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domingo, 12 de junho de 2016

Entre o Céu e a Terra: Novas Descobertas sobre a Origem da Vida

Publicado Originalmente no blog Bule Voador

No último mês de Maio, duas publicações na revista Science lançam luz sobre algumas das perguntas ainda em aberto sobre a origem da vida no planeta Terra. O curioso, embora não incomum na ciência, é que ambas podem ser entendidas como complementares uma da outra. Um artigo é sobre a detecção de biomoléculas relevantes na nuvem de poeira e gás que circunda o núcleo de um cometa (coma cometária) e o outro explora um mecanismo viável de produção de bases nitrogenadas (componentes do ADN e ARN) em condições plausíveis na Terra primitiva.

No Céu
Cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko, Agosto de 2015
(Cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko, Agosto de 2015)

A possibilidade de que moléculas de água e moléculas orgânicas foram trazidos para a Terra primitiva por meio de impactos de objetos como asteroides e cometas têm sido objeto de debate nos últimos anos. É nesse contexto que o instrumento espectrômetro de massas ROSINA da sonda Rosetta foi projetado para estudar o coma cometária do cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko. Para quem está esquecido, a sonda Rosetta é a “nave mãe” da sonda Philae, o primeiro instrumento a fazer um pouso controlado em um cometa em órbita.
Em outros estudos, o instrumento O ROSINA da sonda Rosetta já havia mostrado uma diferença significativa na composição de água do 67P/Churyumov-Gerasimenko em comparação com a Terra. Dessa vez, a descoberta é o potencial destes objetos cósmicos de entregar outros ingredientes da vida na superfície da Terra.
Mais de 140 moléculas diferentes já formam identificadas no meio interestelar. A despeito disso, os aminoácidos ainda não haviam sido rastreados. No entanto, pistas do aminoácido Glicina, um composto orgânico biologicamente importante e comumente encontrados em proteínas, foram encontrados durante a missão Stardust da NASA que voou pelo cometa Wild 2 em 2004. Contudo, a contaminação terrestre das amostras de poeira coletadas durante a análise não havia sido descartada. Agora, pela primeira vez, detecções repetidas deste aminoácido foram confirmadas pela sonda Rosetta após analisar o a atmosfera do cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko. Importante destacar que a detecção de aminoácidos em materiais meteoritos caídos na Terra já é bem estabelecida, sendo mais de 80 deles já reportados em condritos carbonáceos.
 A glicina é muito difícil de detectar devido à sua natureza não-reativa: sublima-se a uma temperatura em torno de 150°C, o que significa que pouco é liberado como gás a partir da superfície ou subsuperfície do cometa devido às suas temperaturas frias. Um dos resultados encontrados no estudo foi uma forte correlação entre a presença de glicina e poeira, o que segundo os autores sugere uma liberação da molécula a partir mantos de gelo dos grãos depois de terem aquecido. Ao mesmo tempo, os investigadores também detectaram moléculas de metilamina e etilamina, que são precursores da formação de glicina. Ao contrário de outros aminoácidos, a glicina é a única que foi mostrada ser capaz de formar, sem água no estado líquido. Segundo a autora Kathrin Altweeg “A presença simultânea de metilamina e etilamina, e a correlação entre a poeira e glicina, também indica a forma como a glicina foi formada”.
Outra detecção interessante feita pela ROSINA foi, pela primeira vez em um cometa, a presença de fósforo. Como pode ser visto na Figura 1, é um elemento-chave em todos os organismos vivos e é encontrada no quadro estrutural do ADN e ARN. No total, foram identificados 16 compostos orgânicos, incluindo outras de destaque para o contexto da química prébiótica como o sulfeto de hidrogênio (H2S) e o cianeto de hidrogênio (HCN).
DNA
Figura 1: Esquema da molécula de ARN contendo a base nitrogenada guanina. Um filamento de ARN é formado de um arcabouço de açúcar (ribose) e fosfato com uma base ligada covalentemente na posição 1′ de cada ribose. As ligações açúcar-fosfato são feitas nas posições 5′ e 3′ do açúcar, como no DNA. Dessa forma, uma cadeia de RNA terá uma ponta 5′ e uma ponta 3′. Os nucleotídeos de RNA (chamados ribonucleotídeos) contêm as bases adenina, guanina, citosina e uracila (U). No caso do ADN, a Timina está presente no lugar da uracila.

Na Terra
Da TerraAntes de sistemas auto-replicantes terem aparecidos, a química prebiótica (reações químicas que antecedem a origem da vida) deve primeiro ter dado origem às subunidades que formam a base para os biopolímeros complexos encontrados em todos os organismos modernos – as proteínas e os ácidos nucleicos que especificam suas estruturas. Dentre as hipóteses, uma das mais aceitas atualmente é o “mundo ANR”. Em síntese, propõe que o ARN foi a primeira forma de vida na Terra, com posterior desenvolvimento de uma membrana celular em seu redor e convertendo-se assim na primeira célula procariota.
Entre as evidências que apoiam a hipótese do “mundo ARN” está inclusa a potencialmente da molécula catalisar a sua própria síntese e assim facilitando várias outras reações bioquímicas, além de também possui a capacidade de armazenar informação genética. Uma análise preliminar das possíveis vias de síntese levou a equipe da Ludwig-Maximilians-Universitaet (LMU, Munique) e colaboradores de seu grupo a um esquema de reação – o chamado caminho FaPy ¬ – que poderia ter sido ativado para formar purinas sob condições prebióticas. Duas (Adenina e Guanina) das cinco bases de nucleotídeos que codificam a informação genética armazenada no ARN e ADN são purinas (as demais são as pirimidinas). Elas também fazem parte das moléculas de ATP e GTP, ambas servindo como fonte de energia para as reações bioquímicas e como interruptores moleculares no controle de função de proteínas.
O caminho FaPy começa com a ligação da formamida (amida derivada do ácido fórmico) a aminopirimidinas, anéis que podem ser produzidos por uma série de reações entre moléculas de cianeto de hidrogênio. Isto dá origem a moléculas de formamido-pirimidinas (no inglês, formamidopyridines; daí o uso da sigla FaPy). Uma sequência de passos de reações subsequente converte a formamido-pirimidinas em purinas (adenina e guanina), e vários outros derivados biologicamente importantes. Os autores demonstram que é possível obter cerca de 70% dos produtos da via da FaPy como purinas, sendo a adenosina (formada pela união da adenina e ribose) – uma sub-unidade de ARN importante – representando cerca de 20%. Com o mecanismo FaPy, foi descoberta uma via sintética que fornece os componentes centrais da bioquímica de vida com elevado rendimento e com alta especificidade.

Entre o Céu e a Terra

As moléculas necessárias para o caminho da síntese FaPy estão disponíveis a partir do ácido fórmico e da aminipirimidina, que por sua vez podem ser formadas por compostos detectados através das análises da sonda Roseta. Tomado em conjunto, os dois artigos suportam a ideia de que cometas entregaram moléculas-chave para que a química na Terra primitiva pudesse eventualmente formar a vida como conhecemos. Em especial a detecção de aminoácidos, também suporta outras linhas de pesquisas nas quais têm sido propostas para a formação de peptídeos (formados pela união de dois ou mais aminoácidos) em condições da Terra primitiva, e que inclusive há brasileiros participando.
É verdade que ainda existem lacunas e dúvidas sobre a origem da vida. Mas com cada vez mais os cientistas têm trazidos novidades relevantes e animadoras para melhor entendemos uma parte da velha questão que tanto fascina a humanidade: De onde viemos?
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Artigos científicos:

domingo, 8 de novembro de 2015

Sobre as intervenções ativistas nas universidades

Fonte: iStock Vectors / Getty Images *As frases são de coletivos de universidades brasileiras

[Originalmente publicado no blog Bule Voador]

 Com frequência, temos visto nas universidades atos conhecido como “intervenções”, “performances” ou “problematizações”. Seja em nome de causas feministas ou por questões de gênero, há algo em comum nesses eventos. Apostam em uma espécie de impacto visual para chamar atenção à sua causa: pessoas aparecem nuas dançando ou se banhando em óleo; outras vezes urinam em baldes e ameaçam transeuntes; masturbam-se em público; ecoam gritos contra o patriarcado ou contra imposições de gênero. Causam ao mesmo tempo estranheza e adoração. O que está em jogo é algo defensável: tentar minimizar preconceitos enraizados na sociedade, como o machismo, homofobia, transfobia e racismo. Portanto a questão seguinte merece atenção: as intervenções ativistas vistas nesses locais contribuem de alguma maneira à causa defendida?
     Primeiramente, é necessário reconhecer a necessidade de sensibilizar cognitivamente as pessoas pertencentes do grupo ao qual é desejado persuadir. Se o ativismo praticado é aquele que pressupõe eficácia por adesão numérica de pessoas através de suas performances em detrimento de argumentos, isso implica em desacreditar na possibilidade de chegar a resultados relativamente consensuais usando argumentos com premissas universais (tanto quanto possíveis) nos quais todas as pessoas possam aceitar. Isso não significa minimizar a arte como força revolucionária -- só implica que a qualidade de suas premissas não é proporcional às apresentações esdrúxulas. Ora, se em um argumento dedutivamente válido é considerado cogente (um bom argumento) quando as premissas são verdadeiras e são mais plausíveis que a conclusão, é razoável o paralelo que uma performance ativista pretendendo entregar uma mensagem proposicional (a saber, agir ou pensar de tal forma é moralmente errado) deve ter suas ações pautadas de maneira mais moderada do que a mensagem final desejada (pelo menos para o estado cognitivo do receptor). Em outras palavras, causar estranheza ao seu público alvo não parece uma maneira eficaz de transmitir ideias.
     Para fins ativistas, é razoável defender uma união entre manifestações artística e argumentação dedutiva. O ponto central é: a performance e/ou as premissas dos argumentos deve ser suficientemente convincente para atingir seu público alvo. Um argumento pode ser válido e concomitantemente ruim; da mesma forma, a performance pode alcançar um público numeroso e mostrar-se igualmente ser ruim. E é ruim quando falha precisamente por convencer o receptor da importância do seu ato.
     Que um argumento pode ser logicamente válido e ao mesmo tempo ruim é ponto pacífico para quem tem minimamente um estudo sobre lógica dedutiva. Detenho-me então na seguinte afirmação: independente da extravagância ou moderação visual de sua performance, ela só terá eficácia se o se ato for mais palatável para o destinatário do que para emissor; o último já está convencido da importância da sua finalidade, então é o primeiro que merece maior atenção.
      E como defender a afirmação acima? A resposta precisa contemplar a tese que entende como positiva as manifestações com performances transformadoras, com consequente adesão a determinada causa. Essa é uma tese empírica, e, portanto merece uma investigação igualmente empírica. As evidências alertam para a pouca eficácia da performance agressiva e excêntrica. Inúmeros estudos têm mostrado que incutir alguma mudança efetiva no comportamento moral das pessoas pode ser feita através da exposição interpessoal de cunho afetivo. Por exemplo, a convivência com gays próximos, parentes ou amigos, tem mostrado mais disposição das pessoas em minimizar seus comportamentos homofóbicos. Grosso modo, isso é o que pesquisadores nas áreas de psicologia e sociologia chamam de hipótese do contato – cujos resultados de estudos têm demonstrado que atitudes mais favoráveis a gays podem ser conseguidas quando grupos potencialmente homofóbicos têm experiências positivas com gays. Evidências também mostram melhoria de integração por contato inter-grupos para os casos de muçulmanos na Europa, para pessoas negras e para etnias sociais.
     Não há evidências de que atos com padrão visualmente agressivo, grotesco e/ou excêntrico incentive alguém mudar seu pensamento e comportamento moral. Temos razões para acreditar precisamente o contrário: segundo o estudo da Bashir e colaboradores, é comum pessoas evitarem se afiliar com ativistas por os enxergarem como militantes/agressivas e excêntricas/não-convencionais. Essa tendência de atribuir estereótipos negativos faz com pessoas sintam-se desconfortáveis em aderirem às motivações de mudança que os ativistas advogam. Se a conclusão está correta, a mensagem é cristalina: pessoas depositam estereótipos fortemente negativos sobre ativistas, e esses sentimentos reduzem sua vontade de apoiar aquilo pretendido por eles. Isso não sugere que tudo está perdido nas causas ativistas. Esse mesmo artigo sugere que pessoas foram mais motivadas a adotar comportamentos alinhados aos ativistas quando eles demonstram menos aspereza. Ainda nas palavras da autora, "convertidos" em potencial para a sua causa "podem ser mais receptivos a ativistas que desafiam os estereótipos ao se mostrarem como agradáveis e amigáveis". Outra forma de sensibilizar seu público-alvo é expor argumentos e evidências científicas sobre o assunto em causa.
     A resistência individual para a mudança social é mais difícil do que parece supor os ativistas performativos: um estudo projetado para medir a minimização de estereótipos e preconceitos em proporções populacionais falhou em diminuir os níveis de antagonismos após a implementação de um programa com acompanhamento; embora nos primeiros dias após a intervenção os níveis de preconceito medido tenham diminuído, após 3 meses voltou às condições iniciais. E embora as políticas de intervenções de redução de intolerância abundem, tem-se visto que, ironicamente, o efeito final possa resultar em exatamente o contrário do inicialmente pretendido. Nesse sentido, promoção da autonomia regulada de preconceitos (ou seja, encorajamento pessoal do valor da diversidade e autonomia) parece ser mais eficiente do que apenas pressão social (como linguagem agressiva) pura e simplesmente.
     Manifestantes dos atos de performances vangloriam-se que estão "causando", e assim acreditam que terão mais pessoas adeptas à sua causa. Entretanto acreditar nisso esbarra em um efeito limitante: só os iniciados comprarão a ideia -- talvez funcione para pessoas que não tinham encontrado ainda um terreno confortável para se manifestar, e enxergam nesses atos uma espécie de libertação epistêmica. Por outro lado, há algo de pernicioso e equivocado nessas ações. Elas parecem estar preocupadas mais com contagem de auditório do que qualidade de argumentos. Parece estar implícito que chocar pessoas com imagens pouco convencionais daquilo que se espera do cotidiano tenha alguma força, se não argumentativa, pelo menos de adesão à causa -- fomentando assim a reflexão futura. Tendo em vista a literatura recente, estas tentativas de promoção de igualdade não tenderão a gerar bons frutos.
     É importante reconhecer a potencialidade das ciências sociais em discutir publicamente a minimização de preconceitos. Em tese, essa é uma das tarefas da academia. A pergunta é: as pessoas ativistas estão sendo atualizadas com dados empíricos sobre o que tem sido feito em pesquisas que envolvem a percepção social sobre grupos minoritários? E mais, estão atualizadas sobre as evidências empíricas de vieses implícitos, e sobre o reforço de estereótipo negativo em manifestações de ativistas? A julgar pelas performances surgindo nas universidades a resposta é não.

domingo, 11 de outubro de 2015

Uso de maconha por adolescente: Recente estudo sugere que o consumo não está ligado a depressão, câncer e nem sintomas psicóticos

Uso de maconha por adolescente: Recente estudo sugere que o consumo não está ligado a depressão, câncer e nem sintomas psicóticos
 [Originalmente postado no blog Bule Voador]
O uso crônico de maconha por adolescentes não parece estar ligado a questões posteriores de saúde física ou mental, como depressão, sintomas psicóticos ou asma. Esta foi a conclusão de um recente estudo publicado pela American Psychological Association.
Pesquisadores da Universidade de Pittsburgh Medical Center e da Universidade Rutgers acompanharam 408 homens a partir da adolescência até seus 30 e poucos anos.
“O que descobrimos foi um pouco surpreendente”, disse o pesquisador Jordan Bechtold, pesquisador de psicologia da Universidade de Pittsburgh Medical Center. “Não houveram diferenças nos resultados de saúde mental ou física que nós medidos, independentemente da quantidade ou frequência de maconha usada durante a adolescência.”
O uso de maconha foi submetido a um intenso escrutínio depois de vários estados nos EUA legalizarem a droga, o que levou os pesquisadores a examinarem se o uso de maconha entre adolescentes têm consequências para a saúde a longo prazo. Com base em alguns estudos anteriores, eles esperavam encontrar uma ligação entre o uso de maconha entre adolescentes e o posterior desenvolvimento de sintomas psicóticos (delírios, alucinações, etc.), câncer, asma ou problemas respiratórios, mas nenhuma foi encontrada. O estudo também não encontrou nenhuma ligação entre o uso de maconha entre adolescentes e depressão, ansiedade, alergias, dores de cabeça ou pressão arterial elevada. Este estudo é um dos poucos sobre os efeitos da saúde a longo prazo do uso de maconha entre adolescentes que têm monitorado centenas de participantes de mais de duas décadas de suas vidas, disse Bechtold.
A pesquisa foi um desdobramento do Estudo da Juventude de Pittsburgh, que começou a acompanhar desde os 14 anos de idade estudantes do sexo masculino de escolas públicas e Pittsburgh no final de 1980 para analisar várias questões de saúde e sociais. Durante 12 anos, os participantes foram examinados anualmente ou semestralmente, e uma pesquisa seguinte foi realizada com 408 participantes em 2009-10 quando eles tinham 36 anos de idade. A amostra do estudo foi de 54% de negros, 42% de branco e 4% de outras raças ou etnias. Não houve diferenças nos resultados com base em raça ou etnia.
Os participantes foram divididos em quatro grupos com base no seu uso de maconha relatada: baixo ou não-usuários (46%); usuários crônicos (22%); participantes que só fumaram maconha durante a adolescência (11%); e aqueles que começaram a usar maconha mais tarde, em seus anos de adolescência e continuara usando a droga (21%). Usuários crônicos relataram um consumo muito maior de maconha, o que aumentou rapidamente durante a adolescência para um pico de mais de 200 dias por ano, em média, quando eram 22 anos de idade. Entretanto, o consumo relatado diminuía à medida que envelheceram.
Os pesquisadores controlaram outros fatores que podem ter influencia nos resultados, incluindo tabagismo, uso de outras drogas ilícitas, e acesso dos participantes ao seguro de saúde. Uma vez que o estudo incluiu apenas homens, não houve resultados ou conclusões sobre as mulheres. Relativamente poucos participantes tinham sintomas psicóticos, de acordo com o estudo.
“Queríamos ajudar a informar o debate sobre a legalização da maconha, mas é uma questão muito complicada e um estudo não deve ser tomada de forma isolada”, disse Bechtold.
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Tradução: Cicero Escobar

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Novo modelo pode explicar surgimento de autorreplicação nos primórdios da Terra

Post traduzido para o Universo Racionalista 

Crédito: Credit: Maslov and Tkachenko
Quando a vida na Terra começou há mais 4 bilhões de anos - muito antes dos seres humanos, dos dinossauros ou até mesmo as primeiras formas unicelulares de vida -, ela pode ter iniciado como um "soluço" ao invés de um "rugido": Blocos simples de construção moleculares, conhecidos como monômeros, foram agregando-se em cadeias mais longas, chamadas de polímeros, e, sequencialmente, acabaram indo em direção a lagos quentes - que alguns chamam de lodo primordial.
   Então, em algum momento, essas cadeias poliméricas crescentes desenvolveram a capacidade de fazer cópias de si mesmas. A concorrência entre tais moléculas garantiria a existência das mais eficientes na tarefa e, também, a capacidade de fazer cópias mais rápidas ou com maior abundância -- traço que seria compartilhado pelas cópias geradas. Esses replicadores rápidos poderiam preencher o lodo primordial com mais velocidade do que os outros polímeros, permitindo que a informação por eles codificada pudesse ser passada de uma geração para outra, eventualmente, dando origem ao que nós pensamos hoje como a vida.
   Mas, sem registro fóssil para verificar os acontecimentos da Terra primordial, temos uma narrativa que ainda está ausente de alguns capítulos. Uma questão em particular continua a ser problemática: o que permitiu o salto de uma sopa primordial constituída de monômeros individuais para cadeias de polímeros autorreplicantes?
   Uma nova proposta, publicada nesta semana no The Journal of Chemical Physics, postula que a ligação de polímeros pode ter sido auxiliada por uma molécula-modelo, ou seja, a união de dois polímeros auxiliada por essa molécula-modelo poderia ter permitido que eles se tornassem autorreplicantes.
   "Tentamos preencher essa lacuna no entendimento entre os sistemas físicos simples para algo que pode se comportar de forma realista e transmitir informações", disse Alexei Tkachenko, pesquisador do Brookhaven National Laboratory. Tkachenko realizou a pesquisa ao lado de Sergei Maslov, um professor da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign.
 Origens da autorreplicação
   A autorreplicação é um processo complicado. O DNA, base para a vida na Terra hoje, requer uma ação coordenada de enzimas e de outras moléculas a fim de se duplicar. Os primeiros sistemas autorreplicantes eram, certamente, mais rudimentares, mas a sua existência naquela época ainda é um pouco desconcertante.
   Tkachenko e Maslov propuseram um novo modelo que mostra como as primeiras moléculas autorreplicantes poderiam ter trabalhado. O modelo alterna entre as fases "dia", em que os polímeros individuais flutuam livremente, e fases "noite", em que se juntam para formar cadeias maiores via ligação auxiliada por uma molécula-molde. As fases são conduzidas pelas alterações cíclicas das condições ambientais, tais como temperatura, pH e salinidade - que conduzem o sistema para fora do equilíbrio e induzem os polímeros tanto a se unirem ou a se separam.
   De acordo o modelo, durante os ciclos de noite, múltiplos pequenos polímeros ligam-se a cadeias de polímeros maiores, que atuam como molde. Esse molde maior de cadeias mantém os polímeros menores próximos o suficiente para que eles possam formar uma ligação química de cadeias maiores - sendo uma cópia complementar de pelo menos parte da molécula modelo. Com o tempo, os polímeros sintetizados devem predominar, dando origem a um sistema autocatalítico e autossustentável de moléculas grandes o suficiente para potencialmente codificar novas moléculas para a vida.
   Os polímeros, também, podem ligar-se em conjunto sem a ajuda de um molde, mas o processo é um pouco mais aleatório - uma cadeia que se forma em uma geração não será necessariamente levada para a próxima. A ligação assistida por molde, por outro lado, é um meio mais fiel de preservar a informação, uma vez que as cadeias de polímero de uma geração são utilizadas para construir a próxima. Assim, essa proposta combina o prolongamento de cadeias de polímero com a sua replicação, proporcionando um mecanismo potencial de hereditariedade.
Enquanto alguns estudos anteriores têm argumentado que uma mistura dos dois é necessária para sair um sistema de monômeros para outro de polímeros autorreplicantes, o modelo de Maslov e Tkachenko demonstra que é fisicamente possível para a autorreplicação surgir com apenas ligação auxiliada pelo modelo.

"O que nós demonstramos pela primeira vez é que mesmo se tudo que você tem é a ligação auxiliada pelo modelo, você ainda pode iniciar o sistema de sopa primordial", disse Maslov.
   A ideia da autorreplicação auxiliada por uma molécula molde foi originalmente proposta na década de 1980, mas de uma forma qualitativa. "Agora, é um modelo real que pode ser executado através de um computador", disse Tkachenko. "É uma peça sólida de ciência para a qual você pode adicionar outros recursos e estudar os efeitos de memória e herança."


   Com o modelo de Tkachenko e Maslov, a condução a partir de monômeros para polímeros é bem mais repentina. É necessário um determinado conjunto de condições para dar o salto inicial de monômeros para polímeros autorreplicantes, mas essas exigências rigorosas não são necessárias para manter um sistema de polímeros autorreplicantes uma vez que se venceu sobre o primeiro obstáculo.
Uma limitação do modelo que os pesquisadores planejam abordar em estudos futuros é a sua suposição de que todas as sequências de polímero são igualmente prováveis de ocorrer. Transmissão de informações requer variação hereditária -- há determinadas combinações de código de bases para proteínas específicas, que têm funções diferentes. O próximo passo, então, é a de considerar um cenário em que algumas sequências tornam-se mais comuns do que outras, permitindo que o sistema para transmitir informações significativas.
   O modelo de Maslov e Tkachenko se encaixa na proposta conhecida como hipótese do mundo-RNA - a hipótese de que a vida na Terra começou com moléculas de RNA autocatalíticas que, em seguida, levaria a existência da molécula mais estável, porém mais complexa como modo de transmissão de herança, do DNA. Entretanto, por ser uma tese muito geral, pode ser utilizada para testar quaisquer hipóteses sobre a origem da vida que dependa do surgimento de um sistema simples autocatalítico.
   Maslov adiciona: "Nós não estamos tentando resolver a questão de qual material esta sopa primordial de monômeros está vindo" ou quais as moléculas específicas envolvidas. Em vez disso, o seu modelo mostra um caminho fisicamente plausível partindo de monômero indo em direção a polímeros autorreplicante, assim avançando um passo mais para de compreender a origem da vida.
 
 Traçando a origem da vida, de Darwin até os dias atuais 

  Quase toda cultura no planeta tem uma história de origem, uma lenda que explica a sua existência. Os seres humanos parecem ter uma profunda necessidade de uma explicação de como acabamos aqui, neste pequeno planeta girando através de um vasto universo. Os cientistas, também, há muito , têm procurado a história de nossas origens, tentando discernir como, em uma escala molecular, a Terra passou de uma confusão de moléculas inorgânicas para um sistema ordenado de vida. A pergunta é impossível de responder com certeza; não há registro fóssil nem testemunhas oculares. Entretanto, isso não impediu que cientistas de tentarem.
   Ao longo dos últimos 150 anos, nossa compreensão da origem da vida tem espelhado o surgimento e desenvolvimento dos campos de química orgânica e biologia molecular. Ou seja, uma maior compreensão do papel que os nucleotídeos, proteínas e genes desempenham na formação do nosso mundo vivo hoje também melhora, gradualmente, a nossa capacidade de perscrutar o seu passado misterioso.
   Quando Charles Darwin publicou seu seminal "A Origem das Espécies", em 1859, ele falou pouco sobre o surgimento da vida em si, possivelmente porque, na época, não havia nenhuma maneira de testar tais ideias. Suas únicas observações reais sobre o assunto vêm de uma carta posterior a um amigo, na qual ele sugeriu um que a vida surgiu a partir de uma "poça morna" com um rico caldo de química de íons. No entanto, a influência de Darwin era de longo alcance, e suas observações improvisadas formaram a base de muitas origens dos cenários da vida nos anos seguintes.
   No início do século 20, a ideia foi popularizada e expandida por um bioquímico russo chamado Alexander Oparin. Ele propôs que a atmosfera na Terra primitiva era reduzida, o que significa que teve um excesso de carga negativa. Este desequilíbrio de carga poderia catalisar uma sopa pré-biótica de moléculas orgânicas existentes em direção às primeiras formas de vida.
   Os textos de Oparin, eventualmente, inspiraram Harold Urey, que começou a explorar a proposta de Oparin. Urey, em seguida, chamou a atenção de Stanley Miller, que decidiu testar, formalmente, a ideia. Miller tomou uma mistura da qual ele acreditava que os oceanos da Terra primitiva pode ter constituído -- uma mistura de compostos reduzidos, ou seja, composto de metano, amônia, hidrogênio e água- - e a ativou com uma faísca elétrica. A descarga elétrica transformou quase a metade do carbono no metano em compostos orgânicos. Um dos compostos que produziram foi glicina, o aminoácido mais simples.
   O experimento inovador de Miller-Urey mostrou que a matéria inorgânica poderia dar origem a estruturas orgânicas. E, embora a ideia de uma atmosfera redutora tenha caído gradualmente em desuso, sendo substituída por um ambiente rico em dióxido de carbono, a estrutura básica de Oparin de uma sopa primordial rica em moléculas orgânicas ainda continua plausível.
A identificação de DNA como o material hereditário comum para toda a vida, e a descoberta de que o DNA codifica o RNA, que, por sua vez, codifica as proteínas, forneceu uma nova visão sobre a base molecular para a vida. No entanto, forçou, também, os pesquisadores da origem da vida para responder a uma pergunta desafiadora: Como poderia essa maquinaria molecular complicada ter começado? O DNA é uma molécula complexa, requerendo uma equipe coordenada de enzimas e de proteínas para se replicar. Seu surgimento espontâneo parecia improvável.
Na década de 1960, três cientistas -- Leslie Orgel, Francis Crick e Carl Woese –, independentemente, sugeriram que o RNA poderia ser o elo perdido. Já que o RNA pode autorreplicar-se, então, poderia ter agido tanto como material genético como catalisador para o início da vida na Terra. O DNA, mais estável, embora mais complexo, surgiria mais tarde.
   Atualmente, acredita-se, amplamente (embora não universalmente aceito), que, em algum ponto da história, um mundo baseado no RNA dominou a Terra. Mas, como e se houve um sistema ainda mais simples é algo que continua em debate. Muitos argumentam que o RNA é muito complicado para ter sido o primeiro sistema de autorreplicantes na Terra, e que algo mais simples o precedeu.
Graham Cairns-Smith, por exemplo, tem argumentado, desde a década de 1960, que as primeiras estruturas genéticas não foram baseadas em ácidos nucleicos, mas em cristais imperfeitos que surgiram a partir da argila. Segundo ele, os defeitos nos cristais armazenariam as informações que poderiam ser replicado e transmitido de um cristal para outro. Sua ideia, embora intrigante, não é amplamente aceita.
   Alternativamente, outros pesquisadores suspeitam que o RNA possa ter surgido em conjunto com os peptídeos - uma tese conhecida como mundo peptídeo-RNA -, em que ambos trabalharam juntos para construir a complexidade. Os estudos bioquímicos, também, estão fornecendo informações sobre ácidos nucleicos análogos ao RNA, porém mais simples. Ainda, é possível que os primeiros sistemas autorreplicantes na Terra não tenham deixado nenhum vestígio de si mesmos em nossos sistemas bioquímicos atuais.
   É nesse sentido que o recente trabalho de Tkachenko and Maslov traz uma colaboração importante. Sugerem que as moléculas autorreplicantes, tais como o RNA, possam ter surgido através de um processo chamado de ligação auxiliada por um molde. Isto é, sob certas condições ambientais, pequenos polímeros poderiam ser levados a ligar-se com cadeias mais longas de um polímero complementar, mantendo os fios curtos em proximidade suficientes próximos uns dos outros para que eles pudessem se fundir em cadeias mais longas. Através de mudanças cíclicas nas condições ambientais que induzem cadeias complementares que virão juntos, uma coleção autossustentável de hibridizadas -- polímeros autorreplicantes --, capazes de codificar as bases para a vida, poderia ter surgido.
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Fonte:  Phys.org
Tradução: Cícero Escobar
Artigo
"Spontaneous emergence of autocatalytic information-coding polymers," por Alexei Tkachenko and Sergei Maslov, The Journal of Chemical Physics on July 28, 2015: http://scitation.aip.org/content/aip/journal/jcp/143/2/10.1063/1.4922545

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Há vida alienígena por perto?

 [Texto publicado no blog da Liga Humanista Secular do Brasil - Bule Voador]

Vida extraterrestre pode estar aparecendo em alguns lugares óbvios. Não, isto não é sobre alienígenas sem pelos que vieram para a Terra em embarcações em forma de disco, mas é sobre  vida menos sofisticada não muito longe daqui.

Sonda Curiosity
Um século atrás, cientistas acreditavam que havia apenas um óbvio reduto para existência de biologia alienígena em nosso sistema solar: Marte. Por ter algumas semelhanças com a Terra, se pensou que Marte estivesse lotado de seres animados, e seus supostos habitantes tiveram bastante espaço na mídia. Se assumia geralmente que os residentes do planeta vermelho fossem semelhante a nós: em tamanho, em tecnologia e em conhecimento. Em 1900, o astrônomo Percival Lowell estava obcecado com a ideia de que havia uma intrincada rede de canais na superfície marciana, vendo-a como obra de alienígenas desesperadamente tentando irrigar um mundo seco.

Entretanto, a ideia de habitantes sofisticados caiu em desuso (entre cientistas, e mesmo até entre cineastas), uma vez que nossas sondas revelaram que as paisagens de Marte  são desertos dessecados, eficientemente esterilizado pela mortífera luz ultravioleta do Sol. Dizer que a superfície era inóspita seria um eufemismo. Ainda assim, era possível que micróbios marcianos pudessem estar morando a poucas centenas de metros de profundidade onde aquíferos poderiam abrigar alguma espécie de vida contente em dar seus tiros no escuro.

Consequentemente, a opinião dos especialistas mudou. Nossa melhor chance para encontrar marcianos não era de se sentar atrás de um pequeno telescópio no Arizona, como fez Lowell, mas enviar furadeiras para Marte, que pudessem sugar a poeira abaixo da superfície e examiná-la microscopicamente. Obviamente essa é uma tarefa difícil. E ainda não foi realizada – e nem mesmo planejada em detalhes.

Marte continua ser a escolha número um da comunidade da astrobiologia para “a mais próxima rocha com vida”, mas há muitos pesquisadores que, ao invés, apostam suas fichas nas luas de Júpiter. Em particular, há evidências que Europa, Ganimedes e Calisto escondem vastos oceanos de água líquida sob suas crostas de gelo. Europa é o caso mais promissor, e tem a crosta mais fina. Com a tecnologia atual, a melhor forma de examinar o habitat aquático desta lua prevê uma sonda robótica que derreteria um buraco através de 15 quilômetros de gelo, duro como granito, e baixar alguns sensores para dar uma olhada. Mais uma vez, ainda não nas pranchetas.

De qualquer forma, a melhor abordagem para encontrar vida fora da Terra envolve perfuração a fundo - seja através de rocha ou gelo.

No entanto, as descobertas anunciadas na reunião da União Geofísica Americana realizada na primeira semana de Dezembro em São Francisco têm revisto o plano estratégico.

Considere Marte – um caso exemplar de inatividade geofísica, ou assim se pensava. Há muito se assumia que o planeta vermelho fosse tão inerte como um campônes medieval, mas um exame mais atento mostra que Marte é menos dormente do que se acreditava.

Sondas em órbita têm fotografado fenômenos que foram chamados de "listras escuras de declive", que se estendem descendo as laterais das paredes de crateras e de cânions. Essas manchas vigorosas têm a largura de uma sala, e crescem à medida que o sol e o verão elevam a temperatura da superfície. Às vezes se estendem um quilômetro ou mais,  e vem e vão conforme as estações. A explicação óbvia - e mais plausível - é que essas listras são causadas por gelos ricos em minérios, logo abaixo da superfície, derretendo no calor e molhando a superfície conforme descem as colinas.

Lembre-se, a ideia de que essas listras são de água salgada (que agraciavelmente tem um ponto de congelamento menor do que a água pura) é baseada em evidência circunstancial apenas. Imagens, em outras palavras. Mas se for verdade, sugere que a maneira mais rápida de encontrar marcianos poderia ser enviar um rover até essas listras, colher a terra molhada, e verificar se há micróbios que vivem nesta primavera marciana em miniatura. Não haveria então necessidade de um projeto de perfuração profunda: a vida pode estar lá para ser descoberta - em terra úmida. Uma  verdadeira virada de jogo.
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Concepção artística de Europa. Crédito: K. Retherford, Southwest Research Institute
A outra notícia diz respeito a Europa, a lua albina que orbita em torno de Júpiter. O telescópio Espacial Hubble descobriu uma nuvem do que parece ser um desmembrado de moléculas de água a cerca de cem quilômetros acima do polo sul de Europa. O cenário provável é que o líquido está sendo jorrado para o espaço a partir do oceano abaixo da superfície enquanto Júpiter puxa a crosta congelada de Europa . Os gêiseres parecem estar localizados em fendas no gelo na superfície.

Quase uma década atrás, o Hubble descobriu plumas aquosas jorradas de Encélado, uma lua de Saturno, de modo que este fenômeno não é novo. Mas Encélado é uma lua minúsculo, de modo que a água que jorra de sua pele frígida se dissipa no vácuo do espaço, e se esvai para sempre. Europa é um satélite mais robusto, e pode puxar o material disparado das fendas da região polar, que então volta a se acumular na superfície.

Consequentemente, se há alguma vida escondida nas águas Estigianas abaixo do exterior brilhante de Europa, então alguma representação da biologia pode estar simplesmente ali, aos montes, na paisagem gelada do polo sul.

É uma excelente notícia para a humanidade, ou pelo menos para a fração dela que se interessa em saber se há vida além de nosso planeta. Por anos, astrobiólogos vêm especulando sobre a possibilidade de encontrar qualquer pequeno animal em Marte ou Europa. Mas em nenhum dos casos havia razões para imaginar que provas poderiam ser encontradas nas superfícies destes mundos, facilmente ao alcance de nossos robôs. Isso agora mudou.
Carl Sagan uma vez disse que “em algum lugar, alguma coisa incrível está esperando para ser descoberta”. “Em algum lugar” pode bem ser um local de aterrissagem, à distância de uma curta viagem de foguete.
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Autor: Seth Shostak
Tradução: Cicero Escobar e Wladimir Freitas Lyra

Entendendo os mecanismos de formação de metano na Terra primitiva


                                     [Texto publicado Universo Racionalista]

Representação gráfica da Terra de 4 bilhões de anos atrás. Alguns pesquisadores defendem a tese que a Terra foi quase totalmente coberta de água; assim permitindo a diluição de compostos e permitindo a origem da Vida em hidrotermais.
Os compostos orgânicos são baseados na química do carbono. O metano (CH4) é o composto orgânico estável mais simples existente na natureza. Os cientistas acreditam que alguns cenários da Terra primitiva houvesse formação de metano mesmo na ausência de organismos. 

Sabemos atualmente que o metano é o produto de degradação de alguns microrganismos, mas também pode ser produzido por vias abióticas, ou seja, por processos geológicos. Uma possível rota (abiótica) de formação do metano é a partir da água (H2O) e hidrogênio (H2). A reação envolvida nessa caso seria do tipo Fischer-Tropsch (FT), sendo ser representada resumidamente pela equação: CO2 + 4H2 = CH4 + 2H2O. O que fica evidente é que, uma vez que tenha ocorrido a formação de hidrogênio - uma possibilidade é a partir da decomposição água através de fotoquímica causada por fonte de radiação ultravioleta (certamente mais intensa no período da Terra primitiva) - este reage com o dióxido de carbono presente no ambiente e forma metano. Simulações de hidrotermais em laboratório já demonstraram a possibilidade de reações desse tipo em temperaturas maiores que 200 °C [Fu e colaboradores, 2007]

Um exemplo de fonte hidrotermal atual emitindo dióxido de carbono. Localizado aos arredores do vulcão submarino Eifuku (Japão).
Nos últimos anos têm sido proposto novas possibilidades de geração de metano por via abiótica, como as que envolvem baixas temperaturas (menor que 150 °C). Cálculos termodinâmicos têm apoiado essa hipótese, e se baseiam em processos de hidratação desde que exista uma fonte de carbono. Estudos envolvendo minerais como olivina têm sido promissores para essa rota de obtenção de metano abiótico [Oze & Sharma, 2005]. Ao contrário das reações do tipo FT, esse tipo de processo não requer moléculas de hidrogênio presentes no ambiente para a geração de metano [Suba e colaboradores, 2014].

No recente trabalho desenvolvido por Suda e colaboradores, foi realizada uma comparação de diferentes amostras coletadas em locais distintos da fonte hidrotermal Hakuba Happo (Japão). Nessa região há a formação de serpentinita (constituída por olivina), uma rocha que resulta de processos geoquímicos. Essas hidrotermais são consideradas modelos de ambientes pré-bióticos, nos quais puderam ter ocorrido síntese de material orgânico há bilhões de anos atrás.

A novidade da pesquisa realizada por Suda e colaboradores é lançar luz sobre os prováveis mecanismos de formação abiótica do metano em sistemas hidrotermais. Segundo o pesquisador do instituto de tecnologia de Tóquio, os detalhes desse processo ainda não tinham sido satisfatoriamente compreendidos.

Em síntese, o que os pequisadores fizeram foi medir o pH e temperatura, bem como o conteúdo de gás e de íons das amostras de água tanto em termos de concentração e proporção de diferentes isótopos dos constituintes químicos (diferentes isótopos do mesmo elemento químico diferem-se quanto oo número de neutros no núcleo). Cada reação resulta uma razão isotópica diferente porque a taxa de reação de cada isótopo é diferente dependendo do processo.

A maneira mais convencional de discriminar a origem do metano é através da razão isotópico dos átomos presentes no hidrogênio, metano e água. Estudos prévios mostram que há uma faixa na qual pode-se inferir se o foi metano produzido a partir de fixação do dióxido de carbono na água (ou seja, reação do tipo FT). Assim, através de uma série de caracterização isotópica de regiões distintas da fonte hidrotermal Hakuba Happo, o grupo de pesquisadores descobriram valores inesperados para a relação entre diferentes isótopos do metano e hidrogênio molecular dissolvido na água.

A conclusão geral dos investigadores é de que a provável que a fonte de metano seja a partir da água e não do hidrogênio. Assim, isso aponta para um mecanismo de hidratação da olivina em detrimento de reações de FT. Ainda assim, os autores reconhecem a necessidade de estudos experimentais com baixas temperaturas para suportar suas hipóteses. 

Vale salientar que a produção abiótica de metano através de reações de hidratação pode ser um dos mecanismos no qual esse hidrocarboneto é gerado em Marte. Recentes trabalhos [Oze & Sharma, 2005] apontam para a existência de metano no planeta vermelho, e embora alguns defendam a tese que isso pode ser uma evidência indireta da presença de microrganismos, o debate sobre o assunto ainda não está encerrado; assim, entender melhor os mecanismos de formação abiótica do metano auxilia não apenas para entender os possíveis caminhos de formação das moléculas orgânicas na Terra primitiva, mas também lança luz sobre a possibilidade dessas mesmas moléculas surgirem na superfície de outros ambientes rochosos espelhados pelo sistema solar.

Referências

- Artigo  principal

Suba, K. et al, Origin of methane in serpentinite-hosted hydrothermal systems: The CH4–H2–H2O hydrogen isotope systematics of the Hakuba Happo hot spring. Earth and Planetary Sci Letters, 386 (2014):112–125

- Artigos Auxiliares

Fu, Q. et al, Abiotic formation of hydrocarbons under hydrothermal conditions: constraints from chemical and isotope data Feochim. Cosmochim. Acta, 71 (2007): 1982–1998

Oze, C.; Sharma, M. et al, Have olivine, will gas: Serpentinization and the abiogenic production of methane on Mars Geophys. Res. Lett., 32 (2005):276-299

- Na mídia

Science Daily