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domingo, 27 de março de 2016

Deus, uma hipótese improvável

Publicado originalmente no blog Bule Voador

Estima-se algo em torno de 8,7 milhões de espécies habitando atualmente o planeta. Também tem sido descobertas cerca de 15.000 novas espécies novas a cada ano. Isso sem falar no total de espécies já existentes em toda a história dos 4,5 bilhões de anos do planeta, que deve beirar na faixa dos 5 bilhões. Lá fora, no cosmos, os números são ainda mais impressionantes: Só na nossa galáxia, a via láctea, estima-se existir 100 bilhões de planetas. Estimativas tímidas sugerem algo em torno de 200 bilhões de galáxias no universo, que podem conter alguns 17 bilhões de planetas semelhantes à Terra (sem mencionar os outros bilhões de planetas não rochosos, do tipo Júpiter, que abundam o Universo). Até onde sabemos, há apenas uma única espécie que desenvolveu habilidade cognitiva de perscrutar criticamente o ambiente em que vive. Em nosso planeta nós somos a única espécie capaz disso.

No meio dessa monstruosidade de números, alguns — com arrogância ou medo da solidão cósmica –, alegam que há alguma entidade responsável pela criação dos mundos e das espécies. Mais estranho ainda, que esta entidade de alguma forma se preocupa com os interesses humanos. O que não deixa de ser curioso é justamente a correlação existente entre a espécie que desenvolveu raciocínio e um dos seus sub-produtos culturais mais populares: A existência de Deuses. Uma das dificuldades em sustentar essa crença é a tentativa de inserir qualidades aos Deuses que são comportamentos e vontades flagrantemente humanas. Quando alguém atribui consciência, preocupação moral, inteligência, criatividade e poder de criação (especialmente criação de seres à “imagem e semelhança” de Deus) está antropomorfizando e antropocentrizando a suposta entidade. Não há nenhuma novidade nisso, já que reflete coisas como o que Xenófanes já percebeu há mais de 2.000 anos: “Se os bois e os cavalos tivessem mãos e pudessem pintar e produzir obras de arte similares às do homem, os cavalos pintariam os deuses sob forma de cavalos e os bois pitariam os deuses sob forma de bois.”

Este é um dos problemas: Dedicar importância excessiva a atributos relacionados a uma espécie que representa uma fração muitíssimo pequena de todo o universo não é a melhor estratégia para mostrar plausibilidade de uma entidade teísta. Como já dito, somos apenas uma espécie das 5 bilhões que já existiram em um planeta num universo que pode existir outros 17 bilhões de planetas parecidos. Disso se segue que as suposições antropomórficas e antropocêntricas são, com elevada probabilidade, possivelmente falsas. Em miúdos: Só há um tipo de inteligência que tivemos acesso até hoje, a inteligência humana. Logo, há uma grande chance de que a criação de deuses seja um produto dessa inteligência.

No que diz respeito a influência de Deus no mundo, encontra-se no imaginário popular a ideia de que “ele sabe o que faz”. Para ilustrar o quanto o senso comum muitas vezes só reproduz crenças preguiçosas, tomemos o exemplo de um recente desastre natural. No estado de São Paulo, o recente deslizamento já ceifou a vida de 16 pessoas, além de causar sofrimento humano e material em habitantes de várias cidades. A pergunta é: Sabe Deus o que faz? Há algumas maneiras de tentar explorar com mais claridade essa pergunta, como: Ele sabe por que foi ele quem o fez? Ou apenas sabe e não faz nada para impedir? Ou tenta fazer algo e não consegue? Ora, se ele causou o desastre, então não é benevolente. No entanto, se ele não causou, mas apenas tem conhecimento do ocorrido, então não fez nada para impedir. Logo, não é onipotente. Se ele tentou evitar mas não conseguiu também não é onipotente. Ou ele não sabe? Então não é onisciente. Então por qual razão chamá-lo de Deus?

É possível articular algumas respostas para as questões anteriores, muito embora nem sempre o teísta que apenas repete ideias do senso comum as apresente. Uma delas é a que se segue. Deus possui todos os atributos (como benevolência, onipotência, onisciência, onipresença), mas abre mão conscientemente e temporariamente de alguns deles para que, sob a ação do mal, os humanos possam mostrar o melhor de si. Entretanto, isso ainda traria outros problemas, já que não é óbvio que a existência do mal incremente a existência do bem e não responde sobre a incompatibilidade dos atributos.

Para muitos, a ideia de um Deus é uma crença psicologicamente agradável. Apesar de toda a insistência e ligação emocional com a hipótese da existência de Deuses, a possibilidade dessa(s) entidade (s) não parece plausível. E uma vez concluindo isso, e se é com a verdade que estamos comprometidos, não é pelo fato de uma crença ser emocionalmente confortante que ela deve ser mantida.

Ceticismo sobre a ressureição


1. Uma alegação de milagre é inicialmente improvável em relação ao nosso conhecimento prévio;
2. Se a alegação é inicialmente improvável em relação ao nosso conhecimento prévio e as evidências para ela não são fortes, então não deve ser acreditado;
3. A ressurreição de Jesus é uma alegação de milagre;
4. A evidência para a ressurreição não é forte;
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Portanto, a ressurreição de Jesus não deve ser acreditada.
Enquanto que a premissa 2 é auto-evidente, e a premissa 3 é uma definição, as premissas 1 e 4 são as que requerem justificações.
*Premissa 1: A probabilidade inicial das alegações miraculosas
Por que supor que a ressurreição, como uma reivindicação milagre, inicialmente é improvável? Tradicionalmente um milagre é definido como uma violação de uma lei da natureza causada pela intervenção de Deus. A improbabilidade de milagre no sentido tradicional pode ser entendidos da seguinte forma. Para o bem do argumento, suponhamos que o teísmo, a crença na existência de Deus, é verdade. Então podemos esperar uma intervenção de Deus curso natural dos acontecimentos de forma a violar uma lei natural? Nós não podemos. Se o teísmo é verdade, então milagres no sentido de uma intervenção divina são possíveis, uma vez que há um ser sobrenatural que poderia fazê-los, mas isso não quer dizer que tais milagres são mais propensos de ocorrer do que não ocorrer. De fato, Deus teria boas razões por nunca utilizar milagres para alcançar seus propósitos. Deve-se considerar que este tipo de milagre não pode ser explicado pela ciência e, na verdade, é um impedimento para uma compreensão científica do mundo. Considere também que grandes dificuldades e controvérsias surgem em identificação de milagres. Seja qual for os bons efeitos que os milagres possam ter, eles também impedem, enganam e confundem. Uma vez que um Deus todo- poderoso parece ser capaz de alcançar seus propósitos de maneiras que não têm efeitos infelizes, concluo que há realmente motivo para supor que a existência de milagres é inicialmente improvável mesmo em uma visão religiosa do mundo.
[...]
Vamos supor que é provável que Deus faria sacrificar seu filho para a redenção da humanidade. Ainda não se seguiria que a encarnação e a ressurreição são eles próprios prováveis, pois estes eventos aconteceram em um tempo e local particular. No entanto, Deus poderia ter encarnado e morrido pelos pecadores em um número indefinido de outras ocasiões.
Não parece haver qualquer razão a priori para supor que ele teria encarnado, ou tivesse morrido, em um tempo e local particular em detrimento de outros tempos e lugares e em diversas outras maneiras. Consequentemente, mesmo que alguma encarnação ou ressurreição seja provável, não há uma razão a priori para supor que ele teria encarnado e morrido como Jesus no primeiro século da Palestina em uma cruz e ressuscitado em relativa obscuridade. Na verdade, dada as inúmeras alternativas à disposição de Deus, parece improvável que a encarnação e a ressurreição teriam acontecido no local e tempo onde supostamente aconteceu.
*Premissa 4: A insuficiência generalizada das evidências
O corpo de Jesus ressuscitado foi supostamente transformado em um corpo sobrenatural vivo. Sendo assim, todas as declarações a seguir devem ser verdadeiras:

1. Jesus é incapaz de ser ferido a qualquer momento após 33 d.C.
2. Jesus é incapaz de morrer a qualquer momento após 33 d.C.
3. Jesus é incapaz de envelhecer a qualquer momento após 33 d.C.
4. Jesus é incapaz de estar doente a qualquer momento após 33 d.C.
5. Jesus é capaz de se mover à vontade instantaneamente de um lugar para outro a qualquer momento depois de 33 d.C.
6. Jesus é capaz de atravessar paredes em qualquer momento após 33 d.C.
Vamos chamar de Jesus sendo trazido de volta à vida com esses atributos de sentido forte da ressurreição, e sendo trazido de volta à vida sem atributos sobrenaturais de sentido fraco da ressurreição. A maioria das evidências citadas para a ressurreição de Jesus, mesmo que esteja livre de outros problemas, não dá suporte à ressurreição no sentido forte. Por exemplo, a alegação do túmulo vazio, a conduta dos discípulos, muitos das pós-aparições da ressurreição e a ascensão do cristianismo, no máximo suportam a ressurreição no sentido fraco. Na verdade, as únicas provas relevantes que podem sustentar alguma versão da ressurreição no sentido forte parece ser as descrições de aparições do Jesus ressuscitado em que é dito que ele teria manifestado habilidades sobrenaturais em algum tempo e lugar particular.
Isto significa que todo o ônus para a afirmação de que Jesus ressuscitou no sentido forte sentido repousa sobre estas poucas descrições. Mas, mesmo que tais descrições são precisas, a ressurreição de Jesus no sentido forte não estaria comprovada. Por exemplo, suponha que um tenha razão para acreditar que Jesus não foi ferido por algum evento que ferido seus discípulos. Isso não seria suficiente para suportar a declaração (1) [Jesus é incapaz de ser ferido a qualquer momento após 33 d.C.]. Para satisfazer, alguém só poderia inferir essa conclusão ou a partir de uma teoria geral e bem aceita ou mostrar evidências que Jesus não foi ferido em uma gama de outras circunstâncias após 33 d.C. Mas nenhuma teoria está disponível, e os tipos de provas necessárias estão em falta.
[...]
A probabilidade de ressurreição é inicialmente baixa. Embora Deus poderia fazer milagres, não há razão para supor que no máximo ele iria fazê-lo raramente. Mesmo que alguém assuma que Deus fizesse uso de um milagre para salvar a humanidade, há muitas outras maneiras ele poderia fazer isso sem sacrificar seu filho e ressuscitá-lo. Além disso, mesmo se ele escolheu a encarnação, morte e ressurreição, não há nenhuma razão para pensar que deveriam ser no lugar e tempo onde supostamente aconteceu.
Desde a ressurreição é improvável, a evidência para ela deveria ser muito forte, mas não é. Alegadamente, Jesus foi ressuscitado no sentido forte, isto é, trouxe de volta à vida transformada em um ser com os atributos sobrenaturais. Contudo, a evidência de costume citada, por exemplo, o túmulo vazio, é irrelevante para o estabelecimento que Jesus tinha esses atributos. Além disso, o tipo de prova que é necessário é indisponível. Além disso, mesmo se assumirmos que Jesus ressuscitou no sentido fraco, a prova não é forte o suficiente para superar a improbabilidade inicial.
[...]
Se a ressurreição realmente ocorreu, Deus não seria incerto que fez: Teria feito como um evento para além da dúvida racional. Um argumento semelhante é dado por J. L. Schellenberg (1993), que alega que a existência de descrença razoável é evidência contra a existência de Deus. Portanto, a grande importância teológica da ressurreição é incompatível com a sua incerteza epistêmica.
[Livre tradução do artigo "Skeptical Perspectives on Jesus ’ Resurrection", Micahel Martin in The Blackwell Companion to Jesus -Wiley-Blackwell (2010)]

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Chamada do CNPq está apoiando pesquisa em homeopatia

   Ao abrir a página do CNPq desta semana, é possível encontrar um anúncio desconfortável. Uma chamada em parceria com a ANVISA visando apoiar financeiramente projetos que incluem estudos envolvendo homeopatia. E isso não é a primeira vez que acontece.
   O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq, é uma agência do Ministério da Ciência, e desde a década de 50 tem como principais atribuições fomentar a pesquisa científica e tecnológica e incentivar a formação de pesquisadores brasileiros. Na página da agência é possível encontrar o que norteia a instituição: “Fomentar a Ciência, Tecnologia e Inovação e atuar na formulação de suas políticas, contribuindo para o avanço das fronteiras do conhecimento, o desenvolvimento sustentável e a soberania nacional.” A missão da agência é cristalina. Contudo, algumas vezes seu financiamento científico é obscurantista.
   O CNPq é um órgão ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Trocando em miúdos, o investimento em ciência e tecnologia da instituição é adquirido através de dinheiro público. Sendo assim, há pelo menos duas responsabilidades que a instituição deve prezar — uma científica e outra moral.
   Na literatura científica é possível encontrar pelo menos 5 meta-análises (estudos sobre estudos científicos) indicando unanimemente que a homeopatia não difere do placebo. Se a homeopatia quer ser aceita como medicina ela tem que se mostrar eficaz, e ser submetida ao escrutínio científico é uma condição necessária para alcançar esse objetivo. Medicina é uma só: Se alguém faz alguma alegação extraordinária sobre um fenômeno médico, deve estar submetido ao mesmo rigor crítico que qualquer pesquisador no mundo faz sobre determinado evento. O resumo é: Um preparado homeopático não difere em nada de pílulas de farinha. Tendo em posse essas informações – qualquer pessoa pode ter acesso gratuitamente aos artigos científicos nas Universidades públicas do país –, chega ser irônico o uso de parte do recurso público (que fornece subsídio à informação e senso crítico ao indivíduo) parcialmente dividido para financiar projetos em uma linha de pesquisa cuja conclusão já foi satisfatoriamente demonstrada como ineficaz. Então é aqui que fica o questionamento moral: É correto que um órgão governamental continue promovendo recursos humanos e financeiros a uma prática contraditória aos princípios básicos de química, física e biologia, e que ainda vai de encontro aos melhores resultados científicos disponíveis? Embora de natureza um pouco distinta, é esperado que pessoas repudiem uma fraude científica. Por qual razão deixaria de ser uma discussão igualmente ética um órgão de fomento de pesquisa endossar uma prática ausente de respaldo na comunidade científica?

   Alguém poderia refutar: Só teremos condições de concluir sobre a eficácia após dedicar recursos em pesquisas. Não está errado quem alega isso, não fosse pelo fato de que a homeopatia já foi profundamente investigada (sobretudo a nível clínico — pois já foi concebido que poderia haver algum fenômeno básico ainda desconhecido a nível molecular). Nesse sentido, seria algo ao equivalente a defender recursos a uma pesquisa que quisesse novamente descobrir a roda. Além disso, a chamada de apoio financeiro ao projeto não menciona a investigação de eficácia. Ao que tudo indica já se considera a prática eficaz. Segundo o texto publicado na chamada, um dos objetivos é o “estudo para desenvolvimento de monografias de insumos ativos para uso homeopático”. Uma chamada de pesquisa deste tipo não parece fazer sentido se alguém entende que a prática não tem eficácia.
   O apoio do CNPq favorável à homeopatia contradiz o processo rigoroso de revisão por pares ao qual a prática já foi submetida. Não parece ser uma atitude virtuosa especialmente de uma agência de fomento que deveria reconhecer o estado da arte daquilo que está sendo financiado.
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Nota de esclarecimento: O autor não se opõe ao direito dos homeopatas de fazer e vender seus preparados (como já foi defendido aqui). Seria falacioso que, mesmo reconhecendo a não eficácia da prática, disso se seguisse proibição de venda e consumo — sobretudo se este comércio é exercido na esfera privada e com pleno consentimento dos envolvidos.

terça-feira, 3 de junho de 2014

É provável a existência e eventual visita de vida extraterrestre inteligente antropomórfica?

                Texto também publicado no blog da Liga Humanista Secular do Brasil - Bule Voador
Um cenário de extraterrestres (não humanoides) em um ritual de droga recreativa. Fonte: http://www.alexries.com/Galpages/c-smoking.htm

Nos últimos anos, o número de exoplanetas (planetas fora do sistema solar) descobertos têm aumentado progressivamente. Independente disso, o imaginário sobre a possibilidade de vida extraterrestre data de um tempo mais antigo do que a primeira descoberta de um exoplaneta no início da década de 90. Embora muitas alegações extraordinárias e implausíveis envolvam o tema, alguma coisa parece certa: até o momento não existe nenhum relato confiável que demonstre algum contato extraterrestre. Assim, uma interessante pergunta pode ser colocada: É provável a existência e eventual visita de vida extraterrestre inteligente antropomórfica?

É verdade que a pergunta pode induzir um mal entendido. Assim, resolvemos isso com a seguinte afirmação: Para que uma visita de seres extraterrestres antropomórficos ocorra, é uma condição necessária a existência dos mesmos. Dessa forma, no primeiro momento, tentarei mostrar razões em defesa da improbabilidade da existência, e, em seguida, faremos o seguinte exercício: mesmo considerando que existam, é provável a visita?

Pensemos um pouco na nossa história: A primeira explosão de vida animal na Terra ocorreu há aproximadamente 540 milhões de anos atrás — a chamada explosão cambriana. Desde então, pelo menos duas grandes extinções em massa aconteceram por aqui: A extinção do Permiano-Triássico (251 milhões de anos atrás), considerada a mais severa, levando a extinção de mais de 90% das espécies marinhas e 70% das espécies sobre continentes; e a mais conhecida (embora não a mais severa) extinção de Cretáceo-Terciário (há 65 milhões de anos atrás), que vitimou, entres outros, os dinossauros.

Foi somente após esses dois eventos que ocorreu a explosão de diversidade dos mamíferos placentários. Em outras palavras, não parece ser absurdo alegar que a o aparecimento da espécie humana se deu, muito provavelmente, devido (mas não apenas) a extinção de outras espécies na qual a coexistência tornaria difícil a nossa existência (dinossauros carnívoros gigantescos, por exemplo). Disso não se segue que não existiam mamíferos antes da existência dos dinossauros, o Castorocauda é um exemplo. Por outro lado, considerando os seres antropomórficos, e todo o tempo desde a formação do planeta, sua trajetória evolutiva foi bem mais lenta. De fato, lembremos do célebre calendário cósmico saganiano ao nos recordar que o aparecimento dos primeiros humanos só teria ocorrido em algo em torno de 22:30 de 31 de Dezembro (nesse calendário, o 1° de Janeiro marca o Big Bang). Somos muito recente no cosmos, também diria Sagan.

O estado atual da biologia aponta: O planeta Terra possui 8,7 milhões de espécies, número do qual nós representamos apenas uma unidade nessa miríade de vida; a estimativa atual do número de bactérias chega a 5 milhões de trilhões de trilhões (5 seguidos de 30 zeros). Além disso, registros fósseis apontam para a existência de bactérias há pelo menos 3,6 bilhões de anos, sendo que a célula eucariótica só deve ter surgido há cerca de 1,8 bilhões de anos (a Terra tem idade de 4,5 bilhões de anos). Dizer que o planeta é das bactérias não é uma metáfora tão exagerada.

Como comentado por PZ Myers, diferentes soluções evolutivas podem ser encontradas para problemas adaptativos; ou seja, não parece razoável esperar que adaptações complexas e especializadas encontre caminhos evolutivos universais. Os biólogos estão dispostos a admitir que complexidade não é uma marcha unidirecional ao que é mais complexo ou ao que é mais parecido ao ser humano. Em outras palavras, imaginar o bipedalismo como aparência provável de seres extraterrestres inteligentes parece um pouco da falta de bom senso frente a originalidade e diversidade de exemplares dos organismos vivos.
Extra 1Essas foram algumas razões para objetar a tese da existência de organismos antropomórficos no Universo. Que basicamente possuem o mesmo esqueleto argumentativo: a improbabilidade desse tipo de morfologia tendo em vista o modelo (número e formato) dos organismos na Terra. É verdade que essa argumentação falha ao se basear nos organismos somente do planeta Terra. Mas é uma limitação, por enquanto, justa, uma vez que não conhecemos outros locais com vida. De qualquer forma, se recebermos alguma visita de civilização extraterrestre, parece provável que não o reconheceremos como seres cinzentos baixinhos, bípedes e com olhos escuros.
Outras objeções (algumas das quais englobam a questão da visita considerando que seres antropomórficos existam) são possíveis: i) a não existência de evidências de seres antropomórficos não-terráqueos (apesar do delírio coletivo de alguns que sugerem a existência de abduções); ii) a história evolutiva sugere a possibilidade de uma infinidade de morfologias distintas; iii) a necessidade de pressupor alguma convergência cósmica de seres antropomórficos não-terráqueos, algo bastante problemático tendo em vista a possibilidade de caminhos evolutivos distintos em condições atmosféricas diferentes, iv) mesmo que seres antropomórficos existam em outros lugares no cosmos, não se segue disso que eles sejam capazes de desenvolver tecnologia suficiente capaz de realizar viagens interestelares e v) mesmo que seres antropomórficos inteligentes (do ponto de vista tecnológico) existam em outros lugares no cosmos, é necessário que o tempo de existência deles seja suficiente de não extingui-los (por alguma extinção em massa natural ou artificial) antes que desenvolvam tecnologia capaz de viagens cósmicas. Por fim, outra objeção curiosa é a que segue: vi) mesmo que as condições de v) sejam satisfeitas, esses seres devem saber da existência do planeta Terra – uma dificuldade real tendo em vista a imensidão do universo. Naturalmente, sobretudo iv), iv) e vi) pressupõem que esses seres detêm vontade de investigar novos planetas – ou seja, que esse desejo não seja algo intrínseco ao processo cognitivo humano somente (de fato, o desejo de conhecer e explorar novos mundos nem é compartilhado por todos os humanos – alguns são totalmente desinteressados por esses assuntos).

Sobre i), mais uma observação: A tese que defende a existência de vida extraterrestre antropomórfica suficientemente avançada – do ponto de vista tecnológico -, ao ponto de ser capaz de realizar viagens interestelares, tem falhado em mostrar qualquer evidência razoavelmente aceitável em favor suas proposições. Em outras palavras, o paradoxo de Fermi ainda não foi resolvido. Aliás, a tese do Grande Filtro defende que há alguma(s) etapa(s) durante o processo de evolução dos organismos que torne a vida inteligente improvável ou, no caso de existir, tendenciosa a auto-destruição.

Uma vez que esse assunto muitas vezes causam mais paixão do que razão, de antemão prevejo acusações. Não estou alegando que: i) a origem da vida (seja o lá o que venha a ser “vida”) é um fenômeno raro no universo; ii) vida extraterrestre não existe; iii) vida extraterrestre inteligente é muito improvável e iv) a emergência de vida complexa multicelular é uma combinação improvável de eventos e circunstâncias astrofísicas e geológicas (o que me afasta um pouco da adesão da Hipótese da Terra Rara).

Considerando o estado atual sobre astrobiologia, não parece exagero a seguinte afirmação: vida extraterrestre, não necessariamente antropomórfica, detentora de curiosidade e tecnologia suficiente para perscrutar novos planetas, se existem, são em número tão baixos que nenhum contato físico parece provável em alguma escala temporal menor do que o tempo que nos resta antes da morte de nossa estrela. É uma visão pessimista, reconheço. Espero que essa tese esteja errada.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Memória da água e coisas que os homeopatas não dizem

Estudar o processo histórico das atuais chamadas práticas complementares da medicina pode auxiliar no entendimento de como elas ainda se mantêm populares. 

Pouco antes de eclodir a segunda guerra mundial a homeopatia estava relativamente esquecida na Europa. Foi nessa época que os conselheiros médicos de Hitler o incentivaram para a retomada da prática. A razão disso parece ter sido pouco científica. O fundador da homeopatia, Chistian Hahnemann, era alemão. Assim, a tentação de retomar a prática era óbvia: isso aumentaria o sentimento nacionalista.

Essas e outras histórias estão bem relatadas no livro "Truque ou tratamento", que foi traduzida em 2013 pela editora Record. Os autores Edzard Ernst e Simon Singh ainda nos contam mais sobre a homeopatia. Coisas que geralmente os homeopatas não sabem ou escondem.

É verdade que Benveniste e colaboradores publicaram um artigo na prestigiada revista Nature. Alegação: que a água possuía memória, e de alguma maneira a ultra-diluição em preparados homeopáticos poderia reter moléculas da solução original. Como foi feito (em síntese): basófilos (uma célula sanguínea que reage a um agente alérgico específico) foram colocados em contato com soluções cada vez mais diluídas e ainda reagiram contra o componente alérgico que as compunha.

Mas também é verdade que os experimentos foram conduzidos sem rigor. Meses após a publicação um grupo de cientistas visitou o laboratório de Benveniste no intuito de acompanhar as experiências. Como a alegação era extraordinária (assim exigindo evidências igualmente extraordinárias) o grupo propôs experimentos de duplo-cego, nos quais os realizadores das experiências não saberiam previamente quais frascos continham as soluções mais diluídas (mais precisamente, o analista não saberia identificar quais as amostras de basófilos teriam sido tratadas com soluções homeopáticas e quais teriam recebido apenas tratamento com água). Isso eliminaria a tendência do laboratorista em privilegiar os resultados das amostras mais diluídas, pois as análises dependiam de certa forma de um componente subjetivo para se chegar ao resultado. Assim, constatou-se que, após essa nova batelada de experimentos, os basófilos não reagiram de maneira distinta do grupo controle contendo apenas água.

Os homeopatas ainda não dizem: a mesma revista publicou mais três artigos nos quais pesquisadores independentes falharam em repetir os resultados alegados por Benveniste. Ele também foi o primeiro pesquisador a ganhar dois igNobel (paródia do prêmio Nobel).

Desde aquela época (final de década de 80), o mágico James Randi já vinha oferecendo uma boa quantia para quem apresentasse dados convincentes da eficácia da homeopatia (ou de qualquer outra alegação extraordinária). Aliás, ele esteve presente na comissão científica da Nature para investigar os resultados do grupo liderado por Benveniste. A oferta aumentou com o passar dos anos, e hoje está em um milhão de dólares. Então, alguém arrisca?

Conclusão, homeopatia não se distingue de pílulas de farinha.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Acreditando em coisas estranhas: os moais da ilha da Páscoa e o mito do uso de somente 10% do cérebro

[Texto publicado no blog da Liga Humanista Secular do Brasil - Bule Voador]


A mente humana é pródiga em dar adesão a alegações extraordinárias. Não raro uma crença popular, geralmente desprovida de justificação, serve como premissa ou sustentação de outra crença e/ou mito. Dois exemplos ilustram esse comportamento humano: as hipóteses fantásticas sobre o movimento e criação dos moais da ilha da Páscoa e a crença no mito do uso dos 10% do cérebro. Curiosamente não aparecem sempre como mitos isolados, pois muitas vezes são alegadamente complementares.
Moais. Fonte: Wikipedia.
No caso da ilha da Páscoa, a criação e movimentação dos moais suscitam diversas fantasias. O pacote de explicação inclui teses bizarras do tipo que as estátuas criaram vidas e começaram a se locomover (essa faz parte da própria tradição local)  e outras igualmente improváveis como a ajuda de extraterrestres. Sobre essa última, é reconhecido o papel de disseminação dessas ideias pelo do escritor Erich von Däniken. Ele e seus apoiadores adoram falar sobre “teorias”, mas caso estivessem comprometidos com um escrutínio sério reconheceriam que suas ideias são no máximo propostas especulativas (quando não são devaneios ou até mesmo mentiras).
Há mais de  seis décadas que a ilha da Páscoa tem sido seriamente estudada por antropólogos, historiadores e arqueólogos. Não é o intuito desse texto demonstrar os equívocos dos proponentes das ideias pouco prováveis envolvendo a ilha. De qualquer forma, parece que a sobrevivência desses mitos ocorrem em virtude da falta de informação. Por exemplo, na década de 90 um grupo de pesquisadores e cerca de 75 voluntários conseguiram erguer e transportar uma réplica de um moai de 10 toneladas fazendo uso apenas de material disponível na ilha (veja uma breve narração aqui, e a página da empreitada aqui). Mais interessante ainda é o fato de que outras expedições já haviam realizado experimentos locais similares. É o caso do famoso explorador Thor Heyerdahl, que em meados da década de 50 realizou uma expedição à ilha da Páscoa e parte de suas simulações das estátuas pode ser verificada em vídeos na web (Veja aqui, próximo aos 35 min.). Interessante notar que o explorador lançou o livro com seus relatos chamado “Aku-Aku: the Secret of Easter Island” uma década antes do famoso livro do Däniken “Eram os deuses astronautas?”. Talvez esse acontecimento exemplificaria alguma tendência de superestimar o extraordinário em detrimento da análise criteriosa.
 Outro mito popular diz respeito à capacidade do uso do cérebro para além dos 10% que os seres normais são capazes (em algumas teses alternativas a alegação é de usamos apenas um quarto do cérebro, o que revela ainda mais confusão e falta de consenso entre os propagadores de mito).
Em um estudo realizado pela neurocientista Suzana Herculano foi mostrado que no Brasil 59% das pessoas com graduação que foram entrevistadas acreditavam no mito. No livro “Os 50 maiores mitos populares da psicologia - Derrubando famosos equívocos sobre o comportamento humano”, os autores argumentam várias razões pelas quais o o uso de apenas 10% do cérebro é uma mentira. Conforme já discutido em outros textos, o livro também ressalta que o cérebro humano tem sido moldado pela seleção natural. Além disso, ele consome 20% do oxigênio respirado e representa meramente 2% do peso do corpo. Assim, além de ser um desperdício evolutivo usar apenas 10%, caso o mito fosse verdade (o que implica aceitar que 90% do cérebro seria desnecessário), haveria grande vantagem evolutiva em seres humanos com cérebros menores e mais eficientes, resultando que o caminho evolutivo mais natural fosse de eliminar indivíduos com cérebros ineficientes. Não apenas razões evolutivas confrontam o mito, mas também razões celulares e metabólicas, eletrofisiológicas, entre outras.
A movimentação dos moais na ilha da Páscoa é um tema tão fascinante para alguns que explicações mundanas parecem não ser suficientes. Daí que essa inquietação pode ser fonte de alegações extraordinárias na tentativa de explicar que as gigantescas pedras puderam ser movimentadas em virtude de seres humanos capazes de utilizar mais do que apenas os 10% do cérebro que a maioria dos mortais é capaz (algumas vezes nomeado de mana). É uma tese sedutora: se ralmente usamos apenas 10% de nossas capacidades cerebrais, então imagine o que não poderíamos ser capazes se – com um esforço e dedicação – pudéssemos trabalhar o restante que não é utilizado.
Apesar da sedução que essas histórias extraordinárias possam causar nenhuma delas é verdade. Nada mais é do que a criação de um mito em cima de outro mito.  A movimentação dos moais não exigiu nem tecnologia extraterrestre tampouco alguma capacidade extra-cerebral-humana; a história dos 10% do cérebro só convence aqueles que ainda não se tiverem vontade ou oportunidade de investigar a invericidade de uma alegação desse tipo.
Mas por que o cérebro humano é tendencioso a acreditar em coisas extraordinárias? Rascunhando um pouco uma possível resposta podemos encontrar sugestões na leitura de livros do psicólogo Michael Shermer. No livro “Por que as pessoas acreditam em coisas estranhas”, Shermer nos lembra que humanos são animais que procuram por padrões. Tentamos identificar significado ao que é complexo, além de muitas vezes desejarmos respostas rápidas às perguntas; e não raro a crença no extraordinário antecede a racionalização. Nesse sentido, o psicólogo sugere dois tipos de erros de pensamentos, a saber: Erro do tipo 1 - acreditar em algo errado, ou seja, sem evidência nenhuma (falso positivo); e erro do tipo 2 - rejeitar algo verdadeiro (a negação de um fato científico). Vale salientar que a questão não é que essas pessoas são pouco inteligentes, mas muito provavelmente o erro do tipo 1 ocorre mais em função da desinformação do que pela ignorância.
Acreditar em coisas com pouca ou nenhuma evidência parece ser o caso de pessoas dispostas a dar adesão à alegações com pouco teor de credibilidade, como o caso das ideias fantásticas sobre os moais e uso de somente 10% do cérebro.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

41 anos da missão Apollo 17 – e gênese do negacionismo ingênuo

[Texto publicado no blog da Liga Humanista Secular do Brasil -Bule Voador]


 Harrison Schmitt no solo lunar
O dia 11 de Dezembro é uma data de comemoração para a espécie humana. Há exatamente 41 anos, um dos programas mais ambiciosos de exploração já realizados começava a terminar. Foi o pouso na lua da Apollo 17. A sexta e última missão do projeto Apollo levou os três últimos astronautas ao nosso satélite natural, sendo a missão que mais tempo permaneceu na superfície do astro.

É verdade que o projeto Apollo estava inserido em um contexto político de corrida espacial, mas isso de maneira alguma diminui o mérito deste acontecimento que foi uma das maiores aventuras já realizadas. A mistura de curiosidade, política, ciência e tecnologia permitiu um dos maiores feitos da nossa espécie. Apesar disso, ainda hoje há pessoas incrédulas sobre a veracidade das viagens.

Rover utilizado na missão
Uma característica curiosa de uma parcela dos negacionistas é sua ingenuidade. Não raro encontramos alguns que mal sabem da existência de seis missões. Como se a quantidade de imagens que eles mesmos usam para tentar negar as idas à lua fosses apenas da missão de Julho de 1969. Nesse sentido, é interessante notar que poucos deles foquem a atenção nas outras cinco viagens – a tentativa do negaciocismo algumas vezes é tão ingênua e mal informada que parece ter pouco interesse em investigar honestamente suas proposições. Não é objetivo do presente texto rebater as mais comuns argumentações envolvendo a falsidade das viagens(1),  mas é curioso notar que a grande maioria dessas alegações são justamente os fenômenos físicos que se esperaria em um local com pouca gravidade constituído de chão lunar branco reflexivo (regolito), com relevo irregular e apenas uma fonte de luz (bandeira “tremendo”, as sombras, pegadas e a ausência de estrelas nas fotos são exemplos disso). Esse é o típico caso de uma boa aplicação do ditado popular “peixe morre pela boca”. Parece ser típico de movimentos conspiracionistas/negacionistas criarem um baluarte onde nenhuma argumentação racional tem vez.
Para entender o movimento que defende a fraude é necessário recordar pelo menos dois momentos chaves. Em 1974, o escritor William Kaysing lançava o livro intitulado “Nós nunca fomos à lua”. O livro é uma pequena obra na qual consolidou os principais argumentos que são utilizados até hoje pelos negacionistas.
A agenda conspiracionista ganhou novo impulso em 2001 com o documentário produzido pela Fox chamado “Teoria da conspiração: Nós pousamos na lua?”. Sem perder o ensejo, o pessoal da Fox decidiu que o programa seria narrado pelo ator Mitch Pileggi (famoso na época pela série Arquivo-X). Mas isso é irrelevante, pois o que realmente foi curioso é que a grande voz do documentário foi ninguém menos que William Kaysing. Depois de quase 30 anos o escritor continuava com sua rentável tese de que todo o programa de viagem à lua foi uma fraude em conjunto com a Área 51 (não poderia ser diferente!). Mais absurdo ainda, dizia que a NASA não tinha capacidade técnica de ir até a Lua, e que a pressão durante o período da guerra fria forçou os americanos a forjar toda a história da viagem. Várias mentiras e deturpações foram ditas no documentário (2), como no caso de tentativas patéticas de gerar um sentimento de aceitação do negacionismo ao dizerem que na época 20% dos americanos não acreditavam na ida à lua em 1969.

Apesar disso tudo, é verdade que não pisamos mais na lua há 41 anos. Ainda assim, sondas de pouso (não tripuladas) continuaram a ser enviadas ao solo lunar até meados da década de 70. Aliás, a negação das viagens à lua geralmente acontecem acompanhadas de desconhecimento histórico de programas espaciais paralelos. Por exemplo, apenas 7 anos após a primeira ida à lua a sonda Viking aterrissava em Marte. E se tudo correr bem haverá um novo pouso de uma sonda na lua ainda esse mês, dessa vez comandada pelos chineses.
Para aqueles dispostos a ver ou rever um pouco sobre o que acontecia há 41 anos atrás fica a dica do vídeo.

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(1)    Uma boa palestra que refuta quase todos os argumentos conspiracionistas pode ser encontrada aqui e um bom resumo escrito aqui. Escute também o áudio do programa Fronteiras da ciência da rádio da universidade da UFRGS.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

12 perguntas céticas sobre astrologia

[Texto publicado no Universo Racionalista]

Manuscrito zodíaco do século 14.


Uma das crenças mais arraigadas no imaginário popular diz respeito, na sua forma tradicional, a uma possível divinação baseada na posição de astros e movimentos de corpos celestes com relação ao momento do nascimento do indivíduo. O ramo da astrologia mais popular atualmente, pelo menos no ocidente, foi estabelecido pelos gregos que basicamente fundamentaram algo que já vinha sido desenvolvido pelos babilônios 450 anos antes de Cristo.
Em virtude da popular aceitação das 12 divisões ocidentais dos signos dos zodíacos, o presente texto pretende fazer um exercício cético através de 12 perguntas céticas sobre a astrologia. Não tem intenção de ser um texto definitivo, mas apenas uma iniciação para aqueles que ainda não têm opinião formada, e para os que têm vale a provocação saudável.
É fácil encontrar excelentes textos complementares (aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui), bem como vídeos e áudios (aqui e aqui) sobre o assunto na internet. Além disso, estudos experimentais já foram publicados em jornais científicos avaliados por pares com o objetivo de estudar a validade da hipótese astrológica, e nenhum desses mostrou resultado favorável para a validade da prática. Em síntese, vários desses estudos mostram que não há diferença significativa entre o acaso e as previsões astrológicas. Em outras palavras, se uma pessoa não astróloga tentar divinações ela provavelmente terá uma taxa de acerto não muito distinta daquela obtida pelo astrólogo. Alguns desses estudos são: estudo empírico da personalidade e fatores astrológicos, diferenças de personalidade entre gêmeos, demonstração da não eficácia da astrologia, estudos de meta-análise (uma técnica estatística desenvolvida para integrar os resultados de diversos estudos) sugerem que os astrólogos não são capazes de predizer com significância maior seus resultados do que se esperaria se alguém fizesse semelhantes predições ao acaso.
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1) Quais os astros influenciam na astrologia?
São os planetas do nosso sistema solar, provavelmente. Mas luas, asteroides e satélites artificiais também estão presentes na via láctea. Somente em nosso sistema há dois cinturões de asteroides relevantes que no somatório de suas massas poderiam ser equivalente a massas de planetas. Além disso, é curioso que outros astros não influenciem na vida das pessoas, como galáxias, quasares e buracos negros (Ainda é importante ressaltar que praticamente todas as estrelas visíveis ao olho nu são pertencentes a nossa galáxia. Estimativas apontam para mais 170 bilhões de galáxias no Universo observável. Há dois mil anos atrás não havia telescópios, e portanto o olho humano limitado não era capaz de considerar a existências de outros objetos estelares).
 2) O planeta Terra não influencia na astrologia?
Talvez o astro mais importante, e que provavelmente poderia ter grande influência, é o planeta Terra, e que aparentemente não e é considerado pela astrologia. Apesar de não estar projetada no céu está projetada no chão. Parece-me arbitrário dizer que só o que está projetado no céu tem influencia e as demais projeções não.
3) Gêmeos monozigóticos possuem características idênticas?
Gêmeos geneticamente idênticos possuem comportamentos distintos.
 4) Em que momento você nasceu?
É difícil definir o horário que o bebê nasce. É muito arbitrário: No corte do cordão umbilical; ou na hora que enfermeira anota depois de ver o relógio, que, talvez, possa não ser exatamente o horário de fato; ou ainda é horário em que a mãe do bebê decide ser a correta, e que por motivos de exaltação emocional do momento, não é necessariamente o horário correto ("horário correto" é outra coisa de difícil definição).
 5) A previsão astrológica só funciona depois do nascimento?
Então deve existir alguma espécie de mágica na placenta que impede a astrologia ser aplicada ao feto também.
 6) A astrologia tem relação com algum componente genético?
Macacos possuem um DNA muito semelhante a nossa espécie. Talvez exista uma astrologia do macaco também. Mas é curioso que a arrogância antropocêntrica não abra espaço para esses estudos. Pois qual motivo da astrologia funcionar para uma espécie e não para outra. Se existe a relação com os genes, vale ressaltar que bananas possuem um código genético mais extenso que o do ser humano. Seria legal poder ler diariamente o horóscopo das bananas. E isso é uma hipótese bem coerente, visto que há evidências que sugerem que metade do DNA dos humanos é semelhante ao das bananas.
7)  Mera coincidência?
Dado a quantidade imensa de corpos celestes no cosmos, é improvável não encontrar uma correlação entre um determinado objeto celeste e um evento específico (desastres, posse de reis que modificaram a história, ou até mesmo acontecimentos pessoais). Entretanto, correlação não é sinônimo de causa e consequência.
 8) Astrologia é científica?
Embora possa ser uma tarefa filosoficamente extensa definir o que é ciência é possível tomar alguns atalhos que não comprometem a visão global da prática científica atual. Esta se faz através de produção de conhecimento justificado e sistematizado. Existem jornais científicos nos quais os pesquisadores submetem suas pesquisas que serão avaliados por seus pares. A astrologia não produz conhecimento sistemático, e seu objeto de estudo, se existe de fato, é confuso e obscuro. O ônus da prova de mostrar a validade da astrologia cabe aos astrólogos, e se querem o status científico devem seguir o escrutínio da mesma maneira que outras áreas seguem. Ainda assim, vários experimentos já foram realizados na tentativa de mostrar a validade da astrologia. Até o momento não existem evidências que a que funcione. Portanto, há uma garantia justificada na alegação que a astrologia não é ciência. Por outro lado, algo não ser científico não significa que não pode ser válido em alguma outra aplicação ou que sua manifestação deve ser impedida.
 9) Qual o critério da sua astrologia ser mais provável que a minha astrologia?
Somente na astrologia Hindu há três segmentos (Siddhānta, Sahitā, Horā). Além desses, atualmente ainda existem versões chinesas, tibetanas, etc. Em resumo, basta abrir o programa "stellarium” (simulador do céu de qualquer local do mundo em qualquer época), que você poderá simular as diversas constelações de diversos povos além dos citados, como egípcios, polinésios, navajo, tupi-guarani...
Naturalmente que nenhuma dessas constelações são semelhantes a constelação dos zodíacos. Justamente porque são desenhos arbitrários e distintos em cada cultura.
 10)Em que você acredita?
Desde o século 16, com a manifestação do Papa Sixtus V, a igreja cristã  tem se posicionado contra a astrologia. Alguns pensadores, como Lutero, Calvino eAgostinho de Hipona condenaram a prática da astrologia. Uma visão determinista do mundo compromete o livre-arbítrio. Além disso, a vida das pessoas poderia não ser comandada por uma entidade divina, mas sim pelos astros. Sem entrar no mérito da crença religiosa, é curioso que algumas pessoas continuam mantendo crenças que, muitas vezes por falta de reflexão crítica, são contraditórias quando comparadas.
 11)  A astrologia é dependente das constelações?
A versão ocidental da "atual" astrologia data de mais de dois mil anos atrás. Desde então pouca coisa mudou. Naquela época o sol passava por 12 constelações. Atualmente, ele passa por 13 constelações. Na prática, há uma constelação extra pela qual o sol é projetado atualmente, chamada de Ophiuchus (ou Serpentário). Isso pode ser facilmente verificado no programa supracitado ("Stellerium"), no qual é possível simular as constelações por onde o sol é projetado atualmente bem como por qual passava há dois mil anos atrás.
12) Meu signo é mesmo o que dizem?
O mesmo motivo acima que faz o sol passar por uma 13° constelação é o que faz o sol não passar atualmente pela constelação que passava há dois mil anos atrás (devido ao movimento de precessão da Terra). Ou seja, naquela época eu realmente era de câncer, porém hoje, em Julho, o sol passa pela constelação de gêmeos, e no ano 10.000, no mesmo mês, o sol estará em Peixes. Em outras palavras, no passado eu era de câncer, no presente sou de gêmeos e no futuro serei de peixes.
Link para o download do “Stellarium”, aqui.