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domingo, 8 de novembro de 2015

Sobre as intervenções ativistas nas universidades

Fonte: iStock Vectors / Getty Images *As frases são de coletivos de universidades brasileiras

[Originalmente publicado no blog Bule Voador]

 Com frequência, temos visto nas universidades atos conhecido como “intervenções”, “performances” ou “problematizações”. Seja em nome de causas feministas ou por questões de gênero, há algo em comum nesses eventos. Apostam em uma espécie de impacto visual para chamar atenção à sua causa: pessoas aparecem nuas dançando ou se banhando em óleo; outras vezes urinam em baldes e ameaçam transeuntes; masturbam-se em público; ecoam gritos contra o patriarcado ou contra imposições de gênero. Causam ao mesmo tempo estranheza e adoração. O que está em jogo é algo defensável: tentar minimizar preconceitos enraizados na sociedade, como o machismo, homofobia, transfobia e racismo. Portanto a questão seguinte merece atenção: as intervenções ativistas vistas nesses locais contribuem de alguma maneira à causa defendida?
     Primeiramente, é necessário reconhecer a necessidade de sensibilizar cognitivamente as pessoas pertencentes do grupo ao qual é desejado persuadir. Se o ativismo praticado é aquele que pressupõe eficácia por adesão numérica de pessoas através de suas performances em detrimento de argumentos, isso implica em desacreditar na possibilidade de chegar a resultados relativamente consensuais usando argumentos com premissas universais (tanto quanto possíveis) nos quais todas as pessoas possam aceitar. Isso não significa minimizar a arte como força revolucionária -- só implica que a qualidade de suas premissas não é proporcional às apresentações esdrúxulas. Ora, se em um argumento dedutivamente válido é considerado cogente (um bom argumento) quando as premissas são verdadeiras e são mais plausíveis que a conclusão, é razoável o paralelo que uma performance ativista pretendendo entregar uma mensagem proposicional (a saber, agir ou pensar de tal forma é moralmente errado) deve ter suas ações pautadas de maneira mais moderada do que a mensagem final desejada (pelo menos para o estado cognitivo do receptor). Em outras palavras, causar estranheza ao seu público alvo não parece uma maneira eficaz de transmitir ideias.
     Para fins ativistas, é razoável defender uma união entre manifestações artística e argumentação dedutiva. O ponto central é: a performance e/ou as premissas dos argumentos deve ser suficientemente convincente para atingir seu público alvo. Um argumento pode ser válido e concomitantemente ruim; da mesma forma, a performance pode alcançar um público numeroso e mostrar-se igualmente ser ruim. E é ruim quando falha precisamente por convencer o receptor da importância do seu ato.
     Que um argumento pode ser logicamente válido e ao mesmo tempo ruim é ponto pacífico para quem tem minimamente um estudo sobre lógica dedutiva. Detenho-me então na seguinte afirmação: independente da extravagância ou moderação visual de sua performance, ela só terá eficácia se o se ato for mais palatável para o destinatário do que para emissor; o último já está convencido da importância da sua finalidade, então é o primeiro que merece maior atenção.
      E como defender a afirmação acima? A resposta precisa contemplar a tese que entende como positiva as manifestações com performances transformadoras, com consequente adesão a determinada causa. Essa é uma tese empírica, e, portanto merece uma investigação igualmente empírica. As evidências alertam para a pouca eficácia da performance agressiva e excêntrica. Inúmeros estudos têm mostrado que incutir alguma mudança efetiva no comportamento moral das pessoas pode ser feita através da exposição interpessoal de cunho afetivo. Por exemplo, a convivência com gays próximos, parentes ou amigos, tem mostrado mais disposição das pessoas em minimizar seus comportamentos homofóbicos. Grosso modo, isso é o que pesquisadores nas áreas de psicologia e sociologia chamam de hipótese do contato – cujos resultados de estudos têm demonstrado que atitudes mais favoráveis a gays podem ser conseguidas quando grupos potencialmente homofóbicos têm experiências positivas com gays. Evidências também mostram melhoria de integração por contato inter-grupos para os casos de muçulmanos na Europa, para pessoas negras e para etnias sociais.
     Não há evidências de que atos com padrão visualmente agressivo, grotesco e/ou excêntrico incentive alguém mudar seu pensamento e comportamento moral. Temos razões para acreditar precisamente o contrário: segundo o estudo da Bashir e colaboradores, é comum pessoas evitarem se afiliar com ativistas por os enxergarem como militantes/agressivas e excêntricas/não-convencionais. Essa tendência de atribuir estereótipos negativos faz com pessoas sintam-se desconfortáveis em aderirem às motivações de mudança que os ativistas advogam. Se a conclusão está correta, a mensagem é cristalina: pessoas depositam estereótipos fortemente negativos sobre ativistas, e esses sentimentos reduzem sua vontade de apoiar aquilo pretendido por eles. Isso não sugere que tudo está perdido nas causas ativistas. Esse mesmo artigo sugere que pessoas foram mais motivadas a adotar comportamentos alinhados aos ativistas quando eles demonstram menos aspereza. Ainda nas palavras da autora, "convertidos" em potencial para a sua causa "podem ser mais receptivos a ativistas que desafiam os estereótipos ao se mostrarem como agradáveis e amigáveis". Outra forma de sensibilizar seu público-alvo é expor argumentos e evidências científicas sobre o assunto em causa.
     A resistência individual para a mudança social é mais difícil do que parece supor os ativistas performativos: um estudo projetado para medir a minimização de estereótipos e preconceitos em proporções populacionais falhou em diminuir os níveis de antagonismos após a implementação de um programa com acompanhamento; embora nos primeiros dias após a intervenção os níveis de preconceito medido tenham diminuído, após 3 meses voltou às condições iniciais. E embora as políticas de intervenções de redução de intolerância abundem, tem-se visto que, ironicamente, o efeito final possa resultar em exatamente o contrário do inicialmente pretendido. Nesse sentido, promoção da autonomia regulada de preconceitos (ou seja, encorajamento pessoal do valor da diversidade e autonomia) parece ser mais eficiente do que apenas pressão social (como linguagem agressiva) pura e simplesmente.
     Manifestantes dos atos de performances vangloriam-se que estão "causando", e assim acreditam que terão mais pessoas adeptas à sua causa. Entretanto acreditar nisso esbarra em um efeito limitante: só os iniciados comprarão a ideia -- talvez funcione para pessoas que não tinham encontrado ainda um terreno confortável para se manifestar, e enxergam nesses atos uma espécie de libertação epistêmica. Por outro lado, há algo de pernicioso e equivocado nessas ações. Elas parecem estar preocupadas mais com contagem de auditório do que qualidade de argumentos. Parece estar implícito que chocar pessoas com imagens pouco convencionais daquilo que se espera do cotidiano tenha alguma força, se não argumentativa, pelo menos de adesão à causa -- fomentando assim a reflexão futura. Tendo em vista a literatura recente, estas tentativas de promoção de igualdade não tenderão a gerar bons frutos.
     É importante reconhecer a potencialidade das ciências sociais em discutir publicamente a minimização de preconceitos. Em tese, essa é uma das tarefas da academia. A pergunta é: as pessoas ativistas estão sendo atualizadas com dados empíricos sobre o que tem sido feito em pesquisas que envolvem a percepção social sobre grupos minoritários? E mais, estão atualizadas sobre as evidências empíricas de vieses implícitos, e sobre o reforço de estereótipo negativo em manifestações de ativistas? A julgar pelas performances surgindo nas universidades a resposta é não.

domingo, 11 de outubro de 2015

Uso de maconha por adolescente: Recente estudo sugere que o consumo não está ligado a depressão, câncer e nem sintomas psicóticos

Uso de maconha por adolescente: Recente estudo sugere que o consumo não está ligado a depressão, câncer e nem sintomas psicóticos
 [Originalmente postado no blog Bule Voador]
O uso crônico de maconha por adolescentes não parece estar ligado a questões posteriores de saúde física ou mental, como depressão, sintomas psicóticos ou asma. Esta foi a conclusão de um recente estudo publicado pela American Psychological Association.
Pesquisadores da Universidade de Pittsburgh Medical Center e da Universidade Rutgers acompanharam 408 homens a partir da adolescência até seus 30 e poucos anos.
“O que descobrimos foi um pouco surpreendente”, disse o pesquisador Jordan Bechtold, pesquisador de psicologia da Universidade de Pittsburgh Medical Center. “Não houveram diferenças nos resultados de saúde mental ou física que nós medidos, independentemente da quantidade ou frequência de maconha usada durante a adolescência.”
O uso de maconha foi submetido a um intenso escrutínio depois de vários estados nos EUA legalizarem a droga, o que levou os pesquisadores a examinarem se o uso de maconha entre adolescentes têm consequências para a saúde a longo prazo. Com base em alguns estudos anteriores, eles esperavam encontrar uma ligação entre o uso de maconha entre adolescentes e o posterior desenvolvimento de sintomas psicóticos (delírios, alucinações, etc.), câncer, asma ou problemas respiratórios, mas nenhuma foi encontrada. O estudo também não encontrou nenhuma ligação entre o uso de maconha entre adolescentes e depressão, ansiedade, alergias, dores de cabeça ou pressão arterial elevada. Este estudo é um dos poucos sobre os efeitos da saúde a longo prazo do uso de maconha entre adolescentes que têm monitorado centenas de participantes de mais de duas décadas de suas vidas, disse Bechtold.
A pesquisa foi um desdobramento do Estudo da Juventude de Pittsburgh, que começou a acompanhar desde os 14 anos de idade estudantes do sexo masculino de escolas públicas e Pittsburgh no final de 1980 para analisar várias questões de saúde e sociais. Durante 12 anos, os participantes foram examinados anualmente ou semestralmente, e uma pesquisa seguinte foi realizada com 408 participantes em 2009-10 quando eles tinham 36 anos de idade. A amostra do estudo foi de 54% de negros, 42% de branco e 4% de outras raças ou etnias. Não houve diferenças nos resultados com base em raça ou etnia.
Os participantes foram divididos em quatro grupos com base no seu uso de maconha relatada: baixo ou não-usuários (46%); usuários crônicos (22%); participantes que só fumaram maconha durante a adolescência (11%); e aqueles que começaram a usar maconha mais tarde, em seus anos de adolescência e continuara usando a droga (21%). Usuários crônicos relataram um consumo muito maior de maconha, o que aumentou rapidamente durante a adolescência para um pico de mais de 200 dias por ano, em média, quando eram 22 anos de idade. Entretanto, o consumo relatado diminuía à medida que envelheceram.
Os pesquisadores controlaram outros fatores que podem ter influencia nos resultados, incluindo tabagismo, uso de outras drogas ilícitas, e acesso dos participantes ao seguro de saúde. Uma vez que o estudo incluiu apenas homens, não houve resultados ou conclusões sobre as mulheres. Relativamente poucos participantes tinham sintomas psicóticos, de acordo com o estudo.
“Queríamos ajudar a informar o debate sobre a legalização da maconha, mas é uma questão muito complicada e um estudo não deve ser tomada de forma isolada”, disse Bechtold.
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Tradução: Cicero Escobar

domingo, 21 de junho de 2015

Um pouco sobre Direitos Humanos

Texto originalmente publicado no blog oficial da Liga Humanista do Brasil (Bule Voador)

“O sentimento vingativo que se denomina indignação moral não passa de uma forma de crueldade (…) pensar o criminoso como objeto de execração é totalmente irracional.”
Bertrand Russel

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Não parece por acaso que dentre os países com os melhores indicadores sociais encontram-se aqueles que mais zelam por liberdades individuais. Estudos nas áreas sociais têm apontado que as nações com maiores expectativas de vida, melhores níveis de alfabetização, educação e renda, são mais sensíveis a provocarem sentimento de autorrealização, e portanto felicidade [1]. E que as diferenças de personalidades entre homens e mulheres são maiores e mais robustas nos países mais prósperos e igualitários [2]. Por exemplo, é notório que a legalização do casamento gay é uma característica destes países, ou, no mínimo, é uma tendência que estes países estejam dispostos a debater e rever suas posições sobre o assunto (vide o referendo sobre o casamento homossexual recentemente na Irlanda). Acontece que para atingir este reconhecimento em qualidade de vida é necessário, ou no mínimo facilitador, que estas sociedades sejam comprometidas com Direitos Humanos.
E não é o caso que não se tente aqui no Brasil. De fato, há tentativas governamentais e não governamentais que lutam em prol de uma sociedade melhor, pautada por respeito aos direitos humanos. Infelizmente, e aqui a situação começa a se agravar, falar sobre direitos universalizantes no Brasil parece, para muitos, a se resumir em frases preguiçosas e mal informadas do tipo “defesa para bandido” ou “direitos humanos para humanos direitos”. Parte desta tentativa apressada e seletiva no que diz respeito a defesa de direitos básicos parece ser advinda da mal compreensão do que significa defender direitos universalizantes.

Grosso modo, direitos humanos são direitos que atribuímos uns aos outros independentemente de acordos pessoais e de determinações legais, ou seja, é entender que estes direitos não dependem de nacionalidade, classe social, etnia ou da vontade da maioria. São, antes de tudo, direitos morais no sentido de garantir a satisfação de condições mínimas para a realização de uma vida digna, e que consideram que qualquer indivíduo possa satisfazer suas necessidades básicas (como alimentação e assistência médica básica). É por isso que cercear a liberdade de um criminoso não implica em ter de deixá-lo em condições miseráveis correndo risco de morte em um cárcere. Reconhecer direitos humanos não significa defender a tese que criminosos não devem ser punidos; por outro lado, não defende-se a punição de um crime por tráfico de drogas com a morte do indivíduo. E que “justiça” feita com a próprias mãos pode ser qualquer coisa (vingança, provavelmente), menos justiça. Entre outras coisas, também a declaração mais recente dos direitos humanos foi criada como uma reação a uma das maiores barbáries em toda a História, na qual mais de 45 milhões de pessoas foram mortas em conflitos envolvendo regimes totalitários. O lado mais assustador disso é que boa parte das mortes não se deu no campo de batalhas, mas foram mortas por seus próprios Estados que lhe tiraram as condição de sujeitos de direitos. É nesse sentido que garantir direitos humanos também é fornecer um mecanismo de prevenção contra um eventual poder excessivo do Estado.

É sintomático que parte do público que desconhece minimamente o que é direitos humanos inclua as pessoas dispostas a relativizar qualquer assunto que envolva temas sobre a moral, e não raro são as mesmas que desprezam a argumentação às suas ideias, contentando-se simplesmente a manifestar um relativismo moral raso e/ou discursos de ódio. Entretanto, e há boas razões para afirmar isso, o relativismo cultural é incompatível com a tese de direitos humanos universalizantes [3]. Um problema similar, com causas no desconhecimento do assunto, acontece com as frases que colocam a falsa dialética “direitos humanos para bandidos ou para a vítima?”. Conforme já discutido em outro momento, a questão aqui não é de mérito (tampouco de conquista), mas de direito, e que endossar esse tipo de dilema é apenas contribuir para um debate mal informado e pautado na ânsia de satisfazer seus próprios instintos destrutivos.

O apelo a maioria é um ponto crucial quando falamos em direitos universais. É irrelevante se a maioria é contra a permissão da mulher decidir interromper uma gravidez; não é relevante que a maioria de uma população seja contra a mutilação de genitálias em mulheres para que isso seja combatido; é desnecessário exigir que políticas de casamentos civis do mesmo sexo tenham a aprovação da maioria. No momento que há disposição em aderir a teses universais, não é a maioria quem decide estas questões. Decisões deste tipo devem ser pautadas por reflexões éticas e evidências empíricas [4]. São considerações deste tipo que devem anteceder a aprovação de uma lei, e não a aprovação de uma lei que define o que é ou não ético.

Ampliar direitos de minorias sociais é tornar um mundo melhor, e isso não tira direitos de quem já os possui. E num país onde boa parte da população é mal informada sobre assuntos de ética e direitos universalizantes, é um indicativo que muito ainda temos para divulgar e estudar sobre estes assuntos.
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Notas

1. Há várias definições possíveis para o termo “indicadores sociais”. Para o meu propósito, refiro-me a alguns dados empíricos que são facilmente acessíveis de diversos países. Por exemplo, o portal da OECD (Organisation for Economic Co-operation and Development ) fornece uma interessante ferramenta na qual é possível visualizar e comparar alguns dos fatores centrais – tais como escolaridade, moradia, meio ambiente, etc (acesse aqui, em português). Ao simular o efeito da diferença de gêneros sobre alguns quesitos (em máxima importância), como renda, educação, trabalho e satisfação pessoal, nota-se que o México, Turquia e o Brasil não apenas apresentam os mais baixos valores para os quesitos simulados como também as maiores diferenças entre homens e mulheres. Países como Dinamarca, Suécia, Estados Unidos e Suíça apresentam os melhores valores dos quesitos, e também as menores diferenças nos valores dos índices comparando homens e mulheres.
Aqui, eu entendo o termo “liberdade individual” como garantias civis para que um indivíduo possa ter livre expressão de gênero sexual, confissão de crença e de expressão. Países que impedem algumas dessas garantias são, geralmente, os que apresentam os piores índices sociais. Assim, é importante reconhecer que desenvolvimento econômico (e liberdade econômica) é uma condição necessária mas não suficiente para o progresso social.

2. Costa, P.T. Jr.; Terracciano, A.; McCrae, R.R. (2001). “Gender Differences in Personality Traits Across Cultures: Robust and Surprising Findings“. Journal of Personality and Social Psychology 81 (2): 322–331. doi:10.1037/0022-3514.81.2.322. PMID 11519935.


4. Nos últimos anos, alguns autores contaminados em alguma medida pelo cientificismo têm lançados livros que defendem a tese que a ciência sozinha pode dar conta de determinar quais são os valores humanos dignos de atenção. Em outras palavras, que não há muito espaço para reflexões filosóficas (Vide Sam Harris e Michael Shermer, nos livros A paisagem Moral e The Moral Arc: How Science and Reason Lead Humanity toward Truth, Justice, and Freedom, respectivamente). O que é curioso, já que qualquer reflexão ética é por natureza uma exercício filosófico. O que está em causa é o seguinte: Dados empíricos são relevantes mas não determinam uma resposta única. Tanto a ciência e filosofia precisam operar em conjunto. Em alguns casos, a ciência é muito mais descritiva do que normativa. Não precisamos entender profundamente de neurociência para defender a tese que a mutilação genital é eticamente condenável. No vídeo, quando Michael Shermer tropeçava em conceitos básicos, Massimo Pigliucci foi claro em defender o que está em jogo na confusão cientificista destes autores.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Maconha incomoda muita gente. Sua descriminalização incomoda muito mais.


                                    Também publicado no blog da Liga Humanista do Brasil (LiHS) - Bule Voador

Artistic Marijuana Leaf By Imahb Dsme
O cheiro da maconha pode incomodar muita gente. Mas odor desagradável não é um bom argumento para proibir consumo. Para entender isso é necessário apenas o simples paralelo: Proibiremos o consumo de cigarro porque seu cheiro também incomoda. Em locais públicos, a melhor maneira de compatibilizar os fumantes e não fumantes é justamente criar locais específicos para o consumo. O consumidor também pode ser educado, como boa parte dos consumidores de cigarro são, ao fazerem a pergunta “você se importa que eu fume aqui?”
Não é cabível continuar com a criminalização. É possível defender isso de duas maneiras complementares, uma científica e outra moral.
A política antidrogas atual no Brasil não é apoiada em evidências: À luz dos melhores resultados empíricos que dispomos, a maconha causa menos danos físicos e sociais que outras drogas facilmente disponíveis (álcool e cigarro). Disso não segue, obviamente, que a maconha seja isenta de efeitos colaterais. Entretanto, são mais sutis e menos agressivas a tal ponto que os benefícios do uso (medicinal) pode superar as eventuais contraindicações. Uma delas é que com a liberação comercial deve vir junto o uso médico.
A relação com o argumento moral é a seguinte: Não parece aceitável criminalizar uma droga que não apenas apresenta potencial de uso médico, mas que já existem terapias relativamente confiáveis em que seu uso pode ser aplicado — como servir de aliada a tratamentos de alguns tipos de câncer. Alternativamente, outra defesa moral é possível, e que pode ser defendida a despeito do uso medicinal: É limitar a liberdade dos outros que a usem como consumo recreativo; alguém não gostar de algo não deve implicar proibição geral. Além disso, parece ser apenas uma falsa preocupação o desejo de proibir em nome da saúde. Preocupação real seria muito mais efetiva se, antes de ditar o que o outro pode ou não consumir, o sujeito cuidasse da sua própria saúde, e parasse de fumar e/ou beber álcool. O que não deixa de ser curioso: Muitos dos adeptos da proibição da maconha consomem ambas as drogas, ao mesmo tempo.
Uma possível objeção comum é dizer que há outras preocupações imediatas do que a descriminalização da maconha, mesmo reconhecendo-se seus efeitos comparativamente menos nocivos. Essa ideia, porém, é uma típica falácia da prioridade. Investir um pouco de atenção em uma coisa não impede que outras sejam atendidas concomitantemente.
E por que não seria prioridade? Atualmente, no Brasil, o indivíduo flagrado é tido como criminoso. A lei atual é incapaz de distinguir claramente quem é consumidor de quem é traficante. E qual a evidência disso? O inchaço no sistema prisional: Além de possuir a terceira maior população carcerária no mundo (só perdendo para a China e Estados Unidos), estima-se no país uma população carcerária por tráfico de entorpecentes (tipificação de crime não violento) superior a 130 mil pessoas (cerca de 1/4 do total de presos). Para ter uma ideia da extensão desse número, basta somar os outros dois crimes numericamente expressivos (roubo qualificado e o roubo simples) e obteremos um valor que não chega a 90 mil presos. Além disso, é bem reconhecido o problema geral nas prisões do país: presos em locais inadequados, superlotação e pessoas vulneráveis à maus tratos e desrespeito aos direitos humanos. Em visto disso, ajudar a desafogar o sistema prisional (que muita gente que reclama não dá boas alternativas) parece uma prioridade. Sem contar a truculência policial que não sabe lidar com quem é consumidor, sobretudo os mais pobres.
                Aquele que se preocupa com prioridades não deixa de acentuar – com razão –, possíveis dificuldades de aplicações, como tempo e custo. Acontece que do ponto de vista operacional é muito fácil executar. Basta uma lei entrar em vigor e alguns poucos ajustes de recursos materiais. Aliás, já existe proposta (PL 7270) que não visa “liberar” (de fato, o uso da maconha já é recorrente), mas sim regular o uso. Isso significa que o projeto prevê uma quantidade máxima permitida ao usuário recreativo, e também pretende fazer com que os municípios possam arrecadar dinheiro com as vendas (parecido como o que Uruguai fez e semelhante ao projeto já proposto na Argentina).
                Argumentos científicos e morais podem ser defendidos também por uma análise história. E duas são as razões disso: O fracasso da chamada “guerra às drogas” e da Lei seca nos Estados Unidos. Tomando em conjunto, ambas fornecem evidências de que o proibicionismo aumenta a violência e traz danos socioeconômicos que poderiam ser minimizados caso a maconha fosse descriminalizada.
                É fácil manter uma postura proibicionista vastamente apoiada por vários veículos de comunicação. Difícil, entretanto, é alinhar estas posições diante das evidências históricas e da realidade do país. Os argumentos mais comuns do proibicionismo são mantidas por preconceito popular, sendo incapazes de resistirem ao escrutínio de informações científicas que revelam a urgência de se pensar em uma nova política sobre o uso de drogas.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

O bom, o mau e o feio

*O BOM

No final de 2013, a Suécia fechou quatro presídios. O motivo: Um declínio no número de presos. E apenas 0,2% têm menos de 18 anos. Além disso, desde a década de 70 só houve dois casos de corrupção política na Suécia.

A Noruega tem uma taxa de reincidência dos criminosos em torno de 20%. A Noruega -- bem como a Alemanha e também a Suécia --, apresenta uma taxa de homicídio que não ultrapassa o valor de 1 por 100.000 habitantes.


*O MAU


Mesmo alguns países de primeiro mundo não conseguem lidar adequadamente com a criminalidade. Nos Estados Unidos, a reincidência de crimes atinge assustadoramente 60%. No Brasil, um país alegadamente em franco desenvolvimento, estima-se que a reincidência seja de 70%. A taxa de homicídios supera o valor de 20 por 100.000 habitantes (20 vezes maior que o país escandinavo) e o número de presos ultrapassa 270 por 100.000 habitantes (4 vezes maior que o país escandinavo).



*O FEIO


Naturalmente que combater criminalidade e corrupção é um projeto de longo prazo. As causas são múltiplas e não existem soluções fáceis. De qualquer forma, é sintomático o que acontece em alguns grupos aqui no Brasil. Pessoas sedentas por sangue que, muitas vezes, admiram os países supracitados -- mas fazem pouco para entendê-los melhor. São defensores de políticas que estão na contramão das ações praticadas pelos países mais pacíficos do mundo, como a redução da maioridade penal, o combate violento ao consumo drogas e o aumento do número de prisões. Aplaudem o autoritarismo ao serem cúmplice das mensagens genocidas do tipo "bandido bom é bandido morto".
São incapazes de reconhecer que impulsos possessivos levam a competição de forças, e portanto são vetores de um ciclo interminável de destruição e sofrimento. Em suma: Confundem vingança com justiça. Ignoram quando evidências apontam que violência e corrupção podem ser combatidas com maior dedicação para com a educação, transparência política e igualdade social. E que truculência policial, abuso de poder e encarceramento punitivo são respostas ineficazes para os problemas sociais.