domingo, 8 de novembro de 2015

Sobre as intervenções ativistas nas universidades

Fonte: iStock Vectors / Getty Images *As frases são de coletivos de universidades brasileiras

[Originalmente publicado no blog Bule Voador]

 Com frequência, temos visto nas universidades atos conhecido como “intervenções”, “performances” ou “problematizações”. Seja em nome de causas feministas ou por questões de gênero, há algo em comum nesses eventos. Apostam em uma espécie de impacto visual para chamar atenção à sua causa: pessoas aparecem nuas dançando ou se banhando em óleo; outras vezes urinam em baldes e ameaçam transeuntes; masturbam-se em público; ecoam gritos contra o patriarcado ou contra imposições de gênero. Causam ao mesmo tempo estranheza e adoração. O que está em jogo é algo defensável: tentar minimizar preconceitos enraizados na sociedade, como o machismo, homofobia, transfobia e racismo. Portanto a questão seguinte merece atenção: as intervenções ativistas vistas nesses locais contribuem de alguma maneira à causa defendida?
     Primeiramente, é necessário reconhecer a necessidade de sensibilizar cognitivamente as pessoas pertencentes do grupo ao qual é desejado persuadir. Se o ativismo praticado é aquele que pressupõe eficácia por adesão numérica de pessoas através de suas performances em detrimento de argumentos, isso implica em desacreditar na possibilidade de chegar a resultados relativamente consensuais usando argumentos com premissas universais (tanto quanto possíveis) nos quais todas as pessoas possam aceitar. Isso não significa minimizar a arte como força revolucionária -- só implica que a qualidade de suas premissas não é proporcional às apresentações esdrúxulas. Ora, se em um argumento dedutivamente válido é considerado cogente (um bom argumento) quando as premissas são verdadeiras e são mais plausíveis que a conclusão, é razoável o paralelo que uma performance ativista pretendendo entregar uma mensagem proposicional (a saber, agir ou pensar de tal forma é moralmente errado) deve ter suas ações pautadas de maneira mais moderada do que a mensagem final desejada (pelo menos para o estado cognitivo do receptor). Em outras palavras, causar estranheza ao seu público alvo não parece uma maneira eficaz de transmitir ideias.
     Para fins ativistas, é razoável defender uma união entre manifestações artística e argumentação dedutiva. O ponto central é: a performance e/ou as premissas dos argumentos deve ser suficientemente convincente para atingir seu público alvo. Um argumento pode ser válido e concomitantemente ruim; da mesma forma, a performance pode alcançar um público numeroso e mostrar-se igualmente ser ruim. E é ruim quando falha precisamente por convencer o receptor da importância do seu ato.
     Que um argumento pode ser logicamente válido e ao mesmo tempo ruim é ponto pacífico para quem tem minimamente um estudo sobre lógica dedutiva. Detenho-me então na seguinte afirmação: independente da extravagância ou moderação visual de sua performance, ela só terá eficácia se o se ato for mais palatável para o destinatário do que para emissor; o último já está convencido da importância da sua finalidade, então é o primeiro que merece maior atenção.
      E como defender a afirmação acima? A resposta precisa contemplar a tese que entende como positiva as manifestações com performances transformadoras, com consequente adesão a determinada causa. Essa é uma tese empírica, e, portanto merece uma investigação igualmente empírica. As evidências alertam para a pouca eficácia da performance agressiva e excêntrica. Inúmeros estudos têm mostrado que incutir alguma mudança efetiva no comportamento moral das pessoas pode ser feita através da exposição interpessoal de cunho afetivo. Por exemplo, a convivência com gays próximos, parentes ou amigos, tem mostrado mais disposição das pessoas em minimizar seus comportamentos homofóbicos. Grosso modo, isso é o que pesquisadores nas áreas de psicologia e sociologia chamam de hipótese do contato – cujos resultados de estudos têm demonstrado que atitudes mais favoráveis a gays podem ser conseguidas quando grupos potencialmente homofóbicos têm experiências positivas com gays. Evidências também mostram melhoria de integração por contato inter-grupos para os casos de muçulmanos na Europa, para pessoas negras e para etnias sociais.
     Não há evidências de que atos com padrão visualmente agressivo, grotesco e/ou excêntrico incentive alguém mudar seu pensamento e comportamento moral. Temos razões para acreditar precisamente o contrário: segundo o estudo da Bashir e colaboradores, é comum pessoas evitarem se afiliar com ativistas por os enxergarem como militantes/agressivas e excêntricas/não-convencionais. Essa tendência de atribuir estereótipos negativos faz com pessoas sintam-se desconfortáveis em aderirem às motivações de mudança que os ativistas advogam. Se a conclusão está correta, a mensagem é cristalina: pessoas depositam estereótipos fortemente negativos sobre ativistas, e esses sentimentos reduzem sua vontade de apoiar aquilo pretendido por eles. Isso não sugere que tudo está perdido nas causas ativistas. Esse mesmo artigo sugere que pessoas foram mais motivadas a adotar comportamentos alinhados aos ativistas quando eles demonstram menos aspereza. Ainda nas palavras da autora, "convertidos" em potencial para a sua causa "podem ser mais receptivos a ativistas que desafiam os estereótipos ao se mostrarem como agradáveis e amigáveis". Outra forma de sensibilizar seu público-alvo é expor argumentos e evidências científicas sobre o assunto em causa.
     A resistência individual para a mudança social é mais difícil do que parece supor os ativistas performativos: um estudo projetado para medir a minimização de estereótipos e preconceitos em proporções populacionais falhou em diminuir os níveis de antagonismos após a implementação de um programa com acompanhamento; embora nos primeiros dias após a intervenção os níveis de preconceito medido tenham diminuído, após 3 meses voltou às condições iniciais. E embora as políticas de intervenções de redução de intolerância abundem, tem-se visto que, ironicamente, o efeito final possa resultar em exatamente o contrário do inicialmente pretendido. Nesse sentido, promoção da autonomia regulada de preconceitos (ou seja, encorajamento pessoal do valor da diversidade e autonomia) parece ser mais eficiente do que apenas pressão social (como linguagem agressiva) pura e simplesmente.
     Manifestantes dos atos de performances vangloriam-se que estão "causando", e assim acreditam que terão mais pessoas adeptas à sua causa. Entretanto acreditar nisso esbarra em um efeito limitante: só os iniciados comprarão a ideia -- talvez funcione para pessoas que não tinham encontrado ainda um terreno confortável para se manifestar, e enxergam nesses atos uma espécie de libertação epistêmica. Por outro lado, há algo de pernicioso e equivocado nessas ações. Elas parecem estar preocupadas mais com contagem de auditório do que qualidade de argumentos. Parece estar implícito que chocar pessoas com imagens pouco convencionais daquilo que se espera do cotidiano tenha alguma força, se não argumentativa, pelo menos de adesão à causa -- fomentando assim a reflexão futura. Tendo em vista a literatura recente, estas tentativas de promoção de igualdade não tenderão a gerar bons frutos.
     É importante reconhecer a potencialidade das ciências sociais em discutir publicamente a minimização de preconceitos. Em tese, essa é uma das tarefas da academia. A pergunta é: as pessoas ativistas estão sendo atualizadas com dados empíricos sobre o que tem sido feito em pesquisas que envolvem a percepção social sobre grupos minoritários? E mais, estão atualizadas sobre as evidências empíricas de vieses implícitos, e sobre o reforço de estereótipo negativo em manifestações de ativistas? A julgar pelas performances surgindo nas universidades a resposta é não.

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