terça-feira, 20 de agosto de 2019

Educação, os pós-modernos e o estado atual das coisas.


Boa parte da falência intelectual que avança sobre algumas áreas das humanas se deve ao movimento chamado pós-modernismo. Isso não significa que todas as áreas das humanas estão sob efeito dessa podridão, pois isso é falso. A própria distinção entre "humanas" e "exatas" soa um tanto artificial se há por trás um projeto comum de busca pela verdade. Ocorre que é justamente esse projeto o que é atacado pelos pós-modernos. E de quebra, são as áreas tradicionalmente das humanas as mais vulneráveis. A filósofa Susan Haack chama o movimento de o "Novo Cinismo" (em uma atualização em relação ao velho cinismo, quando a humanidade vivia numa época de escuridão intelectual e perseguição ao livre pensamento).
Os novos cínicos defendem que tudo gira em torno dos interesses políticos e que em última análise o que conta é a força política (ou a força bruta) e não a discussão racional e a troca de argumentos. A partir disso tudo paralisa, de tal modo que a ciência, a sociedade e a política são determinadas por forças cegas e movimentos irracionais.
Alguns departamentos de humanas não só falharam em resistir ao pós-modernismo (já que sua linguagem é sedutora ao abraçar uma agenda que fala em defesa dos oprimidos e contra o capitalismo), mas parecem que o ampliaram.
E sobre o estado atual das coisas, eis um resumo de uma opinião pessoal. Há anos eu vinha acompanhando a paixão de alguns acadêmicos de humanas pelo pós-modernismo. Hoje, muitos deles ficam horrorizados de como pode ser possível pessoas darem tanta atenção a um astrólogo que se diz filósofo, outros tanto defendem coisas como a Terra plana e, pior ainda, o movimento antivacina parece estar se alastrando. A minha provocação é a seguinte: Se aquilo que você é tão apaixonado tem por trás a espinha dorsal a crença de que a verdade objetiva é um mito à serviço dos opressores, então o que você está fazendo é justamente dando munição para que aqueles que não gostam de suas atividades possam usar de armas semelhantes para atacá-lo: Ataca-se a educação, cortam-se suas verbas!
Eu me oponho ferrenhamente às motivações pós-modernas, pois são falsas e destrutivas. E também me oponho ao ataque à educação que o atual governo tem realizado, pois é infantil e hostil. Mas o estado atual das coisas é este. É lamentável em vários lados.
(Segue abaixo alguns trechos do livro do filósofo canadense Stephen R. C. Hicks. O primeiro capítulo é excelente para começar a entender o estrago intelectual do pós-modernismo).
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Hoje em dia, é corrente a ideia de que ingressamos em uma nova era intelectual. Somos pós-modernos agora. Os intelectuais mais proeminentes afirmam que o Modernismo morreu e que estamos à beira de uma época revolucionária — livre dos cerceamentos opressivos do passado, mas, ao mesmo tempo, inquieta, em razão de suas expectativas para o futuro.
Michel Foucault identificou os alvos principais: “Todas as minhas análises se opõem à ideia de que existem necessidades necessidades universais na existência humana”. Essas necessidades devem ser abolidas, pois são fardos do passado: “Não faz sentido falar em nome da Razão, da Verdade ou do Conhecimento — e nem mesmo contra eles”.
Se não há mundo nem ser que, em si mesmo, possamos compreender e corrigir, então qual é o propósito do pensamento ou da ação? Tendo desconstruído a razão, a verdade e a ideia de que existe uma correspondência entre pensamento e realidade, e então, finalmente, as descartado (“a razão”, escreve Foucault, “é a derradeira linguagem da loucura”), nada resta para nortear ou cercear nossos pensamentos e sentimentos. Assim sendo, podemos fazer ou dizer o que bem entendermos. A desconstrução, diz Stanley Fish em alegre confissão, “me libera da obrigação de ser correto… e exige apenas que eu seja interessante”.
Muitos pós-modernistas, porém, demonstram mais pendor para o ativismo político que para o jogo estético. Muitos desconstroem a razão, a verdade e a realidade por acreditarem que, em nome da razão, da verdade e da realidade, a civilização ocidental espalhou a dominação, a opressão e a destruição. “A razão e o poder são uma coisa só”, declara Jean-François Lyotard. Ambos levam a “prisões, proibições, processo de seleção, bem público”, dos quais são sinônimos.
O conflito entre homens e mulheres é brutal. Escreve Andrea Dworkin: “A transa normal por um homem normal é considerada um ato de invasão e de posse, realizado como uma forma de predação”.
O Pós-modernismo repudia todos os fundamentos do Iluminismo. Afirma que as premissas modernistas do Iluminismo eram, desde o início, insustentáveis e que hoje suas manifestações culturais perderam completamente a força. Embora o mundo moderno continue a falar em razão, liberdade e progresso, suas patologias indicam uma outra coisa. A crítica dos pós-modernistas a essas patologias se apresenta como o réquiem do Modernismo: “Os estratos mais profundos da cultura ocidental” foram expostos, argumenta Foucault, e “mais uma vez se movem sob nossos pés. Os pós-modernistas repelem a razão e o individualismo sobre os quais se apoia todo o universo iluminista. E finalizam atacando todas as consequências da filosofia iluminista, desde o capitalismo e as formas liberais de governo até a ciência e a tecnologia. Os fundamentos do Pós-modernismo são antagônicos aos do Modernismo. Em vez da realidade natural, o antirrealismo. Em vez de apreciarem as realizações da ciência e da tecnologia, nutrem acerca delas uma suspeita que tende à franca hostilidade.
A crítica literária pós-moderna rejeita a noção de que os textos literários têm interpretações e significados verdadeiros. Qualquer pretensão de objetividade e verdade pode ser desconstruída.
Na Educação, o Pós-modernismo rejeita a noção de que o propósito da educação é, antes de tudo, treinar a capacidade cognitiva da criança para o raciocínio, a fim de produzir um
adulto capaz de funcionar com independência no mundo. Seus representantes mais vociferantes contam-nos que “Verdade” é um mito. “Razão” é um construto eurocêntrico, de homens brancos. “Igualdade” é um artifício para mascarar a opressão.
Os debates pós-modernos exibem, assim, uma natureza paradoxal. Todos professam, por um lado, os temas abstratos do relativismo e do igualitarismo. Esses temas assumem formas éticas e epistemológicas. A objetividade é um mito; não existe Verdade, nenhuma Maneira Certa de interpretar a natureza ou um texto. Todas as interpretações são igualmente válidas. Os valores são produtos socialmente subjetivos. Culturalmente falando, portanto, não há valores, em nenhum grupo, que mereçam crédito especial.

Um equívoco (comum) sobre igualdade. O caso Neymar e Marta.

A fixação por "igualdade" já tem passado do limite do bom senso. Como já tem acontecido com vários outros mantras da lacração, o termo agora é utilizado com suficiente esticamento para perder de vista sua esfera de significado. Igualdade deveria ser um engajamento ético em prover iguais condições de acesso e oportunidades. Na acepção de muitos, a "igualdade" agora é vista como uma tentativa de engenharia social rumo a uma ideal de paridade numérica, e que enxerga discriminação em toda e qualquer eventual desproporção dos resultados. Dito isso, não é de se estranhar essa comoção por diferenças salariais entre homens e mulheres, sobretudo no futebol.
O que está em causa aqui é uma confusão entre igualdade de oportunidade e igualdade de resultados. Que todos os indivíduos devem ter acesso igualitário, garantidos por lei, a oportunidades que emergem espontaneamente em seus espíritos, sem que sejam discriminados por arbitrariedades contingentes (etinia, raça, sexo, etc.) é algo que qualquer ser humano deveria estar comprometido - aliás, é a motivação básica da cartilha dos Direitos Humanos. Disso não se segue, entretanto, que a igualdade material e/ou de resultados seja um imperativo moral. Duas razão em defesa disso são: i) Pessoas são diferentes, têm motivações distintas, logo terão aptidões diversas. Dito de outro modo, só teria sentido em se falar de igualdade de resultados se as pessoas tivessem interesse igualmente distribuídos tomando como variável principal as vontades individuais. Como a consequente não é verdadeira, a antecedente se desfaz perante a realidade; e ii) há um conflito óbvio entre igualdade de resultado e liberdade individual, ou seja, ao insistir demasiadamente na primeira é possível que se termine sem as duas (vide as insistências das experiências socialistas em criar um "novo homem", acabando por tentar igualar todo mundo, mas num nível de miséria e com pouca liberdade - a única exceção sempre foi aos intelectuais planificadores da economia e dos costumes, não por acaso membros efetivos do partido e/ou da corte autoritária/ditatorial).
 
Um fato basilar em economia é que não existe "o real valor" de uma profissão. O valor de um bem ou serviço é determinado por um complexo arranjo de fatores, tais como oferta, demanda; o que se faz impossível determinar objetivamente o valor de um serviço.

Não por acaso que jogadores de futebol e artistas ganham mais que professores. O que determina a remuneração no mercado não é se a profissão é bela, mas sim pelo valor subjetivo, ou seja, o quanto as pessoas estão dispostas a pagar. Além disso, há a questão do alcance. Um professor universitário, muito embora desempenhe uma profissão de mérito socialmente reconhecida, tem alcance muito menor em comparação a um artista ou jogador de futebol. Faça as estimativas: Um professor deve contribuir, em média, para a formação de 200 alunos ao ano; por outro lado, milhões de pessoas consomem voluntariamente os serviços de jogadores e artistas. Se não gerassem valor, seria simplesmente impossível terem esses salários.

Muita gente está assombrada pela diferença salarial de Neymar e Marta. Primeiro, é necessário dizer que o salário da jogadora já é bastante alto comparado a média de outras profissões de baixo alcance. Somado com os patrocínios, estima-se um salário anual acima de 1 milhão de reais, o que é maior do que muitos jogadores homens. Muito disso ocorre pelas razões apontadas acima. Segundo, é verdade que Neymar ganha mais, mas não é necessariamente verdade que isso se deva apenas ao preconceito de gênero. E é muito menos plausível que esse fetiche por "equiparação salarial" faça sentido econômico.

Agora, se alguém está genuinamente preocupado com isso pode fazer duas coisas: i) Ajude o salário do Neymar diminuir, deixando de acompanhar seus jogos. Enquanto você dá audiência, a emissora cobra mais dos patrocinadores e ganha mais dinheiro. Assim, os produtos relacionados valorizam, bem como aumentam as vendas de ingressos. ii) Acompanhe com mais frequência o futebol feminino e compre seus produtos derivados (exemplo, camisas da jogadora). Fazendo isso, pelas mesmas razões descritas em i), os salários médios das jogadoras devem naturalmente aumentar.

O que você não pode fazer é pensar que todas as pessoas vão começar a se interessar por futebol feminino só porque elas têm um suposto dever de dar mais empatia para a causa. É sempre bom lembrar que as pessoas são livres para gostarem e investirem seu tempo no que quiser. De fato, ninguém está impedido de acompanhar mais o futebol feminino, se assim desejar. De minha parte, eu não curto nem o futebol masculino nem o feminino, e confesso que acho o segundo ainda mais chato que o primeiro.