Ao abrir a página do CNPq desta semana, é
possível encontrar um anúncio desconfortável. Uma chamada em parceria
com a ANVISA visando apoiar financeiramente projetos que incluem estudos
envolvendo homeopatia. E isso não é a primeira vez que acontece.
O Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico, CNPq, é uma agência do Ministério da Ciência, e
desde a década de 50 tem como principais atribuições fomentar a
pesquisa científica e tecnológica e incentivar a formação de
pesquisadores brasileiros. Na página da agência é possível encontrar o
que norteia a instituição: “Fomentar a Ciência, Tecnologia e Inovação e
atuar na formulação de suas políticas, contribuindo para o avanço das
fronteiras do conhecimento, o desenvolvimento sustentável e a soberania
nacional.” A missão da agência é cristalina. Contudo, algumas vezes seu
financiamento científico é obscurantista.
O CNPq é um órgão ligado ao Ministério
da Ciência, Tecnologia e Inovação. Trocando em miúdos, o investimento em
ciência e tecnologia da instituição é adquirido através de dinheiro
público. Sendo assim, há pelo menos duas responsabilidades que a
instituição deve prezar — uma científica e outra moral.
Na literatura científica é possível encontrar pelo menos 5 meta-análises
(estudos sobre estudos científicos) indicando unanimemente que a
homeopatia não difere do placebo. Se a homeopatia quer ser aceita como
medicina ela tem que se mostrar eficaz, e ser submetida ao escrutínio
científico é uma condição necessária para alcançar esse objetivo.
Medicina é uma só: Se alguém faz alguma alegação extraordinária sobre um
fenômeno médico, deve estar submetido ao mesmo rigor crítico que
qualquer pesquisador no mundo faz sobre determinado evento. O resumo é:
Um preparado homeopático não difere em nada de pílulas de farinha. Tendo
em posse essas informações – qualquer pessoa pode ter acesso
gratuitamente aos artigos científicos nas Universidades públicas do país
–, chega ser irônico o uso de parte do recurso público (que fornece
subsídio à informação e senso crítico ao indivíduo) parcialmente
dividido para financiar projetos em uma linha de pesquisa cuja conclusão
já foi satisfatoriamente demonstrada como ineficaz. Então é aqui que
fica o questionamento moral: É correto que um órgão governamental
continue promovendo recursos humanos e financeiros a uma prática
contraditória aos princípios básicos de química, física e biologia, e
que ainda vai de encontro aos melhores resultados científicos
disponíveis? Embora de natureza um pouco distinta, é esperado que
pessoas repudiem uma fraude científica. Por qual razão deixaria de ser
uma discussão igualmente ética um órgão de fomento de pesquisa endossar
uma prática ausente de respaldo na comunidade científica?
Alguém poderia refutar: Só teremos condições de concluir sobre a eficácia após dedicar recursos em pesquisas. Não está errado quem alega isso, não fosse pelo fato de que a homeopatia já foi profundamente investigada (sobretudo a nível clínico — pois já foi concebido que poderia haver algum fenômeno básico ainda desconhecido a nível molecular). Nesse sentido, seria algo ao equivalente a defender recursos a uma pesquisa que quisesse novamente descobrir a roda. Além disso, a chamada de apoio financeiro ao projeto não menciona a investigação de eficácia. Ao que tudo indica já se considera a prática eficaz. Segundo o texto publicado na chamada, um dos objetivos é o “estudo para desenvolvimento de monografias de insumos ativos para uso homeopático”. Uma chamada de pesquisa deste tipo não parece fazer sentido se alguém entende que a prática não tem eficácia.
O apoio do CNPq favorável à homeopatia
contradiz o processo rigoroso de revisão por pares ao qual a prática já
foi submetida. Não parece ser uma atitude virtuosa especialmente de uma
agência de fomento que deveria reconhecer o estado da arte daquilo que
está sendo financiado.
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Nota de esclarecimento: O autor não se opõe ao direito dos homeopatas de fazer e vender seus preparados (como já foi defendido aqui).
Seria falacioso que, mesmo reconhecendo a não eficácia da prática,
disso se seguisse proibição de venda e consumo — sobretudo se este
comércio é exercido na esfera privada e com pleno consentimento dos
envolvidos.
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