sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Maconha incomoda muita gente. Sua descriminalização incomoda muito mais.


                                    Também publicado no blog da Liga Humanista do Brasil (LiHS) - Bule Voador

Artistic Marijuana Leaf By Imahb Dsme
O cheiro da maconha pode incomodar muita gente. Mas odor desagradável não é um bom argumento para proibir consumo. Para entender isso é necessário apenas o simples paralelo: Proibiremos o consumo de cigarro porque seu cheiro também incomoda. Em locais públicos, a melhor maneira de compatibilizar os fumantes e não fumantes é justamente criar locais específicos para o consumo. O consumidor também pode ser educado, como boa parte dos consumidores de cigarro são, ao fazerem a pergunta “você se importa que eu fume aqui?”
Não é cabível continuar com a criminalização. É possível defender isso de duas maneiras complementares, uma científica e outra moral.
A política antidrogas atual no Brasil não é apoiada em evidências: À luz dos melhores resultados empíricos que dispomos, a maconha causa menos danos físicos e sociais que outras drogas facilmente disponíveis (álcool e cigarro). Disso não segue, obviamente, que a maconha seja isenta de efeitos colaterais. Entretanto, são mais sutis e menos agressivas a tal ponto que os benefícios do uso (medicinal) pode superar as eventuais contraindicações. Uma delas é que com a liberação comercial deve vir junto o uso médico.
A relação com o argumento moral é a seguinte: Não parece aceitável criminalizar uma droga que não apenas apresenta potencial de uso médico, mas que já existem terapias relativamente confiáveis em que seu uso pode ser aplicado — como servir de aliada a tratamentos de alguns tipos de câncer. Alternativamente, outra defesa moral é possível, e que pode ser defendida a despeito do uso medicinal: É limitar a liberdade dos outros que a usem como consumo recreativo; alguém não gostar de algo não deve implicar proibição geral. Além disso, parece ser apenas uma falsa preocupação o desejo de proibir em nome da saúde. Preocupação real seria muito mais efetiva se, antes de ditar o que o outro pode ou não consumir, o sujeito cuidasse da sua própria saúde, e parasse de fumar e/ou beber álcool. O que não deixa de ser curioso: Muitos dos adeptos da proibição da maconha consomem ambas as drogas, ao mesmo tempo.
Uma possível objeção comum é dizer que há outras preocupações imediatas do que a descriminalização da maconha, mesmo reconhecendo-se seus efeitos comparativamente menos nocivos. Essa ideia, porém, é uma típica falácia da prioridade. Investir um pouco de atenção em uma coisa não impede que outras sejam atendidas concomitantemente.
E por que não seria prioridade? Atualmente, no Brasil, o indivíduo flagrado é tido como criminoso. A lei atual é incapaz de distinguir claramente quem é consumidor de quem é traficante. E qual a evidência disso? O inchaço no sistema prisional: Além de possuir a terceira maior população carcerária no mundo (só perdendo para a China e Estados Unidos), estima-se no país uma população carcerária por tráfico de entorpecentes (tipificação de crime não violento) superior a 130 mil pessoas (cerca de 1/4 do total de presos). Para ter uma ideia da extensão desse número, basta somar os outros dois crimes numericamente expressivos (roubo qualificado e o roubo simples) e obteremos um valor que não chega a 90 mil presos. Além disso, é bem reconhecido o problema geral nas prisões do país: presos em locais inadequados, superlotação e pessoas vulneráveis à maus tratos e desrespeito aos direitos humanos. Em visto disso, ajudar a desafogar o sistema prisional (que muita gente que reclama não dá boas alternativas) parece uma prioridade. Sem contar a truculência policial que não sabe lidar com quem é consumidor, sobretudo os mais pobres.
                Aquele que se preocupa com prioridades não deixa de acentuar – com razão –, possíveis dificuldades de aplicações, como tempo e custo. Acontece que do ponto de vista operacional é muito fácil executar. Basta uma lei entrar em vigor e alguns poucos ajustes de recursos materiais. Aliás, já existe proposta (PL 7270) que não visa “liberar” (de fato, o uso da maconha já é recorrente), mas sim regular o uso. Isso significa que o projeto prevê uma quantidade máxima permitida ao usuário recreativo, e também pretende fazer com que os municípios possam arrecadar dinheiro com as vendas (parecido como o que Uruguai fez e semelhante ao projeto já proposto na Argentina).
                Argumentos científicos e morais podem ser defendidos também por uma análise história. E duas são as razões disso: O fracasso da chamada “guerra às drogas” e da Lei seca nos Estados Unidos. Tomando em conjunto, ambas fornecem evidências de que o proibicionismo aumenta a violência e traz danos socioeconômicos que poderiam ser minimizados caso a maconha fosse descriminalizada.
                É fácil manter uma postura proibicionista vastamente apoiada por vários veículos de comunicação. Difícil, entretanto, é alinhar estas posições diante das evidências históricas e da realidade do país. Os argumentos mais comuns do proibicionismo são mantidas por preconceito popular, sendo incapazes de resistirem ao escrutínio de informações científicas que revelam a urgência de se pensar em uma nova política sobre o uso de drogas.

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