são maiores e mais robustas nos países mais prósperos e igualitários [2]. Por exemplo, é notório que a legalização do casamento gay é uma característica destes países, ou, no mínimo, é uma tendência que estes países estejam dispostos a debater e rever suas posições sobre o assunto (vide o referendo sobre o casamento homossexual recentemente na Irlanda). Acontece que para atingir este reconhecimento em qualidade de vida é necessário, ou no mínimo facilitador, que estas sociedades sejam comprometidas com Direitos Humanos.
E não é o caso que não se tente aqui no Brasil. De fato, há tentativas governamentais e não governamentais que lutam em prol de uma sociedade melhor, pautada por respeito aos direitos humanos. Infelizmente, e aqui a situação começa a se agravar, falar sobre direitos universalizantes no Brasil parece, para muitos, a se resumir em frases preguiçosas e mal informadas do tipo “defesa para bandido” ou “direitos humanos para humanos direitos”. Parte desta tentativa apressada e seletiva no que diz respeito a defesa de direitos básicos parece ser advinda da mal compreensão do que significa defender direitos universalizantes.

Grosso modo, direitos humanos são direitos que atribuímos uns aos outros independentemente de acordos pessoais e de determinações legais, ou seja, é entender que estes direitos não dependem de nacionalidade, classe social, etnia ou da vontade da maioria. São, antes de tudo, direitos morais no sentido de garantir a satisfação de condições mínimas para a realização de uma vida digna, e que consideram que qualquer indivíduo possa satisfazer suas necessidades básicas (como alimentação e assistência médica básica). É por isso que cercear a liberdade de um criminoso não implica em ter de deixá-lo em condições miseráveis correndo risco de morte em um cárcere. Reconhecer direitos humanos não significa defender a tese que criminosos não devem ser punidos; por outro lado, não defende-se a punição de um crime por tráfico de drogas com a morte do indivíduo. E que “justiça” feita com a próprias mãos pode ser qualquer coisa (vingança, provavelmente), menos justiça. Entre outras coisas, também a declaração mais recente dos direitos humanos foi criada como uma reação a uma das maiores barbáries em toda a História, na qual mais de 45 milhões de pessoas foram mortas em conflitos envolvendo regimes totalitários. O lado mais assustador disso é que boa parte das mortes não se deu no campo de batalhas, mas foram mortas por seus próprios Estados que lhe tiraram as condição de sujeitos de direitos. É nesse sentido que garantir direitos humanos também é fornecer um mecanismo de prevenção contra um eventual poder excessivo do Estado.

É sintomático que parte do público que desconhece minimamente o que é direitos humanos inclua as pessoas dispostas a relativizar qualquer assunto que envolva temas sobre a moral, e não raro são as mesmas que desprezam a argumentação às suas ideias, contentando-se simplesmente a manifestar um relativismo moral raso e/ou discursos de ódio. Entretanto, e há boas razões para afirmar isso, o relativismo cultural é incompatível com a tese de direitos humanos universalizantes [3]. Um problema similar, com causas no desconhecimento do assunto, acontece com as frases que colocam a falsa dialética “direitos humanos para bandidos ou para a vítima?”. Conforme já discutido em outro momento, a questão aqui não é de mérito (tampouco de conquista), mas de direito, e que endossar esse tipo de dilema é apenas contribuir para um debate mal informado e pautado na ânsia de satisfazer seus próprios instintos destrutivos.

O apelo a maioria é um ponto crucial quando falamos em direitos universais. É irrelevante se a maioria é contra a permissão da mulher decidir interromper uma gravidez; não é relevante que a maioria de uma população seja contra a mutilação de genitálias em mulheres para que isso seja combatido; é desnecessário exigir que políticas de casamentos civis do mesmo sexo tenham a aprovação da maioria. No momento que há disposição em aderir a teses universais, não é a maioria quem decide estas questões. Decisões deste tipo devem ser pautadas por reflexões éticas e evidências empíricas [4]. São considerações deste tipo que devem anteceder a aprovação de uma lei, e não a aprovação de uma lei que define o que é ou não ético.

Ampliar direitos de minorias sociais é tornar um mundo melhor, e isso não tira direitos de quem já os possui. E num país onde boa parte da população é mal informada sobre assuntos de ética e direitos universalizantes, é um indicativo que muito ainda temos para divulgar e estudar sobre estes assuntos.
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Notas

1. Há várias definições possíveis para o termo “indicadores sociais”. Para o meu propósito, refiro-me a alguns dados empíricos que são facilmente acessíveis de diversos países. Por exemplo, o portal da OECD (Organisation for Economic Co-operation and Development ) fornece uma interessante ferramenta na qual é possível visualizar e comparar alguns dos fatores centrais – tais como escolaridade, moradia, meio ambiente, etc (acesse aqui, em português). Ao simular o efeito da diferença de gêneros sobre alguns quesitos (em máxima importância), como renda, educação, trabalho e satisfação pessoal, nota-se que o México, Turquia e o Brasil não apenas apresentam os mais baixos valores para os quesitos simulados como também as maiores diferenças entre homens e mulheres. Países como Dinamarca, Suécia, Estados Unidos e Suíça apresentam os melhores valores dos quesitos, e também as menores diferenças nos valores dos índices comparando homens e mulheres.
Aqui, eu entendo o termo “liberdade individual” como garantias civis para que um indivíduo possa ter livre expressão de gênero sexual, confissão de crença e de expressão. Países que impedem algumas dessas garantias são, geralmente, os que apresentam os piores índices sociais. Assim, é importante reconhecer que desenvolvimento econômico (e liberdade econômica) é uma condição necessária mas não suficiente para o progresso social.

2. Costa, P.T. Jr.; Terracciano, A.; McCrae, R.R. (2001). “Gender Differences in Personality Traits Across Cultures: Robust and Surprising Findings“. Journal of Personality and Social Psychology 81 (2): 322–331. doi:10.1037/0022-3514.81.2.322. PMID 11519935.


4. Nos últimos anos, alguns autores contaminados em alguma medida pelo cientificismo têm lançados livros que defendem a tese que a ciência sozinha pode dar conta de determinar quais são os valores humanos dignos de atenção. Em outras palavras, que não há muito espaço para reflexões filosóficas (Vide Sam Harris e Michael Shermer, nos livros A paisagem Moral e The Moral Arc: How Science and Reason Lead Humanity toward Truth, Justice, and Freedom, respectivamente). O que é curioso, já que qualquer reflexão ética é por natureza uma exercício filosófico. O que está em causa é o seguinte: Dados empíricos são relevantes mas não determinam uma resposta única. Tanto a ciência e filosofia precisam operar em conjunto. Em alguns casos, a ciência é muito mais descritiva do que normativa. Não precisamos entender profundamente de neurociência para defender a tese que a mutilação genital é eticamente condenável. No vídeo, quando Michael Shermer tropeçava em conceitos básicos, Massimo Pigliucci foi claro em defender o que está em jogo na confusão cientificista destes autores.