domingo, 21 de junho de 2015

Um pouco sobre Direitos Humanos

Texto originalmente publicado no blog oficial da Liga Humanista do Brasil (Bule Voador)

“O sentimento vingativo que se denomina indignação moral não passa de uma forma de crueldade (…) pensar o criminoso como objeto de execração é totalmente irracional.”
Bertrand Russel

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Não parece por acaso que dentre os países com os melhores indicadores sociais encontram-se aqueles que mais zelam por liberdades individuais. Estudos nas áreas sociais têm apontado que as nações com maiores expectativas de vida, melhores níveis de alfabetização, educação e renda, são mais sensíveis a provocarem sentimento de autorrealização, e portanto felicidade [1]. E que as diferenças de personalidades entre homens e mulheres são maiores e mais robustas nos países mais prósperos e igualitários [2]. Por exemplo, é notório que a legalização do casamento gay é uma característica destes países, ou, no mínimo, é uma tendência que estes países estejam dispostos a debater e rever suas posições sobre o assunto (vide o referendo sobre o casamento homossexual recentemente na Irlanda). Acontece que para atingir este reconhecimento em qualidade de vida é necessário, ou no mínimo facilitador, que estas sociedades sejam comprometidas com Direitos Humanos.
E não é o caso que não se tente aqui no Brasil. De fato, há tentativas governamentais e não governamentais que lutam em prol de uma sociedade melhor, pautada por respeito aos direitos humanos. Infelizmente, e aqui a situação começa a se agravar, falar sobre direitos universalizantes no Brasil parece, para muitos, a se resumir em frases preguiçosas e mal informadas do tipo “defesa para bandido” ou “direitos humanos para humanos direitos”. Parte desta tentativa apressada e seletiva no que diz respeito a defesa de direitos básicos parece ser advinda da mal compreensão do que significa defender direitos universalizantes.

Grosso modo, direitos humanos são direitos que atribuímos uns aos outros independentemente de acordos pessoais e de determinações legais, ou seja, é entender que estes direitos não dependem de nacionalidade, classe social, etnia ou da vontade da maioria. São, antes de tudo, direitos morais no sentido de garantir a satisfação de condições mínimas para a realização de uma vida digna, e que consideram que qualquer indivíduo possa satisfazer suas necessidades básicas (como alimentação e assistência médica básica). É por isso que cercear a liberdade de um criminoso não implica em ter de deixá-lo em condições miseráveis correndo risco de morte em um cárcere. Reconhecer direitos humanos não significa defender a tese que criminosos não devem ser punidos; por outro lado, não defende-se a punição de um crime por tráfico de drogas com a morte do indivíduo. E que “justiça” feita com a próprias mãos pode ser qualquer coisa (vingança, provavelmente), menos justiça. Entre outras coisas, também a declaração mais recente dos direitos humanos foi criada como uma reação a uma das maiores barbáries em toda a História, na qual mais de 45 milhões de pessoas foram mortas em conflitos envolvendo regimes totalitários. O lado mais assustador disso é que boa parte das mortes não se deu no campo de batalhas, mas foram mortas por seus próprios Estados que lhe tiraram as condição de sujeitos de direitos. É nesse sentido que garantir direitos humanos também é fornecer um mecanismo de prevenção contra um eventual poder excessivo do Estado.

É sintomático que parte do público que desconhece minimamente o que é direitos humanos inclua as pessoas dispostas a relativizar qualquer assunto que envolva temas sobre a moral, e não raro são as mesmas que desprezam a argumentação às suas ideias, contentando-se simplesmente a manifestar um relativismo moral raso e/ou discursos de ódio. Entretanto, e há boas razões para afirmar isso, o relativismo cultural é incompatível com a tese de direitos humanos universalizantes [3]. Um problema similar, com causas no desconhecimento do assunto, acontece com as frases que colocam a falsa dialética “direitos humanos para bandidos ou para a vítima?”. Conforme já discutido em outro momento, a questão aqui não é de mérito (tampouco de conquista), mas de direito, e que endossar esse tipo de dilema é apenas contribuir para um debate mal informado e pautado na ânsia de satisfazer seus próprios instintos destrutivos.

O apelo a maioria é um ponto crucial quando falamos em direitos universais. É irrelevante se a maioria é contra a permissão da mulher decidir interromper uma gravidez; não é relevante que a maioria de uma população seja contra a mutilação de genitálias em mulheres para que isso seja combatido; é desnecessário exigir que políticas de casamentos civis do mesmo sexo tenham a aprovação da maioria. No momento que há disposição em aderir a teses universais, não é a maioria quem decide estas questões. Decisões deste tipo devem ser pautadas por reflexões éticas e evidências empíricas [4]. São considerações deste tipo que devem anteceder a aprovação de uma lei, e não a aprovação de uma lei que define o que é ou não ético.

Ampliar direitos de minorias sociais é tornar um mundo melhor, e isso não tira direitos de quem já os possui. E num país onde boa parte da população é mal informada sobre assuntos de ética e direitos universalizantes, é um indicativo que muito ainda temos para divulgar e estudar sobre estes assuntos.
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Notas

1. Há várias definições possíveis para o termo “indicadores sociais”. Para o meu propósito, refiro-me a alguns dados empíricos que são facilmente acessíveis de diversos países. Por exemplo, o portal da OECD (Organisation for Economic Co-operation and Development ) fornece uma interessante ferramenta na qual é possível visualizar e comparar alguns dos fatores centrais – tais como escolaridade, moradia, meio ambiente, etc (acesse aqui, em português). Ao simular o efeito da diferença de gêneros sobre alguns quesitos (em máxima importância), como renda, educação, trabalho e satisfação pessoal, nota-se que o México, Turquia e o Brasil não apenas apresentam os mais baixos valores para os quesitos simulados como também as maiores diferenças entre homens e mulheres. Países como Dinamarca, Suécia, Estados Unidos e Suíça apresentam os melhores valores dos quesitos, e também as menores diferenças nos valores dos índices comparando homens e mulheres.
Aqui, eu entendo o termo “liberdade individual” como garantias civis para que um indivíduo possa ter livre expressão de gênero sexual, confissão de crença e de expressão. Países que impedem algumas dessas garantias são, geralmente, os que apresentam os piores índices sociais. Assim, é importante reconhecer que desenvolvimento econômico (e liberdade econômica) é uma condição necessária mas não suficiente para o progresso social.

2. Costa, P.T. Jr.; Terracciano, A.; McCrae, R.R. (2001). “Gender Differences in Personality Traits Across Cultures: Robust and Surprising Findings“. Journal of Personality and Social Psychology 81 (2): 322–331. doi:10.1037/0022-3514.81.2.322. PMID 11519935.


4. Nos últimos anos, alguns autores contaminados em alguma medida pelo cientificismo têm lançados livros que defendem a tese que a ciência sozinha pode dar conta de determinar quais são os valores humanos dignos de atenção. Em outras palavras, que não há muito espaço para reflexões filosóficas (Vide Sam Harris e Michael Shermer, nos livros A paisagem Moral e The Moral Arc: How Science and Reason Lead Humanity toward Truth, Justice, and Freedom, respectivamente). O que é curioso, já que qualquer reflexão ética é por natureza uma exercício filosófico. O que está em causa é o seguinte: Dados empíricos são relevantes mas não determinam uma resposta única. Tanto a ciência e filosofia precisam operar em conjunto. Em alguns casos, a ciência é muito mais descritiva do que normativa. Não precisamos entender profundamente de neurociência para defender a tese que a mutilação genital é eticamente condenável. No vídeo, quando Michael Shermer tropeçava em conceitos básicos, Massimo Pigliucci foi claro em defender o que está em jogo na confusão cientificista destes autores.

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