[Uma versão mais ampla do texto foi publicada no blog da Liga Humanista Secular do Brasil - Bule Voador]
Thomas Kuhn, filósofo da ciência formado em física pela Universidade de Harvard. Dentre suas obras destaca-se "A revolução copernicana" e "Estrutura das Revoluções Científicas". |
Não
raro encontra-se certo desprezo de cientistas, ou futuros cientistas, pela
filosofia. "Filosofia não serve para nada", dizem alguns.
Uma
postura dessas revela vários desconhecimentos sobre o que é e para que serve
filosofia. Nesse momento pretendo restringir-me somente a filosofia da ciência.
A indiferença, ou no pior nos casos o desprezo, denuncia pelo menos dois
aspectos: um desconhecimento histórico de como a ciência evoluiu e uma
pretensão que não cabe aos cientistas.
Com
relação a primeira, é curioso destacar que no passado o que hoje chamamos
formalmente de ciências era nomeado de Filosofia Natural. Não por acaso,
portanto, que o termo PhD - que se mantém até hoje -, significa, no Latim
Philosophiae Doctor (Doutor em Filosofia). Costumo dizer que é um parricídio
intelectual negar a colaboração histórica da filosofia para com a ciência; é
assassinar os próprios pais. Para alguns, é não reconhecer a legitimidade de
seus progenitores: um ato de atear fogo em sua própria casa. Já ao segundo
equivale a uma postura endeusada da ciência que muitos tomam em um discurso
totalmente acrítico. Se fossem capazes de reconhecer a importância da filosofia
da ciência evitariam equívocos cientificistas (1); esses que são responsáveis
por alegações pretensiosas de negarem a legitimidade de outras investigações não-científicas
(como a literatura, a poesia e a arte em geral - ou ainda a ética, uma outra
área da filosofia). Ou pior, são pessoas que podem se espelhar(*)em
Stephen Hawkings que, embora um excepcional cientista, chegou a dizer que a
filosofia estava morta (2). Hawkings, talvez, não está atualizado, ou despreza
completamente autores como Steven
Pinker, Daniel Dannett,
Sam Harris e Michael Shermer. Além desses, precisa, urgentemente, ler Susan Haack.
Como
pode ser destacado dos textos da filósofa supracitada e de outros, como Thomas
Kuhn, os cientistas muitas vezes não precisam e nem possuem tempo para alocar a
uma atividade filosófica. Assim, não estou sugerindo a obrigatoriedade de
leituras filosóficas nos cursos científicos. Minha observação é antes algo mais
basilar, embora preocupante. Trata-se de um desprezo, que, nesse caso, é mais
pernicioso que a indiferença. Enquanto a última representa uma apatia aos
textos filosóficos, a primeira transcende isso. O repúdio e o preconceito pela
filosofia é um prejuízo no sentido de ignorar uma estrutura na qual benefício
mútuo pode ser adquirido. Nesse sentido, a leitura Kuhniana ajuda-nos (3):
'Não é por acaso que a emergência
da física newtoniana no século XVII e da relatividade e da mecânica quântica no
século XX foram precedidas e acompanhadas por análises filosóficas fundamentais
da tradição de pesquisa contemporânea. Nem é acidental o fato que em ambos os períodos
a chamada experiência de pensamento ter desempenhado um papel tão crítico no
progresso da pesquisa. Como mostrei em outros lugares, a experiência de
pensamento analítica que é tão importante nos escritos de Galileu, Einstein,
Bohr e outros é perfeitamente calculada para expor o antigo paradigma ao
conhecimento existente, de tal forma que a raiz da crise seja isolada com
clareza impossível de obter-se no laboratório. '
Outro
exemplo: a publicação da obra do filósofo empirista David Hume intitulada
"Diálogos sobre a religião natural" (4). Baseada parcialmente na obra
“De Natura Deorum” (do filósofo romano Marcus Tullius Cicero), o filósofo
escocês antecipa em 80 anos as conclusões da comunidade científica acerca do
mito de criação das espécies. A evolução por seleção natural, descoberta por Charles
Darwin e Alfred Wallace, junto com as elucubrações de Hume evidenciam que a
filosofia não é, necessariamente, uma atividade distinta da ciência. Embora
seja comum que ambas façam uso de métodos diferentes, encontra-se muito interesse comum em ambas atividades.
Ignorar
avidamente, bem como promover escárnio relativo ao trabalho afanosamente
realizado por filósofos durantes séculos é um atentado intelectual com
consequências danosas ao compromisso da busca pelo conhecimento honesto.
(*)Certa vez em um debate meu interlocutor não conseguia
entender o motivo pelo qual a revista Scientific
American trazia em uma de suas edições uma capa dedicada aos erros históricos
dos cientistas. “Cientistas não erram, eles têm certeza” dizia ele. Pior ainda,
alegava que o ato de crer não poderia existir na atividade científica. Após uma
breve exposição minha que ele estava, talvez, confundindo que nem toda crença é
uma fé, mas toda fé é um crença, ainda assim não percebia que crer é dar
crédito a algo; a ciência é uma atividade humana, e, portanto, incorre
a erros e está subjugada a crenças também.
Referências
[Texto traduzido para o português
(por Eli Veira): http://lihs.org.br/artigos/Haack_Seis_Sinais_de_Cientificismo_LiHS_2012.pdf]
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