quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Natal para ateus?

Natal é para todos e todas que quiserem.

Existe uma justificativa histórica: Muito antes da existência de Jesus, já existia o costume dos povos pagãos como a árvore, o pinheiro e a troca de presentes. Um dos festivais mais conhecidos foi a Saturnália, um festival romano que honrava o deus Saturno no mês de dezembro (quem datam de pelo menos dois séculos antes de Cristo). É correto dizer que o Natal foi um "agregado" de várias culturas pagãs que a igreja católica adotou. 

Ser ateu não é, necessariamente, ser anti-religião. Não só pelo fato de existirem religiões ateístas (como o budismo e o jainismo), mas também pela mero reconhecimento que pessoas têm crenças (e sim, ateísmo é uma crença) pelas mais diversas razões e, por isso, são dignas de respeito (respeito à pessoa, o que não significa que crenças não possam ser criticadas e discutidas). Parte disso explica meu afastamento das ideias mais exageradas como aquelas incentivadas por Richard Dawkins. Alguns estariam dispostos a entender que a religião é um dos maiores males existentes, e portanto devemos aderir a uma batalha (não-violenta) para extingui-las. Eu penso que essa tese não é apenas um delírio do ponto de vista operacional, mas também é moralmente equivocado. O desejo de homogeneizar crenças pode ser igualmente perigoso quanto a ortodoxia extremista adotados por alguns em um mundo com pluralidade de crenças.

Para alguém que já foi um religioso frequentador de cultos, posso dizer por experiência (embora minha subjetividade não seja verdade absoluta) que participar de eventos religiosos pode ser muito recompensador. Mas, como diria Carl Sagan, nem tudo que é reconfortante necessariamente releva uma verdade. Não pretendo me alongar nas razões pelas quais abandonei a crença cristã. O que está em causa neste momento é: Ser ateu não é fazer parte de uma elite intelectual que tem acesso privilegiado da verdade; da mesma forma, ser cristão não dá direito exclusivo a uma comemoração chamada Natal. Naturalmente que o cristão deve entender a data de uma maneira distinta daquela do ateu. Mesmo assim, até mesmo o ateu pode, se quiser, comemorar o nascimento de Jesus. Não vejo nenhuma contradição nisso, desde que entenda a data como comemoração do Jesus histórico (e não mitológico -- aliás, muito provavelmente longe de aparentar aquele semblante caucasiano espalhado pelas mensagens bonitinhas) que ajudou a espalhar boas práticas morais. De qualquer forma, a chamada regra de ouro ("Não faça aos outros o que você não quer que seja feito a você") nem é original de Jesus. Há registros que pensadores em épocas anteriores chegaram a mesma conclusão de maneira independente. Alguns chamam de ética da reciprocidade: Apareceu coisas semelhantes no budismo, no zoroatrismo, no judaísmo, no confucionismo, no hinduísmo, e recentemente (em comparação com as demais religiões) no cristianismo.

Da mesma forma como o Natal não é exclusividade dos cristãos, qualquer arte insipidara e produzida por religiosos pertencem a toda a humanidade. Eu sou grande admirador da banda U2 (uma banda evidentemente cristã, inclusive com letras explícitas) e fascinado pela obra cinematográfica do russo Andrei Tarkovsky (um religioso declarado, inclusive em seus filmes). Isso revela algo muito peculiar: Sentir-se envolvido por uma manifestação cultural não é exclusivo de uma crença. Basta a arte existir no mundo que qualquer indivíduo pode ser vulnerável a ela. E não é apenas empatia que está em causa. Acredito que qualquer ação que não possa ser inclusiva -- ou seja, que coloquem pessoas em guetos e as classifiquem preconceituosamente --, é uma ação condenável moralmente. E para entender isso apenas emoção pode não ser suficiente. É necessário investir um pouco de razão.

Confraternizar com pessoas com crenças diferentes não é apenas culturalmente enriquecedor (desde que a confraternização não traga nenhum dano --psicológico inclusive -- ao sujeito), mas é também reconhecer racionalmente que um mundo plural e diverso é a melhor resposta que humanidade pode dar no sentido de evitar os excessos destrutivos que têm sido, infelizmente, uma marca registrada deste frágil planeta

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