Afinal, de qual Deus estamos falando? Um
estudo apresentado em um portal virtual mostra um impressionante número de
quase 5000 nomes de deuses distintos, surgidos ao longo da história humana (1).
Carl Sagan, em um capítulo do livro Variedades
da experiência científica, colocou a questão da seguinte forma: se estamos
discutindo a ideia de Deus e ficarmos restringido aos argumentos racionais,
então é útil saber o que estamos querendo dizer quando falamos “Deus.” Para os
romanos, os cristãos eram ateus. Eles não acreditavam nas entidades dos deuses
do Olímpio. Nesse sentido, quando alguém diz que não crê em um Deus determinado,
ele é ateu com relação a esta divindade. Qual o motivo, portanto, de um Deus em
particular ser mais ou menos provável que os Deuses do Olímpio, ou qualquer
outro dos 5000 catalogados?
O ser humano sempre criou seus mitos e Deuses
ao longo da história. O catálogo supracitado não deixa dúvidas disso. Ademais,
dados mais ou menos atuais sugerem que o número de ateus no mundo não
ultrapassa 3% da população mundial (2). Isto não seria, portanto, uma evidência
de que algum Deus realmente exista? Em outras palavras, diante do número tão
variado de Deuses, e da quantidade imensa de pessoas que neles acreditam, não
estaria o ateu em um desafio para manter sua posição válida? Um questionamento
deste tipo levaria a várias outros desdobramentos; porém, para manter o foco na
questão numérica do argumento, vale, por enquanto, lembrar que quantidade não
significa verdade. Se todas as pessoas no mundo acreditarem em Deus, isso não
garante que ele exista de fato; de maneira similar, se todas as pessoas no
planeta um dia se tornarem ateias, isso não significa que, de fato, que Deus
nenhum exista.
Acredito que uma das possíveis explicações da
questão numérica possa estar relacionada diretamente com uma característica
intrínseca do ser humano de ter curiosidade sobre as coisas. A origem e
evolução das coisas. Em Dezembro de 2011 tive a oportunidade de estar presente
em uma palestra de um grande pesquisador, cuja pesquisa tem o enfoque na origem
da vida, Antônio Lazcano. O simpático cientista iniciou sua palestra lembrando
o público de diversas personalidades que foram, talvez, os pioneiros mais
importantes em diversas áreas de pesquisa. O sistema solar, com Kant e Laplace;
a evolução das espécies, com Lamarck e Darwin; a relação de calor e trabalho
(termodinâmica) com Carnot e Thomson; a população mundial, com Malthus; o
sistema econômico, com Marx e Engels; a religião, com Renan*. Todas as ideias
destes homens derivaram da curiosidade e da necessidade por respostas. Neste
sentido, nada mais natural que nossos antepassados também se questionassem
sobre a natureza ao seu redor. Sendo assim, considerando seus métodos
limitados, o sobrenatural poderia ser a razão de qualquer fenômeno da natureza.
Não por acaso que na lista dos 5000 Deuses é possível encontrar nomes
relacionados com a chuva, vegetação, mar, animais e outros vários que lembram
diretamente algum aspecto da natureza.
Caso a existência de Deus por número de
crentes fosse uma argumentação válida, uma exceção traria sérias objeções para
a existência de uma divindade. Embora a maioria das culturas do planeta tenham
seu(s) Deus(es) característicos, é sabido que existem casos que sequer existem
mitos de criações. A tribo amazônica Pirarrã é um exemplo disso, e conforme
discute o linguista Daniel Everett o povo da tribo sequer tem interesse pela
figura de Jesus Cristo (3, 4). O cientista, antes crente, depois de uma
tentativa frustrada de converter a tribo, se tornou ateu (5).
Considerando o elevado número de divindades da
história humana e, sendo estes Deuses tão diferentes entre si, são improváveis
que sejam os mesmos apenas com nomes e/ou atributos distintos. Nesse sentido,
certamente a questão, não somente da quantidade numérica, mas da religião como
manifestação humana, pode ser alvo de investigação sob a óptica evolutiva (6).
Com isto exposto, é difícil coadunar a
existência de uma comunidade, ou uma cultura inteira - que jamais teve a
necessidade de postular a existência de um Deus -, com a moral, que é um dos
aspectos centrais nas doutrinas de pelo menos das três maiores religiões
monoteístas existentes. E ainda falando em números, não se configura uma
exceção o fato de uma religião não ter a figura de Deus como componente
principal, ou até mesmo não possuir este ente no seu sistema de crenças. O
budismo, a sexta maior religião do mundo (7) é não-teísta (pelo menos no
sentido cristão) e o jainismo, uma das religiões mais antigas da Índia, também
possui a característica da ausência de Deus como criador. Seriam os integrantes
destes povos automaticamente desprovidos de moral, e também automaticamente
condenados ao fogo eterno? Esta é uma discussão bem mais complexa, que merece
uma atenção extra, que pretendo abordar em um futuro breve.
[*Aqui deixei somente a referência do
Lazcano, que certamente se limitou aos precursores da ciência moderna.
Entretanto, sabe-se que estes assuntos foram alvos de investigação, muitas
vezes, bem antes na história da humanidade. Por exemplo, Empédocles, aproximadamente 2460
anos antes de Charles Darwin,
já havia sugerido a origem
dos seres vivos por um processo de evolução a partir do caos sem a necessidade
de nenhum dogma religioso.]
1. http://www.godfinder.org/
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