Entre Nós ( Paulo Morelli) |
Eis uma expressão típica de alguém que
recentemente viu um filme: "Poxa, o filme é muito bom. Nem parece que é
cinema nacional." Então diagnóstico mais provável é: Você tem visto
pouquíssimos filmes nacionais, pois esta é a média da qualidade de nossas
produções. De fato, filme brasileiro de boa qualidade não é nenhuma aberração: Nossas
produções estão entre as mais versáteis do mundo, tanto em forma como em
conteúdo. E quem pensa que esta alegação é muito ousada basta checar os títulos
lançados no ano de 2014.
Hoje eu não quero voltar sozinho (Daniel Ribeiro) |
Como referência,
lembremos o informe da ANCINE relativo ao primeiro trimestre do ano: Foram vendidos 7,3 milhões de ingressos para
filmes nacionais (comparando, a venda de filmes estrangeiros foi 4 vezes
maior). Mais do que isso, três filmes brasileiros se
posicionaram na lista das dez maiores bilheterias deste período: Muita
Calma Nessa Hora 2, S.O.S Mulheres ao Mar e Até que a Sorte
nos Separe 2. Este último, por exemplo, superou o número de salas em que
estreou filmes estrangeiros como 300: a ascensão do império e Robocop. Apesar destes números animadores (representa quase 16% a
mais do que o mesmo período do ano passado) nenhum dos filme desses três filmes
revelam a diversidade do cinema atual. Ou melhor, eles fazem parte de um
universo de filmes bem mais rico. É evidente que esses três exemplares atingiram
maior público porque foram lançados em um maior número de salas: Maior número
de salas implica maior bilheteria. Entretanto, popularidade não implica
necessariamente em qualidade, muito menos em totalidade (tendo em vista a
diversidade de nossos filmes). Não é por acaso, portanto, que recentemente a
ANCINE propôs uma discussão para evitar filmes ocupando mais de 30% das salas
de cinema (não tem sido um ato de imposição como alguns pensam, justamente
porque a decisão tem sido pensada após discussões maduras com os exibidores e
distribuidores, os quais inclusive têm aceitado a ideia [leia mais aqui])
-- justamente para evitar a prática de uma concorrência predatória e abusiva.
Tomando a cidade de Porto Alegre como uma referência (representa uma média do que chega aos cinemas), segue uma pequena lista dos filmes que tiverem exibição em 2014. A lista refere-se aos filmes que eu vi (a cotação é minha, e de maneira alguma deve ser entendida como um guia para o que deve ou não ser visto).
No total,
foram 28 filmes. Alguns comentários:
- Numericamente,
essa quantidade equivale a mais de 2 filmes por mês ao longo do ano. Um
número razoável, embora ainda pequeno, frente a quantidade de filmes produzidos
anualmente. Mas, certamente, é uma boa oferta ao espectador (sobretudo para aquele que diz não existir boas produções nacionais, mas não vê os filmes).
- É notável a diversidade de gênero, temática e criatividade. Compare, por exemplo, dois maravilhosos títulos como Educação sentimental e o O lobo atrás da porta; são não apenas tematicamente distintos, mas ilustram a riqueza de obras tão diferentes que fica difícil pensar que algum dos dois não agrade algum público (em alguns casos ambos agradam o mesmo espectador, como foi o meu caso).
- No que diz
respeito à qualidade do filme, apenas dois eu classifiquei como regular (Getúlio e Meninos de Kichute).
- Todos os filmes estavam com acesso relativamente fácil. Certamente metade deles estiveram em cinemas de shopping (embora, infelizmente, com número de cópias reduzidas).
- Esta é uma
pequena lista. Evidentemente há muitos outros filmes que não consegui ir ver.
Muitos deles tivereram estreia comercial, e por algum motivo não pude conferir.
Ao longo do ano registrei alguns títulos que tiveram exibição e eu não vi.
Segue alguns exemplos: A Farra do Circo,
Em busca de um lugar, Jogo das decapitações, Até que Sbórnia nos separe, Tim Maia, Janeiro 27, De volta, As Aventuras do Avião Vermelho, Brincante.
- E há outros
títulos (alguns promissores) que ainda não tiveram exibições, como: Uma passagem para Mário, Gata velha ainda mia, Entre vales, Insônia, Jogo de xadrez, O grande Kilapy, O segredo dos diamantes, O
menino no espelho.
- Obviamente,
há outros que devem ter estreados e me passou desapercebido neste momento.
O lobo atrás da porta (Fernando Coimbra) |
-
Curiosamente, alguns detratores do cinema nacional pensam que nossas obras se
resumem às globochanchadas. Algumas dessas obras são, eu reconheço, de qualidade duvidosa. Mas é um pouco desonesto
manifestar desagrado ao cinema nacional se o sujeito se limita a essas obras e,
ainda pior, se opõe à medidas inclusivas como a da ANCINE (que deve permitir
mais diversidade de filmes). Rubens
Ewald Filho comenta sobre isso: “Por alguma razão o espectador normal ou costumeiro
só vai assistir as comédias, em geral cariocas, com a mesma meia dúzia de
atores, rendendo mais ou menos, dependendo de serem melhores ou piores.”
- Os que não
veem os filmes (por desinteresse ou mesmo por pouco acesso) não estão em
condições de levar adiante a lógica torta “eu não vi, logo não existem”. Eles
existem, e não há evidência melhor para isso que os próprios filmes (já
comentei sobre isso aqui e aqui).
- Minha defesa ao cinema nacional é uma consequência da qualidade dos filmes, e não porque eles são nacionais. Se eu fosse entrar na onda da síndrome do cachorro, a tendência provável seria eu torcer o nariz e evitar os filmes. Abandonar a preguiça e o preconceito fílmico pode ser uma experiência cultural recompensadora. Os filmes estão por aí. Basta vê-los!
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