Fonte: iStock Vectors / Getty Images *As frases são de coletivos de universidades brasileiras |
[Originalmente publicado no blog Bule Voador]
Com frequência, temos visto nas universidades atos conhecido
como “intervenções”, “performances” ou “problematizações”. Seja em nome
de causas feministas ou por questões de gênero, há algo em comum nesses
eventos. Apostam em uma espécie de impacto visual para chamar atenção à
sua causa: pessoas aparecem nuas dançando ou se banhando em óleo;
outras vezes urinam em baldes e ameaçam transeuntes; masturbam-se em
público; ecoam gritos contra o patriarcado ou contra imposições de
gênero. Causam ao mesmo tempo estranheza e adoração. O que está em jogo é
algo defensável: tentar minimizar preconceitos enraizados na sociedade,
como o machismo, homofobia, transfobia e racismo. Portanto a questão
seguinte merece atenção: as intervenções ativistas vistas nesses locais
contribuem de alguma maneira à causa defendida?
Primeiramente, é necessário reconhecer a necessidade de sensibilizar
cognitivamente as pessoas pertencentes do grupo ao qual é desejado
persuadir. Se o ativismo praticado é aquele que pressupõe eficácia por
adesão numérica de pessoas através de suas performances em detrimento de
argumentos, isso implica em desacreditar na possibilidade de chegar a
resultados relativamente consensuais usando argumentos com premissas
universais (tanto quanto possíveis) nos quais todas as pessoas possam
aceitar. Isso não significa minimizar a arte como força revolucionária
-- só implica que a qualidade de suas premissas não é proporcional às
apresentações esdrúxulas. Ora, se em um argumento dedutivamente válido é
considerado cogente (um bom argumento) quando as premissas são
verdadeiras e são mais plausíveis que a conclusão, é razoável o paralelo
que uma performance ativista pretendendo entregar uma mensagem
proposicional (a saber, agir ou pensar de tal forma é moralmente errado)
deve ter suas ações pautadas de maneira mais moderada do que a mensagem
final desejada (pelo menos para o estado cognitivo do receptor). Em
outras palavras, causar estranheza ao seu público alvo não parece uma
maneira eficaz de transmitir ideias.
Para fins ativistas, é razoável defender uma união entre manifestações
artística e argumentação dedutiva. O ponto central é: a performance e/ou
as premissas dos argumentos deve ser suficientemente convincente para
atingir seu público alvo. Um argumento pode ser válido e
concomitantemente ruim; da mesma forma, a performance pode alcançar um
público numeroso e mostrar-se igualmente ser ruim. E é ruim quando falha
precisamente por convencer o receptor da importância do seu ato.
Que um argumento pode ser logicamente válido e ao mesmo tempo ruim
é ponto pacífico para quem tem minimamente um estudo sobre lógica
dedutiva. Detenho-me então na seguinte afirmação: independente da
extravagância ou moderação visual de sua performance, ela só terá
eficácia se o se ato for mais palatável para o destinatário do que para
emissor; o último já está convencido da importância da sua finalidade,
então é o primeiro que merece maior atenção.
E como defender a afirmação acima? A resposta precisa contemplar a tese
que entende como positiva as manifestações com performances
transformadoras, com consequente adesão a determinada causa. Essa é uma
tese empírica, e, portanto merece uma investigação igualmente empírica.
As evidências alertam para a pouca eficácia da performance agressiva e
excêntrica. Inúmeros estudos têm
mostrado que incutir alguma mudança efetiva no comportamento moral das
pessoas pode ser feita através da exposição interpessoal de cunho
afetivo. Por exemplo, a convivência com gays próximos, parentes ou
amigos, tem mostrado mais disposição das pessoas em minimizar seus
comportamentos homofóbicos. Grosso modo, isso é o que pesquisadores nas
áreas de psicologia e sociologia chamam de hipótese do contato
– cujos resultados de estudos têm demonstrado que atitudes mais
favoráveis a gays podem ser conseguidas quando grupos potencialmente
homofóbicos têm experiências positivas com gays. Evidências também mostram melhoria de integração por contato inter-grupos para os casos de muçulmanos na Europa, para pessoas negras e para etnias sociais.
Não há evidências de que atos com padrão visualmente agressivo,
grotesco e/ou excêntrico incentive alguém mudar seu pensamento e
comportamento moral. Temos razões para acreditar precisamente o
contrário: segundo o estudo
da Bashir e colaboradores, é comum pessoas evitarem se afiliar com
ativistas por os enxergarem como militantes/agressivas e
excêntricas/não-convencionais. Essa tendência de atribuir estereótipos
negativos faz com pessoas sintam-se desconfortáveis em aderirem às
motivações de mudança que os ativistas advogam. Se a conclusão está
correta, a mensagem é cristalina: pessoas depositam estereótipos
fortemente negativos sobre ativistas, e esses sentimentos reduzem sua
vontade de apoiar aquilo pretendido por eles. Isso não sugere que tudo
está perdido nas causas ativistas. Esse mesmo artigo sugere que pessoas
foram mais motivadas a adotar comportamentos alinhados aos ativistas
quando eles demonstram menos aspereza. Ainda nas palavras da autora,
"convertidos" em potencial para a sua causa "podem ser mais receptivos a
ativistas que desafiam os estereótipos ao se mostrarem como agradáveis e
amigáveis". Outra forma de sensibilizar seu público-alvo é expor argumentos e evidências científicas sobre o assunto em causa.
A resistência individual para a mudança social é mais difícil do que parece supor os ativistas performativos: um estudo projetado para medir a minimização de estereótipos
e preconceitos em proporções populacionais falhou em diminuir os níveis
de antagonismos após a implementação de um programa com acompanhamento;
embora nos primeiros dias após a intervenção os níveis de preconceito
medido tenham diminuído, após 3 meses voltou às condições iniciais. E
embora as políticas de intervenções de redução de intolerância abundem,
tem-se visto que, ironicamente, o efeito final possa resultar em
exatamente o contrário do inicialmente pretendido.
Nesse sentido, promoção da autonomia regulada de preconceitos (ou seja,
encorajamento pessoal do valor da diversidade e autonomia) parece ser mais eficiente do que apenas pressão social (como linguagem agressiva) pura e simplesmente.
Manifestantes dos atos de performances vangloriam-se que estão
"causando", e assim acreditam que terão mais pessoas adeptas à sua
causa. Entretanto acreditar nisso esbarra em um efeito limitante: só os
iniciados comprarão a ideia -- talvez funcione para pessoas que não
tinham encontrado ainda um terreno confortável para se manifestar, e
enxergam nesses atos uma espécie de libertação epistêmica. Por outro
lado, há algo de pernicioso e equivocado nessas ações. Elas parecem
estar preocupadas mais com contagem de auditório do que qualidade de
argumentos. Parece estar implícito que chocar pessoas com imagens pouco
convencionais daquilo que se espera do cotidiano tenha alguma força, se
não argumentativa, pelo menos de adesão à causa -- fomentando assim a
reflexão futura. Tendo em vista a literatura recente, estas tentativas
de promoção de igualdade não tenderão a gerar bons frutos.
É importante reconhecer a potencialidade das ciências sociais em
discutir publicamente a minimização de preconceitos. Em tese, essa é uma
das tarefas da academia. A pergunta é: as pessoas ativistas estão sendo
atualizadas com dados empíricos sobre o que tem sido feito em pesquisas
que envolvem a percepção social sobre grupos minoritários? E mais,
estão atualizadas sobre as evidências empíricas de vieses implícitos, e
sobre o reforço de estereótipo negativo em manifestações de ativistas? A
julgar pelas performances surgindo nas universidades a resposta é não.
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