Também publicado no blog da Liga Humanista do Brasil (LiHS) - Bule Voador
Artistic Marijuana Leaf By Imahb Dsme |
O cheiro da maconha pode incomodar muita
gente. Mas odor desagradável não é um bom argumento para proibir
consumo. Para entender isso é necessário apenas o simples paralelo:
Proibiremos o consumo de cigarro porque seu cheiro também incomoda. Em
locais públicos, a melhor maneira de compatibilizar os fumantes e não
fumantes é justamente criar locais específicos para o consumo. O
consumidor também pode ser educado, como boa parte dos consumidores de
cigarro são, ao fazerem a pergunta “você se importa que eu fume aqui?”
Não é cabível continuar com a
criminalização. É possível defender isso de duas maneiras
complementares, uma científica e outra moral.
A política antidrogas atual no Brasil não é apoiada em evidências: À luz dos melhores resultados empíricos que dispomos, a maconha causa menos danos físicos e sociais
que outras drogas facilmente disponíveis (álcool e cigarro). Disso não
segue, obviamente, que a maconha seja isenta de efeitos colaterais.
Entretanto, são mais sutis e menos agressivas a tal ponto que os
benefícios do uso (medicinal) pode superar as eventuais
contraindicações. Uma delas é que com a liberação comercial deve vir
junto o uso médico.
A relação com o argumento moral é a
seguinte: Não parece aceitável criminalizar uma droga que não apenas
apresenta potencial de uso médico, mas que já existem terapias
relativamente confiáveis em que seu uso pode ser aplicado — como servir
de aliada a tratamentos de alguns tipos de câncer. Alternativamente,
outra defesa moral é possível, e que pode ser defendida a despeito do
uso medicinal: É limitar a liberdade dos outros que a usem como consumo
recreativo; alguém não gostar de algo não deve implicar proibição geral.
Além disso, parece ser apenas uma falsa preocupação o desejo de proibir
em nome da saúde. Preocupação real seria muito mais efetiva se, antes
de ditar o que o outro pode ou não consumir, o sujeito cuidasse da sua
própria saúde, e parasse de fumar e/ou beber álcool. O que não deixa de
ser curioso: Muitos dos adeptos da proibição da maconha consomem ambas
as drogas, ao mesmo tempo.
Uma possível objeção comum é dizer que
há outras preocupações imediatas do que a descriminalização da maconha,
mesmo reconhecendo-se seus efeitos comparativamente menos nocivos. Essa
ideia, porém, é uma típica falácia da prioridade. Investir um pouco de
atenção em uma coisa não impede que outras sejam atendidas
concomitantemente.
E por que não seria prioridade?
Atualmente, no Brasil, o indivíduo flagrado é tido como criminoso. A lei
atual é incapaz de distinguir claramente quem é consumidor de quem é
traficante. E qual a evidência disso? O inchaço no sistema prisional:
Além de possuir a terceira maior população carcerária no mundo (só perdendo para a China e Estados Unidos), estima-se no país uma população carcerária por tráfico de entorpecentes
(tipificação de crime não violento) superior a 130 mil pessoas (cerca
de 1/4 do total de presos). Para ter uma ideia da extensão desse número,
basta somar os outros dois crimes numericamente expressivos (roubo
qualificado e o roubo simples) e obteremos um valor que não chega a 90
mil presos. Além disso, é bem reconhecido o problema geral nas prisões do país:
presos em locais inadequados, superlotação e pessoas vulneráveis à maus
tratos e desrespeito aos direitos humanos. Em visto disso, ajudar a
desafogar o sistema prisional (que muita gente que reclama não dá boas
alternativas) parece uma prioridade. Sem contar a truculência policial
que não sabe lidar com quem é consumidor, sobretudo os mais pobres.
Aquele que se preocupa
com prioridades não deixa de acentuar – com razão –, possíveis
dificuldades de aplicações, como tempo e custo. Acontece que do ponto de
vista operacional é muito fácil executar. Basta uma lei entrar em vigor
e alguns poucos ajustes de recursos materiais. Aliás, já existe
proposta (PL 7270)
que não visa “liberar” (de fato, o uso da maconha já é recorrente), mas
sim regular o uso. Isso significa que o projeto prevê uma quantidade
máxima permitida ao usuário recreativo, e também pretende fazer com que
os municípios possam arrecadar dinheiro com as vendas (parecido como o
que Uruguai fez e semelhante ao projeto já proposto na Argentina).
Argumentos científicos e
morais podem ser defendidos também por uma análise história. E duas são
as razões disso: O fracasso da chamada “guerra às drogas” e da Lei seca nos Estados Unidos.
Tomando em conjunto, ambas fornecem evidências de que o proibicionismo
aumenta a violência e traz danos socioeconômicos que poderiam ser
minimizados caso a maconha fosse descriminalizada.
É fácil manter uma
postura proibicionista vastamente apoiada por vários veículos de
comunicação. Difícil, entretanto, é alinhar estas posições diante das
evidências históricas e da realidade do país. Os argumentos mais comuns
do proibicionismo são mantidas por preconceito popular, sendo incapazes
de resistirem ao escrutínio de informações científicas que revelam a
urgência de se pensar em uma nova política sobre o uso de drogas.
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