Publicado originalmente no blog Bule Voador
Estima-se algo em torno de 8,7 milhões
de espécies habitando atualmente o planeta. Também tem sido descobertas
cerca de 15.000 novas espécies novas a cada ano. Isso sem falar no total
de espécies já existentes em toda a história dos 4,5 bilhões de anos do
planeta, que deve beirar na faixa dos 5 bilhões. Lá fora, no cosmos, os
números são ainda mais impressionantes: Só na nossa galáxia, a via
láctea, estima-se existir 100 bilhões de planetas. Estimativas tímidas
sugerem algo em torno de 200 bilhões de galáxias no universo, que podem
conter alguns 17 bilhões de planetas semelhantes à Terra (sem mencionar
os outros bilhões de planetas não rochosos, do tipo Júpiter, que abundam
o Universo). Até onde sabemos, há apenas uma única espécie que
desenvolveu habilidade cognitiva de perscrutar criticamente o ambiente
em que vive. Em nosso planeta nós somos a única espécie capaz disso.
No meio dessa monstruosidade de números,
alguns — com arrogância ou medo da solidão cósmica –, alegam que há
alguma entidade responsável pela criação dos mundos e das espécies. Mais
estranho ainda, que esta entidade de alguma forma se preocupa com os
interesses humanos. O que não deixa de ser curioso é justamente a
correlação existente entre a espécie que desenvolveu raciocínio e um dos
seus sub-produtos culturais mais populares: A existência de Deuses. Uma
das dificuldades em sustentar essa crença é a tentativa de inserir
qualidades aos Deuses que são comportamentos e vontades flagrantemente
humanas. Quando alguém atribui consciência, preocupação moral,
inteligência, criatividade e poder de criação (especialmente criação de
seres à “imagem e semelhança” de Deus) está antropomorfizando e
antropocentrizando a suposta entidade. Não há nenhuma novidade nisso, já
que reflete coisas como o que Xenófanes já percebeu há mais de 2.000
anos: “Se os bois e os cavalos tivessem mãos e pudessem pintar e
produzir obras de arte similares às do homem, os cavalos pintariam os
deuses sob forma de cavalos e os bois pitariam os deuses sob forma de
bois.”
Este é um dos problemas: Dedicar
importância excessiva a atributos relacionados a uma espécie que
representa uma fração muitíssimo pequena de todo o universo não é a
melhor estratégia para mostrar plausibilidade de uma entidade teísta.
Como já dito, somos apenas uma espécie das 5 bilhões que já existiram em
um planeta num universo que pode existir outros 17 bilhões de planetas
parecidos. Disso se segue que as suposições antropomórficas e
antropocêntricas são, com elevada probabilidade, possivelmente falsas.
Em miúdos: Só há um tipo de inteligência que tivemos acesso até hoje, a
inteligência humana. Logo, há uma grande chance de que a criação de
deuses seja um produto dessa inteligência.
No que diz respeito a influência de Deus
no mundo, encontra-se no imaginário popular a ideia de que “ele sabe o
que faz”. Para ilustrar o quanto o senso comum muitas vezes só reproduz
crenças preguiçosas, tomemos o exemplo de um recente desastre natural.
No estado de São Paulo, o recente deslizamento já ceifou a vida de 16
pessoas, além de causar sofrimento humano e material em habitantes de
várias cidades. A pergunta é: Sabe Deus o que faz? Há algumas maneiras
de tentar explorar com mais claridade essa pergunta, como: Ele sabe por
que foi ele quem o fez? Ou apenas sabe e não faz nada para impedir? Ou
tenta fazer algo e não consegue? Ora, se ele causou o desastre, então
não é benevolente. No entanto, se ele não causou, mas apenas tem
conhecimento do ocorrido, então não fez nada para impedir. Logo, não é
onipotente. Se ele tentou evitar mas não conseguiu também não é
onipotente. Ou ele não sabe? Então não é onisciente. Então por qual
razão chamá-lo de Deus?
É possível articular algumas respostas
para as questões anteriores, muito embora nem sempre o teísta que apenas
repete ideias do senso comum as apresente. Uma delas é a que se segue.
Deus possui todos os atributos (como benevolência, onipotência,
onisciência, onipresença), mas abre mão conscientemente e
temporariamente de alguns deles para que, sob a ação do mal, os humanos
possam mostrar o melhor de si. Entretanto, isso ainda traria outros
problemas, já que não é óbvio que a existência do mal incremente a
existência do bem e não responde sobre a incompatibilidade dos
atributos.
Para muitos, a ideia de um Deus é uma
crença psicologicamente agradável. Apesar de toda a insistência e
ligação emocional com a hipótese da existência de Deuses, a
possibilidade dessa(s) entidade (s) não parece plausível. E uma vez
concluindo isso, e se é com a verdade que estamos comprometidos, não é
pelo fato de uma crença ser emocionalmente confortante que ela deve ser
mantida.
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