sábado, 20 de julho de 2013

Sonda Curiosity - recentes resultados publicados na Science

[Texto publicado no Universo Racionalista]

  
Entrando no clima

(Pouso da Curiosity em Marte)
                OResearchBlogging.org laboratório científico de Marte (MSL - Mars Science Laboratory), acoplado na sonda Curiosity, foi lançado no final de 2011. A empreitada faz parte de um grande projeto vinculado ao programa de astrobiologia da NASA. O rover encontrou o solo do planeta vermelho em Agosto de 2012, em uma extraordinária missão executada com total sucesso durante o pouso. A sonda contém um fantástico e intrincado conjunto de equipamentos capazes de realizar estudos do solo e atmosfera do planeta, entre eles o espectrômetro de laser ajustável (ELA) e o espectrômetro de massas quadrupolar (EMQ). Embora seus nomes são um pouco  estranhos aos que não lidam com caracterização química, o objetivo, pelo menos nessa missão em Marte é simples: caracterizar a composição atmosférica atual de Marte. Nesse sentido, dois artigos complementares (Webster e colaboradores; Mahaffy e colaboradores) foram publicados recentemente na prestigiosa revista Science.
            A análise baseou-se na coleta de vários pontos experimentais durante 105 sóis marcianos (1 sol é equivalente a um dia de Marte) na cratera Gale. Segundo os dados recentes, a composição volumétrica de gases em marte é predominantemente de dióxido de carbono (CO2), atingindo 96%. O restante é basicamente argônio (1,93%) e nitrogênio (1,89 %); o oxigênio está presente em menos de 0,15% da composição atmosférica.

Revisitando o passado

       
(Curiosity)
    
A determinação dos gases constituintes em Marte não é inédita. Há mais de três décadas, a sonda Viking já tinha realizado a detecção de CO2, N2, Ar, CO e O2. A Mars Express, um orbitador espacial (portanto sem pousar na superfície), também havia mensurado a atmosfera do planeta entre os anos 03 e 05. Mais recentemente, o satélite espacial Herschel, há pouco desativado, também estudou a atmosfera marciana. Análises de gases também foram investigadas pela Mars Odyssey e a Phoenix. Qual a novidade, então, das análises resultantes da Curiosity? Basicamente, muitas medidas de composição anteriores analisavam apenas um único ou a um pequeno número de gases. Com a utilização do MSL, entretanto, é capaz de realizar medições múltiplas e com elevada precisão.
           
(Herschel)
Como valor epistêmico, os resultados da Curiosity confirmam o que os demais estudos têm mostrado, ou seja, a abundância dos quarto gases principais, sendo que o CO2 é majoritário. Os recentes resultados da Curiosity são consistentes com os dados do satélite  Herschel; o que é um fato notável pois enquanto uma análise foi realizada no solo marciano (Curiosity), a outra foi mensurada bem distante da superfície (Herschel). Talvez a diferença mais significativa entre as duas abordagens está relacionado com a determinação de misturas de CO. Isso ocorre porque pode ocorrer efeitos sazonais, bem como efeitos de superfície que podem afetar as análises no detector no MSL (o CO possivelmente pode adsorver na superfície do detector durante as noites frias, período no qual foram realizados os testes). Em conjunto, as evidências têm apontado que, ao contrário do CO, aparentemente não há variação sazonal do oxigênio na atmosfera marciana.

Perdendo atmosfera

          
(Cavidade gerada após o serviço de um dos braços robóticos da Curiosity)
 
Vários outros resultados interessantes foram publicados, mas, em tentativa de priorizar, vale destacar a relevante informação trazida pela razão isotópica(*) entre os átomos de argônio. O valor da razão 40Ar/36Ar encontrado pela Curiosity foi de 1900±300. Esse valor é conflitante com aquele encontrado pela Viking há três décadas atrás, de 3000±400.Embora destoantes, o valor dessa razão consideravelmente mais elevada do que a razão encontrada aqui na Terra, de 296. O aumento do isótopo 40Ar em Marte tem sido interpretada como uma evidência de uma significativa perda da atmosfera marciana no seu passado primordial. Trabalhos independentes têm mostrado que o enriquecimento do 40Ar sobre o 36Ar é consistente com a hipótese da perda de atmosfera em Marte.
            A hipótese da perda de atmosfera também tem sido confirmada através da observação que uma quantidade significativa de carbono tem sido ejetada da atmosfera ao longo do tempo, resultando em uma perda preferencial do isótopo de carbono mais leve (13C).

Sonhos molhados

            A razão isotópica entre dois isótopos do hidrogênio, nesse caso o prótio e o deutério (P/D), permite aos cientistas inferirem sobre a origem e história planetária. A razão disso está baseada na diferença de estados energéticos do estado fundamental da água deuterada e da água construída apenas de prótio. Estudos realizados através de análises dos meteoritos marcianos ALH84001 (datado de aproximadamente 4 bilhões de anos - existe um debate polêmico deveras interessante que é obrigatório para @s astro-simpatizantes conhecerem: aqui, aqui e aqui) e o Shergotty (datado de um período aproximadamente 25 vezes mais tarde que o ALH84001, ou seja, de uma época mais recente) mostraram valores de P/D equivalente a 3000 para o primeiro e 4600 para o segundo. Esse resultado tem sido interpretado como uma evidência de dois estágios de perda de água para o espaço ao longo do tempo no planeta vermelho. Antes do pouso da Curiosity, não haviam sido realizados experimentos in situ no sentido de calcular as espécies isotópicas presentes na água. Nesse sentido, um dos grandes méritos da sonda curiosity é sua capacidade de inferir os isótopos de oxigênio no CO2 e H2O, e, dessa forma, fornecer pistas das complexas interações entre os reservatórios de O na hidrosfera, litosfera e atmosfera de Marte.
            Os resultados recentes obtidos pela Curiosity, sobretudo a partir dos valores da relação entre os isótopos de hidrogênio e a presença do 18O, confirmam a hipótese de que reservatórios de CO2 e H2O foram amplamente distribuídos aproximadamente 4 bilhões de anos atrás, mas a perda de atmosfera ainda pode estar acontecendo. Ainda segundo os autores:
"Nós observamos grandes enriquecimentos do isótopo pesado de Oxigênio (18O) no vapor de água atmosférica e no CO2. Os valores de 18O observados no vapor de água são muito maiores do que aqueles observados em carbonatos e sulfatos dos meteoritos marcianos, o que sugere que o oxigênio presente no vapor de água não está em equilíbrio com a crosta, a qual poderia ter sido enriquecida em isótopos pesados através da perda da atmosférica. Outra possibilidade é de que estes isótopos pesados de 18O (aferidos no CO2) têm sido transferidos para o vapor de água através de reações fotoquímicas na atmosfera. No entanto, os valores de 18O no CO2 na atmosfera Terrestre são igualmente levados devido  a baixa temperatura de equilíbrio entre o CO2, e este processo pode também estar acontecendo em Marte."
Outra possibilidade que poderia impactar nos valores da composição isotópica são as eventuais emissões de gases vulcânicos e o intemperismo ao longo do passado de Marte. Entretanto, as estimativas realizadas não são consensuais, embora esses dois fenômenos possam ter afetado significativamente a evolução química de Marte.

Depois da chuva

(MAVEN)
Em síntese, as evidências sugerem que Marte possuía uma atmosfera mais espessa que atualmente. Décadas de pesquisa apontam para uma provável existência de água na superfície do planeta no seu passado remoto. O enriquecimento de isótopos pesados é consistente com a hipótese da perda de atmosfera, e provavelmente o esgotamento dos recursos aquáticos de sua superfície. A missão da Curiosity não compreende o cálculo da taxa de escape de gases da atmosfera. Essa tarefa está planejada para a próxima missão a Marte, a chamada MAVEN (Mars Atmosphere and Volatile Evolution Mission), programada para Novembro de 2013. Como o nome sugere, a missão está sendo planejada para estudar o ritmo da perda da atmosfera marciana. Dessa forma, será possível iluminar ainda mais o conhecimento do passado e presente do planeta vermelho.

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Referências
Chris R. Webster et al. (2013). Isotope Ratios of H, C, and O in CO2 and H2O of the Martian atmosphere Science DOI: 10.1126/science.1237961
Mahaffy et al. (2013). Abundance and Isotopic Composition of Gases in the Martian Atmosphere from the Curiosity Rover Science DOI: 10.1126/science.1237966

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(*)   Isótopos são variantes de um elemento químico qualquer. O que diferencia um isótopo de outro é o número de nêutrons (localizado no núcleo do átomo). Por exemplo, o hidrogênio possui três isótopos: prótio, detério e trítio. Em todos eles o número de prótons (também localizado no núcleo do átomo) é o mesmo, enquanto que o prótio não possui nêutrons e o trítio possui dois nêutrons. Em alguns casos especiais são feitas atribuições nominais, como no caso do átomo de hidrogênio – ilustrado na figura abaixo.

                                          (Isótopos do átomo de hidrogênio. Fonte: Wikipedia)

O mesmo raciocínio vale para qualquer outro átomo. Uma vez que o nêutron está localizado no núcleo, quando esse número cresce em um átomo seu peso atômico também cresce.

Portanto, no caso da razão 40Ar/36Ar, a diferença é que o Argônio 40 tem 4 nêutrons a mais do que o Argônio 36; assim,  diz-se que o primeiro é mais pesado que o segundo. Essa é a mesma razão do termo “água pesada”, que, na verdade, é constituída por deutério. Sua fórmula molecular é igualmente H2O, diferenciando-se pelo fato que é composto por deutério ao invés do prótio. Alguns isótopos de átomos são radioativos, como no caso de césio 137.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Lógica e argumentação

 [Texto publicado no blog da Liga Humanista Secular do Brasil - Bule Voador]

 Parece ser intenção inerente aos seres humanos a adesão ao que é verdadeiro e rejeição do que é falso. Essa alegação encontra suporte desde a filosofia grega: Aristóteles (384 – 322 A.C.), em seu livro Metafísica, já sublinhava o desejo de conhecer como algo natural de todos os homens. Em uma das versões clássicas, e provavelmente a mais aceita, sobre o conceito de conhecimento, Platão o definia como crença verdadeira e justificada. Além disso, não apenas a crença verdadeira é vista como uma busca pertinaz; igualmente o compartilhamento e o convencimento dos outros parece ser algo notável no comportamento humano. Não obstante,por motivos diversos, o uso do procedimento argumentativo pode ser um recurso valioso no exame daquilo que se tem como verdadeiro. Nesse sentido, uma possível maneira de definir o objetivo da lógica é estudar e sistematizar a validade ou invalidade da argumentação, além de proporcionar o estudo da inferência.
O estudo da lógica não se faz necessariamente apenas na filosofia, e mesmo quando se tratando dessa há vários tipos de lógicas dos quais os filósofos têm se dedicado ao longo dos séculos. Uma divisão aceitável é separar os argumentos entre dedutivos e não dedutivos [1]. No caso dos últimos, podem estar inclusas as generalizações e previsões, também chamadas de induções. Grosso modo, os argumentos dessa classe são caracterizados basicamente como intensidade que suportarem as conclusões a partir de premissas como prováveis, ou provavelmente verdadeiras. Vejamos o clássico exemplo de John Vickers:

Todos os cisnes vistos até hoje são brancos. (1)
Portanto, todos os cisnes são brancos. (2)

A conclusão (2) é claramente uma generalização da premissa (1). Vale destacar que nesse caso temos um problema em definir quantas observações são necessárias para concluir (2). Historicamente, o problema da indução foi muito debatido na filosofia da ciência. À parte disso, fica evidente uma construção típica que é comum com os argumentos dedutivos. Trata-se da existência de sentenças ou asserções (no exemplo acima são duas) que, por sua vez, podem ser dividida em premissas e conclusões. Entretanto, a maneira como essas partes se relacionam são distintas nos dois tipos de argumentos (dedutivo ou não dedutivo). Nesse momento focaremos algumas características dos argumentos dedutivos, muito embora nem todas sejam necessariamente exclusivas de um tipo ou de outro.
Costuma-se nomear de proposição a(s) sentença(s) que descrevem o conteúdo de uma asserção. Embora a natureza desses termos ainda seja campo de controvérsia entre filósofos, tem sido aceitas algumas características gerais que são atribuíveis as proposições. Nesse sentido, as proposições podem ou ser verdadeiras ou ser falsas. Depois de considerado esses aspectos gerais, torna-se oportuno definir argumento dedutivo como aquele no qual a conclusão decorre necessariamente das premissas [1,2].
De maneira geral, os argumentos podem ser estruturados de várias formas. Podem conter uma premissa e apenas uma conclusão; duas premissas e apenas uma conclusão; uma premissa e duas conclusões distintas; uma premissa e uma conclusão, sendo que essa última é a premissa de outra conclusão, etc. No que tange ao reconhecimento de argumento dedutivamente válidos, apenas uma relação entre premissas e conclusões não é aceita: aquela na qual todas as premissas são verdadeiras mas a conclusão é falsa. Todas as demais combinações entre premissas e conclusões são compatíveis com o fato do argumento preservar necessariamente a verdade. Tomemos o exemplo seguinte:

O mundo exterior existe. (1)
O mundo exterior não existe (2)
Logo, Deus existe. (3)

No argumento acima, não é possível atribuir a verdade simultaneamente às duas premissas. Justamente por isso, segue-se que não poderá as premissas serem verdadeiras (1 e 2) e a conclusão falsa (3). Essa observação inclui uma das possibilidades entre premissas e conclusão de tal forma que torna o argumento válido. Outro clássico exemplo de argumento dedutivamente válido é o que segue:
 Todos os humanos são mortais.

Sócrates é humano.
Logo, Sócrates é mortal.

 Nesse exemplo, as duas premissas são verdadeiras. Mas não há necessidade elas sejam verdadeiras. É possível que todas ou apenas uma das premissas seja falsa e ainda assim o argumento possa ser dedutivamente válido, como no exemplo que segue:

 Todos os misóginos são ingleses. (1)
Alguns misóginos se casam. (2)
Logo, alguns ingleses são casados. (3)

No argumento acima as premissas acarretam necessariamente a conclusão (3), muito embora a premissa (1) seja falsa. Portanto, é necessário ressaltar que a condição de validade nos argumentos dedutivos faz alusão apenas a uma relação entre os possíveis valores de verdade das asserções. Nesse sentido, um típico exemplo de argumento dedutivamente inválido é:

Todos os mamíferos possuem asas. (1)
Todas as baleias têm asas. (2)
Portanto, todas as baleias são mamíferos. (3)

 A conclusão (3) é verdadeira, enquanto que as premissas (1, 2) são falsas. Mesmo se as baleias e os mamíferos realmente tivessem asas, ainda assim seria possível existir criaturas com asas além dos mamíferos; sendo assim, supondo que todos os mamíferos possuem asas isso não implica que tudo que tivesse asa seria mamífero. Portanto, o que viola a conservação de verdade é que as duas premissas poderiam ser ambas verdadeiras e a conclusão falsa. Em outras palavras, o que determina a invalidade não é a falsidade das premissas, mas sim o fato que a conclusão não decorre necessariamente das mesmas.
Embora os argumentos dedutivos sejam de grande mérito para a busca individual e compartilhada de crenças, é um recurso no qual estão contidas algumas questões mais profundas, do tipo: O que são asserções? Seriam elas entidades linguísticas ou mentais? O que é a forma lógica e como determiná-las em argumento? Em um contexto mais amplo, afirmar que a única forma legítima de argumentação é aquela na qual a conclusão decorre necessariamente das premissas seria uma presunção na qual a lógica dedutiva não é capaz de garantir.
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Referências
[1] Copi, Irving M; Cohen, Carl. Introduction to Logic. Macmillan Publishing Company, 1990.
[2] Murcho, D. O Lugar da Lógica na Filosofia. Lisboa: Plátano Edições Técnicas, 2003
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sexta-feira, 24 de maio de 2013

A maconha é realmente tão ruim?

[Texto publicado no blog da Liga Humanista Secular do Brasil - Bule Voador]

A Marijuana é uma droga polêmica. É demonizada por alguns como porta de entrada a outras drogas, e, por outro lado, também é celebrizada por sua promessa em aplicações médicas. Enquanto o júri não se decide por nenhum dos lados da moeda, uma coisa é certa: o uso dessa droga está em ascensão. De acordo com o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, o número de pessoas que, nesse país, admitem ter experimentado maconha no último mês subiu de 14,4 milhões em 2007 para mais de 18 milhões em 2011.
Esse aumento pode ser devido, em parte, à falta de evidências fortes que suportem os riscos  que se suspeita serem causados pela Cannabis.  De fato, de maneira similar ao fumo do tabaco, embora a fumaça da marijuana contenha substâncias cancerígenas e alcatrão, inexistem dados conclusivos que possam ligar a maconha a danos nos pulmões. Um recente estudo de longo prazo, que, aparentemente, parecia ligar conclusivamente o uso crônico da maconha na adolescência com o baixo Q.I. de consumidores neozelandenses, foi rapidamente contestado por uma contra-análise que apontava razões de status socioeconômicos como um fator de  confusão. De acordo com o levantamento do Centro de Controle e Prevenção de Doenças, o uso da Cannabis entre os adolescentes têm aumentado na proporção em que os baixos riscos da marijuana têm sido percebidos; e os pesquisadores – e sem dúvida os pais também -, estão ansiosos para que se chegue mais ao fundo a questão.

Respire Fundo

Em 2012, um estudo realizado na Universidade da California, San Franciso (UCSF) calculou que fumando apenas um baseado a cada dia por 20 anos a maconha pode ser benigna, embora a maioria dos participantes fumasse dois ou três e baseados por mês. O epidemiologista Mark Pletcher, quem liderou o estudo, alegou: “Eu fiquei surpreso que não vimos efeitos (do uso da maconha)”.
Uma avaliação de vários estudos epidemiológicos aponta para um tamanho de amostra pequeno e estudos pobremente projetados como as razões para os cientistas serem incapazes de se comprometerem com a alegação da ligação entre a Cannabis e o risco de câncer. Por exemplo, um estudo de 2008 sugeriu que fumar marijuana poderia reduzir o risco associado ao câncer de pulmão derivado do tabaco, demonstrando que consumidores tanto da marijuana quanto tabaco têm um risco menor de câncer do que aqueles que fumam somente tabaco (embora o risco seja maior do que para os não fumantes). Entretanto, Pletcher não é otimista sobre os efeitos da maconha sobre os pulmões, e desconfia que ainda possa haver danos ao pulmão por efeitos de longo prazo que podem ser difíceis de detectar. “Nós realmente não podemos tranquilizar-nos acera do uso intenso”, explicou o cientista.


Seu cérebro sob efeito de drogas

Existem algumas evidências sugerindo que pessoas intoxicadas assumem mais rscos e apresentam comprometimento na tomada de decisão, bem como resultados piores em tarefas dependente da memória - e deficiências residuais (após consumo) têm sido detectadas dias ou mesmo após semanas após o uso. Alguns estudos também relacionam o consumo regular da marijuana com déficits de memória, aprendizado e concentração. Um recente estudo amplamente discutido sobre o Q.I. de neozelandenses  acompanhou consumidores da Canabbis, desde o nascimento,  e mostrou que os usuários consumidores a partir da adolescência tiveram valores mais baixos de Q.I. que os não usuários. Nesse estudo, conduzido por pesquisadores da Universidade de Duke, “você pode ver claramente que como consequência do uso da maconha, o Q.I. diminui”, disse Dekir Hermann, um neurologista clínico do Instituto Central de Saúde Mental na Alemanha, e que não esteve envolvido diretamente na pesquisa.
Entretanto, não menos que 4 meses depois, uma re-análise e simulação computacional  realizada  pelo Centro Ragnar Fisch de Pesquisa Enocômica em Oslo contrariou os dados  divulgados pela Universidade de Duke. Ole Rosberg sustentou que fatores socioeconômicos - e não o uso da marijuana -, contribuíram para os baixos Q.I. observados em usuários da maconha.
No entanto, a conclusão de Rogerberg pode ser contrariada por uma literatura considerável que suporta a ligação entre o uso da maconha e o declínio neurofisiológico. Estudos em seres humanos e animais sugerem que indivíduos que adquirem o hábito de consumir marijuana na adolescência enfrentam impactos negativos no funcionamento do cérebro, e alguns usuários encontram dificuldades para se concentrar e aprender novas tarefas.
Embora a maioria dos estudos sobre esse assunto sugere haver consequências negativas do consumo enquanto adolescente, os usuários consumidores a partir da idade adulta geralmente não são afetados. Segundo explica Hermann, isso pode ser devido a uma reorganização dirigida pels endocanabinóides presentes no cérebro durante a puberdade. A ingestão de canabinóides que se adquire com o uso da maconha pode causar um “um deturpamento do crescimento neural irreversível” disse ele.
Além das consequências na inteligência, muitos estudos sugerem que fumar marijuana aumenta o risco de esquizofrenia, e pode ter efeitos similares no encéfalo. O grupo de Hermann usou a técnica de imageamento por ressonância magnética para detectar danos associados ao consumo da cannabis na região pré-frontal do encéfalo e encontraram modificações similares àquelas vistas em pacientes com esquizofrenia. Outros estudos sugerem ainda que os esquizofrênicos consumidores da erva têm maiores mudanças no encéfalo associadas à doenças e um desempenho pior em testes cognitivos do que aqueles não fumantes.

Porém muito dessa pesquisa não é capaz de distinguir entre mudanças no encéfalo causadas pelo uso da marijuana e sintomas associados com a doença. É possível que os esquizofrênicos consumidores da maconha “possam apresentar sintomas desagradáveis (que precedem o quadro clínico da doença) e estejam automedicando-se” ao fazerem uso do efeito psicotrópico da droga, disse Roland Lamarine, professor de saúde comunitária da California State University. Ainda segundo ele, “nós não vimos uma elevação no número de esquizofrênicos, mesmo com o aumento de usuários da maconha”.
Outras pesquisas sugerem que o consumo da Cannabis entre os esquizofrênicos fez com que eles obtivessem melhores pontuações em testes cognitivos do que os esquizofrênicos não consumidores da droga. Esses relatos conflitantes podem ter ocorrido em virtude de diferentes concentrações – e diferentes efeitos -, dos canabinóides presentes na maconha. Além do tetrahidrocanabinol (THC), um canabinóide neurotóxico responsável pelas propriedades de alteração de estados mentais, a maconha também apresenta uma variedade de outros canabinóides não psicoativos, incluindo o canabidiol (CBD), o qual pode proteger contra a lesão neuronal. Hermann descobriu que o volume do hipocampo - a região do encéfalo importante para o processamento de memória - é um pouco menor em usuários de maconha do que em não usuários, porém o consumo da maconha com maior quantia de CBD balanceava esse efeito. 

Um coquetel mortal?
Embora os dados que suportem os efeitos nocivos da marijuana sejam fracos, alguns pesquisadores estão mais preocupados com a droga em conjunto com outras substâncias, como o tabaco, o álcool e a cocaína. Alguns estudos sugerem, por exemplo, que a maconha pode aumentar o desejo por outras drogas, levando, dessa forma, a má fama de droga como “porta e entrada”.  Um estudo publicado no início do mês de Janeiro apoiou essa hipótese ao mostrar que, pelo menos em ratos, a exposição ao THC aumenta os efeitos viciantes do tabaco. Além disso, a marijuana pode não ser compatível com outras drogas de prescrição médica, pois pode induzir o fígado a metabolizar medicamentos de forma mais lenta; portanto, aumentando o risco de toxicidade.
Apesar dessas preocupações, Lamarine sustenta - em virtude da quantidade de pesquisa focado nesse assunto -, ser pouco provável as consequências do uso maconha serem calamitosas. Arremata dizendo: “Nós não vamos acordar amanhã e nos depararmos com a grande descoberta que a maconha causa grandes danos ao encéfalo. Se assim fosse, já teríamos visto isso a essa altura”.

Autor: S
Tradução: Cicero Escobar

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Filosofia da ciência nas ciências

[Uma versão mais ampla do texto foi publicada no blog da Liga Humanista Secular do Brasil - Bule Voador]
Thomas Kuhn, filósofo da ciência formado em física pela Universidade de Harvard.
Dentre suas obras destaca-se "A revolução copernicana" e "Estrutura das Revoluções Científicas".
                Não raro encontra-se certo desprezo de cientistas, ou futuros cientistas, pela filosofia. "Filosofia não serve para nada", dizem alguns.
                Uma postura dessas revela vários desconhecimentos sobre o que é e para que serve filosofia. Nesse momento pretendo restringir-me somente a filosofia da ciência. A indiferença, ou no pior nos casos o desprezo, denuncia pelo menos dois aspectos: um desconhecimento histórico de como a ciência evoluiu e uma pretensão que não cabe aos cientistas.  
                Com relação a primeira, é curioso destacar que no passado o que hoje chamamos formalmente de ciências era nomeado de Filosofia Natural. Não por acaso, portanto, que o termo PhD - que se mantém até hoje -, significa, no Latim Philosophiae Doctor (Doutor em Filosofia). Costumo dizer que é um parricídio intelectual negar a colaboração histórica da filosofia para com a ciência; é assassinar os próprios pais. Para alguns, é não reconhecer a legitimidade de seus progenitores: um ato de atear fogo em sua própria casa. Já ao segundo equivale a uma postura endeusada da ciência que muitos tomam em um discurso totalmente acrítico. Se fossem capazes de reconhecer a importância da filosofia da ciência evitariam equívocos cientificistas (1); esses que são responsáveis por alegações pretensiosas de negarem a legitimidade de outras investigações não-científicas (como a literatura, a poesia e a arte em geral - ou ainda a ética, uma outra área da filosofia). Ou pior, são pessoas que podem se espelhar(*)em Stephen Hawkings que, embora um excepcional cientista, chegou a dizer que a filosofia estava morta (2). Hawkings, talvez, não está atualizado, ou despreza completamente autores como Steven Pinker, Daniel Dannett, Sam Harris e Michael Shermer.  Além desses, precisa, urgentemente, ler Susan Haack.
                Como pode ser destacado dos textos da filósofa supracitada e de outros, como Thomas Kuhn, os cientistas muitas vezes não precisam e nem possuem tempo para alocar a uma atividade filosófica. Assim, não estou sugerindo a obrigatoriedade de leituras filosóficas nos cursos científicos. Minha observação é antes algo mais basilar, embora preocupante. Trata-se de um desprezo, que, nesse caso, é mais pernicioso que a indiferença. Enquanto a última representa uma apatia aos textos filosóficos, a primeira transcende isso. O repúdio e o preconceito pela filosofia é um prejuízo no sentido de ignorar uma estrutura na qual benefício mútuo pode ser adquirido. Nesse sentido, a leitura Kuhniana ajuda-nos (3):  
'Não é por acaso que a emergência da física newtoniana no século XVII e da relatividade e da mecânica quântica no século XX foram precedidas e acompanhadas por análises filosóficas fundamentais da tradição de pesquisa contemporânea. Nem é acidental o fato que em ambos os períodos a chamada experiência de pensamento ter desempenhado um papel tão crítico no progresso da pesquisa. Como mostrei em outros lugares, a experiência de pensamento analítica que é tão importante nos escritos de Galileu, Einstein, Bohr e outros é perfeitamente calculada para expor o antigo paradigma ao conhecimento existente, de tal forma que a raiz da crise seja isolada com clareza impossível de obter-se no laboratório. '

                Outro exemplo: a publicação da obra do filósofo empirista David Hume intitulada "Diálogos sobre a religião natural" (4). Baseada parcialmente na obra “De Natura Deorum” (do filósofo romano Marcus Tullius Cicero), o filósofo escocês antecipa em 80 anos as conclusões da comunidade científica acerca do mito de criação das espécies. A evolução por seleção natural, descoberta por Charles Darwin e Alfred Wallace, junto com as elucubrações de Hume evidenciam que a filosofia não é, necessariamente, uma atividade distinta da ciência. Embora seja comum que ambas façam uso de métodos diferentes, encontra-se  muito interesse comum em ambas atividades.
                Ignorar avidamente, bem como promover escárnio relativo ao trabalho afanosamente realizado por filósofos durantes séculos é um atentado intelectual com consequências danosas ao compromisso da busca pelo conhecimento honesto.


(*)Certa vez em um debate meu interlocutor não conseguia entender o motivo pelo qual a revista Scientific American trazia em uma de suas edições uma capa dedicada aos erros históricos dos cientistas. “Cientistas não erram, eles têm certeza” dizia ele. Pior ainda, alegava que o ato de crer não poderia existir na atividade científica. Após uma breve exposição minha que ele estava, talvez, confundindo que nem toda crença é uma fé, mas toda fé é um crença, ainda assim não percebia que crer é dar crédito a algo; a ciência é uma atividade humana, e, portanto, incorre a erros e está subjugada a crenças também.

Referências

[Texto traduzido para o português (por Eli Veira):  http://lihs.org.br/artigos/Haack_Seis_Sinais_de_Cientificismo_LiHS_2012.pdf]