sábado, 18 de janeiro de 2014

Acreditando em coisas estranhas: os moais da ilha da Páscoa e o mito do uso de somente 10% do cérebro

[Texto publicado no blog da Liga Humanista Secular do Brasil - Bule Voador]


A mente humana é pródiga em dar adesão a alegações extraordinárias. Não raro uma crença popular, geralmente desprovida de justificação, serve como premissa ou sustentação de outra crença e/ou mito. Dois exemplos ilustram esse comportamento humano: as hipóteses fantásticas sobre o movimento e criação dos moais da ilha da Páscoa e a crença no mito do uso dos 10% do cérebro. Curiosamente não aparecem sempre como mitos isolados, pois muitas vezes são alegadamente complementares.
Moais. Fonte: Wikipedia.
No caso da ilha da Páscoa, a criação e movimentação dos moais suscitam diversas fantasias. O pacote de explicação inclui teses bizarras do tipo que as estátuas criaram vidas e começaram a se locomover (essa faz parte da própria tradição local)  e outras igualmente improváveis como a ajuda de extraterrestres. Sobre essa última, é reconhecido o papel de disseminação dessas ideias pelo do escritor Erich von Däniken. Ele e seus apoiadores adoram falar sobre “teorias”, mas caso estivessem comprometidos com um escrutínio sério reconheceriam que suas ideias são no máximo propostas especulativas (quando não são devaneios ou até mesmo mentiras).
Há mais de  seis décadas que a ilha da Páscoa tem sido seriamente estudada por antropólogos, historiadores e arqueólogos. Não é o intuito desse texto demonstrar os equívocos dos proponentes das ideias pouco prováveis envolvendo a ilha. De qualquer forma, parece que a sobrevivência desses mitos ocorrem em virtude da falta de informação. Por exemplo, na década de 90 um grupo de pesquisadores e cerca de 75 voluntários conseguiram erguer e transportar uma réplica de um moai de 10 toneladas fazendo uso apenas de material disponível na ilha (veja uma breve narração aqui, e a página da empreitada aqui). Mais interessante ainda é o fato de que outras expedições já haviam realizado experimentos locais similares. É o caso do famoso explorador Thor Heyerdahl, que em meados da década de 50 realizou uma expedição à ilha da Páscoa e parte de suas simulações das estátuas pode ser verificada em vídeos na web (Veja aqui, próximo aos 35 min.). Interessante notar que o explorador lançou o livro com seus relatos chamado “Aku-Aku: the Secret of Easter Island” uma década antes do famoso livro do Däniken “Eram os deuses astronautas?”. Talvez esse acontecimento exemplificaria alguma tendência de superestimar o extraordinário em detrimento da análise criteriosa.
 Outro mito popular diz respeito à capacidade do uso do cérebro para além dos 10% que os seres normais são capazes (em algumas teses alternativas a alegação é de usamos apenas um quarto do cérebro, o que revela ainda mais confusão e falta de consenso entre os propagadores de mito).
Em um estudo realizado pela neurocientista Suzana Herculano foi mostrado que no Brasil 59% das pessoas com graduação que foram entrevistadas acreditavam no mito. No livro “Os 50 maiores mitos populares da psicologia - Derrubando famosos equívocos sobre o comportamento humano”, os autores argumentam várias razões pelas quais o o uso de apenas 10% do cérebro é uma mentira. Conforme já discutido em outros textos, o livro também ressalta que o cérebro humano tem sido moldado pela seleção natural. Além disso, ele consome 20% do oxigênio respirado e representa meramente 2% do peso do corpo. Assim, além de ser um desperdício evolutivo usar apenas 10%, caso o mito fosse verdade (o que implica aceitar que 90% do cérebro seria desnecessário), haveria grande vantagem evolutiva em seres humanos com cérebros menores e mais eficientes, resultando que o caminho evolutivo mais natural fosse de eliminar indivíduos com cérebros ineficientes. Não apenas razões evolutivas confrontam o mito, mas também razões celulares e metabólicas, eletrofisiológicas, entre outras.
A movimentação dos moais na ilha da Páscoa é um tema tão fascinante para alguns que explicações mundanas parecem não ser suficientes. Daí que essa inquietação pode ser fonte de alegações extraordinárias na tentativa de explicar que as gigantescas pedras puderam ser movimentadas em virtude de seres humanos capazes de utilizar mais do que apenas os 10% do cérebro que a maioria dos mortais é capaz (algumas vezes nomeado de mana). É uma tese sedutora: se ralmente usamos apenas 10% de nossas capacidades cerebrais, então imagine o que não poderíamos ser capazes se – com um esforço e dedicação – pudéssemos trabalhar o restante que não é utilizado.
Apesar da sedução que essas histórias extraordinárias possam causar nenhuma delas é verdade. Nada mais é do que a criação de um mito em cima de outro mito.  A movimentação dos moais não exigiu nem tecnologia extraterrestre tampouco alguma capacidade extra-cerebral-humana; a história dos 10% do cérebro só convence aqueles que ainda não se tiverem vontade ou oportunidade de investigar a invericidade de uma alegação desse tipo.
Mas por que o cérebro humano é tendencioso a acreditar em coisas extraordinárias? Rascunhando um pouco uma possível resposta podemos encontrar sugestões na leitura de livros do psicólogo Michael Shermer. No livro “Por que as pessoas acreditam em coisas estranhas”, Shermer nos lembra que humanos são animais que procuram por padrões. Tentamos identificar significado ao que é complexo, além de muitas vezes desejarmos respostas rápidas às perguntas; e não raro a crença no extraordinário antecede a racionalização. Nesse sentido, o psicólogo sugere dois tipos de erros de pensamentos, a saber: Erro do tipo 1 - acreditar em algo errado, ou seja, sem evidência nenhuma (falso positivo); e erro do tipo 2 - rejeitar algo verdadeiro (a negação de um fato científico). Vale salientar que a questão não é que essas pessoas são pouco inteligentes, mas muito provavelmente o erro do tipo 1 ocorre mais em função da desinformação do que pela ignorância.
Acreditar em coisas com pouca ou nenhuma evidência parece ser o caso de pessoas dispostas a dar adesão à alegações com pouco teor de credibilidade, como o caso das ideias fantásticas sobre os moais e uso de somente 10% do cérebro.

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