sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Da Itália até os replicantes

Blow out
A imagem escraviza, já disse algum poeta.

No cinema, talvez não houve alguém que tivesse explorado de maneira tão genial a limitação da imagem - no sentido de que sempre há alguma inacessível -, como fez Michelangelo Antonioni. Dessa forma, em "Blow Up" (1966), o cineasta italiano mostra a impotência, não apenas como espectador, mas a do próprio personagem principal, quando este torna-se obcecado por uma foto. Uma imagem com o potencial de revelar; que não nem ser alcançável - e se for, como garantir a certeza daquilo que os pixels mal formados sugerem?

Anos mais tarde, Brian de Palma comandaria a direção de "Blow out" (1981). Com óbvia referência ao Antonioni, a versão do americano explorava dessa vez outra limitação dos sentidos, o som - que uma vez exposta na tela bidimensional, explicitava ao mesmo tempo um dos recursos que mais revolucionaram o cinema, e igualmente mantinha a sedução de seu suspense. A obra depalminiana foi sempre muito ousada no que diz respeito à estética visual; alguns dizem que De Palma é uma cópia barata de outro mestre que não apelava ao óbvio - Alfred Hitchcock. Isso é uma leitura leviana da obra do cineasta americano.

De Palma foi representante da ideia que a imagem cinematográfica pode ao mesmo tempo desempenhar o papel narrativo principal, e, por isso mesmo, ser trabalhada não necessariamente com o enfoque nos personagens. Assim, o visual - o que a tela mostra e também esconde - deve ser mais visceral que os próprios personagens. Razão essa, entre outras, que De Palma teve sempre interesse na obra de Hitchcock e Antoninoni - constantemente inserindo própria originalidade.

Não tenho certeza, mas arrisco-me a dizer que Ridley Scott teve forte influencia a partir da obra de Antonioni. Parece-me claro isso na cena de Blade Runner (1982), quando o caçador de androides destrincha uma foto - cena essencial para o desenvolvimento da narrativa. O contexto da cena do italiano é diferente da que acontece no mundo futurista, mas a inquietação - a busca pela identidade de um acontecimento escravizada na imagem - é essencialmente a mesma.

De Antonioni, passando por Hitchcock, De Palma e chegando a Scott, algo fica evidente: o cinema é um intercâmbio de inspirações; talvez mais do que isso, é talvez a única possibilidade de se libertar da frase do poeta - ou pelo menos causar a ilusão disso, através do aparente conforto da imagem em movimento, a qual estamos sempre à mercê daquilo que o cineasta coloca à disposição de nossos olhos.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

E o cinema brasileiro como vai? Muito bem, obrigado.



O filme "Eu me lembro" (Edgard Navarro, 2005) mostra a trajetória de uma personagem desde sua infância em Salvador até sua fase adulta, percorrendo as décadas de 50, 60 e 70. A década seguinte é tema para o documentário "Rock Brasília" (Vladimir Carvalho, 2011) que aborda um período no qual o país passou por uma profusão de bandas de rock na capital. A década atual foi palco para o filme "2 Coelhos" (Afonso Poyart, 2012), o qual retrata a crise existencial de um sujeito ambíguo que vive na intensidade da cidade de São Paulo. São Paulo é a cidade na qual a personagem do filme "Céu de Suely" (Karim Aïnouz, 2006) vivia antes de retornar a Iguatu, no interior do Ceará; em certo momento ela confessa ter vontade de ir morar em Porto Alegre. Porto Alegre é o local de filmagem para um dos filmes gaúchos mais originais dos últimos anos (gravado todo em um único plano-sequência), chamado "Ainda orangotangos" (Gustavo Spolidoro, 2007).

Os cinco filmes acima são uma pequena parcela do atual riquíssimo cinema brasileiro. As produções são diversificadas tanto em gênero como em temática. A dimensão continental do país favorece que cineastas possam realizar seus filmes de acordo com a cultura regional; de modo que um filme gravado no Ceará mostrará peculiaridades locais distintas de outro gravado em São Paulo ou no sul do país. Isso proporciona uma versatilidade de conteúdo narrativo e estético, com potencialidade de ser mais heterogênea que a mega indústria de Hollywood (lá as produções são majoritariamente realizadas em Los Angeles e Nova York)

Uma questão apressada: os filmes são bons? Não é algo simples de responder, visto que o gosto estético varia a cada espectador. É um questionamento secundário; pois antes de julgar a qualidade da obra deve-se, obviamente, ver os filmes. É sabido que o brasileiro, em média, torce o nariz para a produção nacional. Parte do preconceito é explicado (mas não justificado) tendo em vista a baixa qualidade técnica dos filmes produzidos pela Embrafilmes (vale salientar que houveram expressivas exceções) na década de 80 (criada em 69 e extinta na década de 90). Aliado a isso a produção nacional da primeira metade da década de 90 ficou praticamente estagnada, o que, talvez, incentivou ainda mais para a manutenção do estigma que as produções da década passada carregavam. Entretanto o cenário nacional recebeu uma nova onda de incentivo através de leis incentivos à cultura na segunda metade da década de 90, o que ficou conhecido de a “retomada” cinematográfica.

Quando alguém alega que cinema nacional só tem porcaria eu respondo com outra pergunta: será que você conhece cineastas como (exemplo de filme): Anna Muylaert ( Durval Discos), Eduardo Coutinho (Cabra Marcado para Morrer), Cacá Diegues (Bye Bye Brasil), Sanda Werneck (Sonhos Roubados), Andrucha Waddington (Casa de Areia), Fabiano de Souza (A última estrada da praia), Cao Hamburger (O ano em que meus pais saíram de férias), Hilton Lacerda (Tatuagem), Carlos Gerbase (Menos que anda), Lírio Ferreira (Árido movie), Kleber Mendonça Filho (O som ao redor), Carla Camurati (Copacabana), Hector Babenco (O passado), Beto Brant (Cão sem dono), Luis Fernando Carvalho (Lavoura Arcaica), Caludio Assis (Amarelo Manga), Marcelo Gomes (Cinema, Aspirinas e Urubus), Edgar Navarro (O homem que não dormia), Marco Dutra (Trabalhar Cansa), Caetano Gotardo (O que se move)?
O recente filme "Tatuagem" (2013) é mais um exemplar da rica multiplicidade do cinema Pernambucano contemporâneo, que começou em 1996 com o "O baile perfumado" e não deu sinal de que vai parar, como é evidente em filmes como "Amarelo manga" (2002), "Baixio das bestas" (2006) e "Febre do rato" (2011).

Nessa pequena lista não tem nenhum "cult", são cineastas que estão na ativa ano após ano. Negar essa profusão de filmes de excelente qualidade parece ser um típico caso de cherry picking.

Outra questão que está intrínseca a nossa produção é a sua divulgação. Até onde eu saiba não existe nenhum cinema no país onde existam exibições apenas de filmes nacionais (com exceção a mostras), coisa que já ouvir dizer existir ali ao lado nos hermanos argentinos. Mas a mera constatação que temos um problema de divulgação/distribuição não anula o fato que produções nacionais de qualidade existem (e não são ponto fora da curva).

É muito curioso o sujeito que diz não gostar de filme nacional, mas é geralmente o mesmo que diz "poxa, acabei vendo um filme e nem parecia ser brasileiro." Como se nossa produção fosse alguma aberração artística. Com relação a essa imbecilidade vale a resposta do José Padilha (ao comentar sobre o sucesso de “Tropa de elite”) quando ele diz que basta um filme bem filmado e com uma boa produção para que as pessoas o comparam com uma pretensa existência de um modelo correto de fazer cinema (no caso, o de Hollywood). E mais do que isso, é o que eu chamo de “preguiça fílmica” ou “preconceito fílmico”. Note, por exemplo, o trato que as locadoras dão aos filmes nacionais: ao colocarem em estantes separadas de outros filmes estão sugerindo que cinema nacional é um gênero. Gênero cinematográfico pode até ser motivo de debate entre cinéfilos, mas certamente não é uma nacionalidade que o define.

Infelizmente, o preconceito (injustificado) aos filmes brasileiros ainda perduram. Recentemente, o crítico Pablo Villaça foi desafiado por um de seus leitores para criar uma lista de vinte filmes nacionais que comprovassem a qualidade e diversidade da nossa atual produção. Resultado: a lista apresentada pelo crítico teve quase cinco vezes mais filmes do que o leitor havia pedido.
"Filme Demência" (1986) é uma das obras mais importantes do cinema marginal.  Com referências óbvias a Goethe e Jean Luc Godard, conhecemos um personagem marcado por dúvidas e conflitos que não necessariamente serão resolvidos. 
Eu saliento a “preguiça fílmica” também para mostrar que a alegação que o Brasil nunca teve filmes de gênero reconhecidamente importantes é um erro histórico (provavelmente porque a pessoa não conhece esse histórico). Vários cineastas, infelizmente já mortos, foram responsáveis por movimentos internacionalmente conhecidos (como Cinema Novo e o Cinema Marginal); e muitos desses filmes são obras-primas: Mário Peixoto (Limite), Walter Hugo Khouri (Noite Vazia), Galuber Rocha (Deus e diabo na terra do sol), Carlos Reichenbach (Filme demência) e Sérgio Person (São Paulo Sociedade Anônima) são alguns deles.

Creio que parte da motivação para esse texto se concentrou em dois aspectos: i) desmistificar a ideia recorrente que o cinema nacional atual não produz filme de qualidade apreciável e ii) incentivar o espectador a explorar o atual riquíssimo cinema brasileiro que tem sido desenvolvido há quase vinte anos (período da “retomada”), além de procurar pelas obras brilhantes do nosso histórico cinematográfico ( Como o “Cinema Novo” e o “Cinema Marginal”).






sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Há vida alienígena por perto?

 [Texto publicado no blog da Liga Humanista Secular do Brasil - Bule Voador]

Vida extraterrestre pode estar aparecendo em alguns lugares óbvios. Não, isto não é sobre alienígenas sem pelos que vieram para a Terra em embarcações em forma de disco, mas é sobre  vida menos sofisticada não muito longe daqui.

Sonda Curiosity
Um século atrás, cientistas acreditavam que havia apenas um óbvio reduto para existência de biologia alienígena em nosso sistema solar: Marte. Por ter algumas semelhanças com a Terra, se pensou que Marte estivesse lotado de seres animados, e seus supostos habitantes tiveram bastante espaço na mídia. Se assumia geralmente que os residentes do planeta vermelho fossem semelhante a nós: em tamanho, em tecnologia e em conhecimento. Em 1900, o astrônomo Percival Lowell estava obcecado com a ideia de que havia uma intrincada rede de canais na superfície marciana, vendo-a como obra de alienígenas desesperadamente tentando irrigar um mundo seco.

Entretanto, a ideia de habitantes sofisticados caiu em desuso (entre cientistas, e mesmo até entre cineastas), uma vez que nossas sondas revelaram que as paisagens de Marte  são desertos dessecados, eficientemente esterilizado pela mortífera luz ultravioleta do Sol. Dizer que a superfície era inóspita seria um eufemismo. Ainda assim, era possível que micróbios marcianos pudessem estar morando a poucas centenas de metros de profundidade onde aquíferos poderiam abrigar alguma espécie de vida contente em dar seus tiros no escuro.

Consequentemente, a opinião dos especialistas mudou. Nossa melhor chance para encontrar marcianos não era de se sentar atrás de um pequeno telescópio no Arizona, como fez Lowell, mas enviar furadeiras para Marte, que pudessem sugar a poeira abaixo da superfície e examiná-la microscopicamente. Obviamente essa é uma tarefa difícil. E ainda não foi realizada – e nem mesmo planejada em detalhes.

Marte continua ser a escolha número um da comunidade da astrobiologia para “a mais próxima rocha com vida”, mas há muitos pesquisadores que, ao invés, apostam suas fichas nas luas de Júpiter. Em particular, há evidências que Europa, Ganimedes e Calisto escondem vastos oceanos de água líquida sob suas crostas de gelo. Europa é o caso mais promissor, e tem a crosta mais fina. Com a tecnologia atual, a melhor forma de examinar o habitat aquático desta lua prevê uma sonda robótica que derreteria um buraco através de 15 quilômetros de gelo, duro como granito, e baixar alguns sensores para dar uma olhada. Mais uma vez, ainda não nas pranchetas.

De qualquer forma, a melhor abordagem para encontrar vida fora da Terra envolve perfuração a fundo - seja através de rocha ou gelo.

No entanto, as descobertas anunciadas na reunião da União Geofísica Americana realizada na primeira semana de Dezembro em São Francisco têm revisto o plano estratégico.

Considere Marte – um caso exemplar de inatividade geofísica, ou assim se pensava. Há muito se assumia que o planeta vermelho fosse tão inerte como um campônes medieval, mas um exame mais atento mostra que Marte é menos dormente do que se acreditava.

Sondas em órbita têm fotografado fenômenos que foram chamados de "listras escuras de declive", que se estendem descendo as laterais das paredes de crateras e de cânions. Essas manchas vigorosas têm a largura de uma sala, e crescem à medida que o sol e o verão elevam a temperatura da superfície. Às vezes se estendem um quilômetro ou mais,  e vem e vão conforme as estações. A explicação óbvia - e mais plausível - é que essas listras são causadas por gelos ricos em minérios, logo abaixo da superfície, derretendo no calor e molhando a superfície conforme descem as colinas.

Lembre-se, a ideia de que essas listras são de água salgada (que agraciavelmente tem um ponto de congelamento menor do que a água pura) é baseada em evidência circunstancial apenas. Imagens, em outras palavras. Mas se for verdade, sugere que a maneira mais rápida de encontrar marcianos poderia ser enviar um rover até essas listras, colher a terra molhada, e verificar se há micróbios que vivem nesta primavera marciana em miniatura. Não haveria então necessidade de um projeto de perfuração profunda: a vida pode estar lá para ser descoberta - em terra úmida. Uma  verdadeira virada de jogo.
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Concepção artística de Europa. Crédito: K. Retherford, Southwest Research Institute
A outra notícia diz respeito a Europa, a lua albina que orbita em torno de Júpiter. O telescópio Espacial Hubble descobriu uma nuvem do que parece ser um desmembrado de moléculas de água a cerca de cem quilômetros acima do polo sul de Europa. O cenário provável é que o líquido está sendo jorrado para o espaço a partir do oceano abaixo da superfície enquanto Júpiter puxa a crosta congelada de Europa . Os gêiseres parecem estar localizados em fendas no gelo na superfície.

Quase uma década atrás, o Hubble descobriu plumas aquosas jorradas de Encélado, uma lua de Saturno, de modo que este fenômeno não é novo. Mas Encélado é uma lua minúsculo, de modo que a água que jorra de sua pele frígida se dissipa no vácuo do espaço, e se esvai para sempre. Europa é um satélite mais robusto, e pode puxar o material disparado das fendas da região polar, que então volta a se acumular na superfície.

Consequentemente, se há alguma vida escondida nas águas Estigianas abaixo do exterior brilhante de Europa, então alguma representação da biologia pode estar simplesmente ali, aos montes, na paisagem gelada do polo sul.

É uma excelente notícia para a humanidade, ou pelo menos para a fração dela que se interessa em saber se há vida além de nosso planeta. Por anos, astrobiólogos vêm especulando sobre a possibilidade de encontrar qualquer pequeno animal em Marte ou Europa. Mas em nenhum dos casos havia razões para imaginar que provas poderiam ser encontradas nas superfícies destes mundos, facilmente ao alcance de nossos robôs. Isso agora mudou.
Carl Sagan uma vez disse que “em algum lugar, alguma coisa incrível está esperando para ser descoberta”. “Em algum lugar” pode bem ser um local de aterrissagem, à distância de uma curta viagem de foguete.
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Autor: Seth Shostak
Tradução: Cicero Escobar e Wladimir Freitas Lyra

Entendendo os mecanismos de formação de metano na Terra primitiva


                                     [Texto publicado Universo Racionalista]

Representação gráfica da Terra de 4 bilhões de anos atrás. Alguns pesquisadores defendem a tese que a Terra foi quase totalmente coberta de água; assim permitindo a diluição de compostos e permitindo a origem da Vida em hidrotermais.
Os compostos orgânicos são baseados na química do carbono. O metano (CH4) é o composto orgânico estável mais simples existente na natureza. Os cientistas acreditam que alguns cenários da Terra primitiva houvesse formação de metano mesmo na ausência de organismos. 

Sabemos atualmente que o metano é o produto de degradação de alguns microrganismos, mas também pode ser produzido por vias abióticas, ou seja, por processos geológicos. Uma possível rota (abiótica) de formação do metano é a partir da água (H2O) e hidrogênio (H2). A reação envolvida nessa caso seria do tipo Fischer-Tropsch (FT), sendo ser representada resumidamente pela equação: CO2 + 4H2 = CH4 + 2H2O. O que fica evidente é que, uma vez que tenha ocorrido a formação de hidrogênio - uma possibilidade é a partir da decomposição água através de fotoquímica causada por fonte de radiação ultravioleta (certamente mais intensa no período da Terra primitiva) - este reage com o dióxido de carbono presente no ambiente e forma metano. Simulações de hidrotermais em laboratório já demonstraram a possibilidade de reações desse tipo em temperaturas maiores que 200 °C [Fu e colaboradores, 2007]

Um exemplo de fonte hidrotermal atual emitindo dióxido de carbono. Localizado aos arredores do vulcão submarino Eifuku (Japão).
Nos últimos anos têm sido proposto novas possibilidades de geração de metano por via abiótica, como as que envolvem baixas temperaturas (menor que 150 °C). Cálculos termodinâmicos têm apoiado essa hipótese, e se baseiam em processos de hidratação desde que exista uma fonte de carbono. Estudos envolvendo minerais como olivina têm sido promissores para essa rota de obtenção de metano abiótico [Oze & Sharma, 2005]. Ao contrário das reações do tipo FT, esse tipo de processo não requer moléculas de hidrogênio presentes no ambiente para a geração de metano [Suba e colaboradores, 2014].

No recente trabalho desenvolvido por Suda e colaboradores, foi realizada uma comparação de diferentes amostras coletadas em locais distintos da fonte hidrotermal Hakuba Happo (Japão). Nessa região há a formação de serpentinita (constituída por olivina), uma rocha que resulta de processos geoquímicos. Essas hidrotermais são consideradas modelos de ambientes pré-bióticos, nos quais puderam ter ocorrido síntese de material orgânico há bilhões de anos atrás.

A novidade da pesquisa realizada por Suda e colaboradores é lançar luz sobre os prováveis mecanismos de formação abiótica do metano em sistemas hidrotermais. Segundo o pesquisador do instituto de tecnologia de Tóquio, os detalhes desse processo ainda não tinham sido satisfatoriamente compreendidos.

Em síntese, o que os pequisadores fizeram foi medir o pH e temperatura, bem como o conteúdo de gás e de íons das amostras de água tanto em termos de concentração e proporção de diferentes isótopos dos constituintes químicos (diferentes isótopos do mesmo elemento químico diferem-se quanto oo número de neutros no núcleo). Cada reação resulta uma razão isotópica diferente porque a taxa de reação de cada isótopo é diferente dependendo do processo.

A maneira mais convencional de discriminar a origem do metano é através da razão isotópico dos átomos presentes no hidrogênio, metano e água. Estudos prévios mostram que há uma faixa na qual pode-se inferir se o foi metano produzido a partir de fixação do dióxido de carbono na água (ou seja, reação do tipo FT). Assim, através de uma série de caracterização isotópica de regiões distintas da fonte hidrotermal Hakuba Happo, o grupo de pesquisadores descobriram valores inesperados para a relação entre diferentes isótopos do metano e hidrogênio molecular dissolvido na água.

A conclusão geral dos investigadores é de que a provável que a fonte de metano seja a partir da água e não do hidrogênio. Assim, isso aponta para um mecanismo de hidratação da olivina em detrimento de reações de FT. Ainda assim, os autores reconhecem a necessidade de estudos experimentais com baixas temperaturas para suportar suas hipóteses. 

Vale salientar que a produção abiótica de metano através de reações de hidratação pode ser um dos mecanismos no qual esse hidrocarboneto é gerado em Marte. Recentes trabalhos [Oze & Sharma, 2005] apontam para a existência de metano no planeta vermelho, e embora alguns defendam a tese que isso pode ser uma evidência indireta da presença de microrganismos, o debate sobre o assunto ainda não está encerrado; assim, entender melhor os mecanismos de formação abiótica do metano auxilia não apenas para entender os possíveis caminhos de formação das moléculas orgânicas na Terra primitiva, mas também lança luz sobre a possibilidade dessas mesmas moléculas surgirem na superfície de outros ambientes rochosos espelhados pelo sistema solar.

Referências

- Artigo  principal

Suba, K. et al, Origin of methane in serpentinite-hosted hydrothermal systems: The CH4–H2–H2O hydrogen isotope systematics of the Hakuba Happo hot spring. Earth and Planetary Sci Letters, 386 (2014):112–125

- Artigos Auxiliares

Fu, Q. et al, Abiotic formation of hydrocarbons under hydrothermal conditions: constraints from chemical and isotope data Feochim. Cosmochim. Acta, 71 (2007): 1982–1998

Oze, C.; Sharma, M. et al, Have olivine, will gas: Serpentinization and the abiogenic production of methane on Mars Geophys. Res. Lett., 32 (2005):276-299

- Na mídia

Science Daily


sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Memória da água e coisas que os homeopatas não dizem

Estudar o processo histórico das atuais chamadas práticas complementares da medicina pode auxiliar no entendimento de como elas ainda se mantêm populares. 

Pouco antes de eclodir a segunda guerra mundial a homeopatia estava relativamente esquecida na Europa. Foi nessa época que os conselheiros médicos de Hitler o incentivaram para a retomada da prática. A razão disso parece ter sido pouco científica. O fundador da homeopatia, Chistian Hahnemann, era alemão. Assim, a tentação de retomar a prática era óbvia: isso aumentaria o sentimento nacionalista.

Essas e outras histórias estão bem relatadas no livro "Truque ou tratamento", que foi traduzida em 2013 pela editora Record. Os autores Edzard Ernst e Simon Singh ainda nos contam mais sobre a homeopatia. Coisas que geralmente os homeopatas não sabem ou escondem.

É verdade que Benveniste e colaboradores publicaram um artigo na prestigiada revista Nature. Alegação: que a água possuía memória, e de alguma maneira a ultra-diluição em preparados homeopáticos poderia reter moléculas da solução original. Como foi feito (em síntese): basófilos (uma célula sanguínea que reage a um agente alérgico específico) foram colocados em contato com soluções cada vez mais diluídas e ainda reagiram contra o componente alérgico que as compunha.

Mas também é verdade que os experimentos foram conduzidos sem rigor. Meses após a publicação um grupo de cientistas visitou o laboratório de Benveniste no intuito de acompanhar as experiências. Como a alegação era extraordinária (assim exigindo evidências igualmente extraordinárias) o grupo propôs experimentos de duplo-cego, nos quais os realizadores das experiências não saberiam previamente quais frascos continham as soluções mais diluídas (mais precisamente, o analista não saberia identificar quais as amostras de basófilos teriam sido tratadas com soluções homeopáticas e quais teriam recebido apenas tratamento com água). Isso eliminaria a tendência do laboratorista em privilegiar os resultados das amostras mais diluídas, pois as análises dependiam de certa forma de um componente subjetivo para se chegar ao resultado. Assim, constatou-se que, após essa nova batelada de experimentos, os basófilos não reagiram de maneira distinta do grupo controle contendo apenas água.

Os homeopatas ainda não dizem: a mesma revista publicou mais três artigos nos quais pesquisadores independentes falharam em repetir os resultados alegados por Benveniste. Ele também foi o primeiro pesquisador a ganhar dois igNobel (paródia do prêmio Nobel).

Desde aquela época (final de década de 80), o mágico James Randi já vinha oferecendo uma boa quantia para quem apresentasse dados convincentes da eficácia da homeopatia (ou de qualquer outra alegação extraordinária). Aliás, ele esteve presente na comissão científica da Nature para investigar os resultados do grupo liderado por Benveniste. A oferta aumentou com o passar dos anos, e hoje está em um milhão de dólares. Então, alguém arrisca?

Conclusão, homeopatia não se distingue de pílulas de farinha.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Acreditando em coisas estranhas: os moais da ilha da Páscoa e o mito do uso de somente 10% do cérebro

[Texto publicado no blog da Liga Humanista Secular do Brasil - Bule Voador]


A mente humana é pródiga em dar adesão a alegações extraordinárias. Não raro uma crença popular, geralmente desprovida de justificação, serve como premissa ou sustentação de outra crença e/ou mito. Dois exemplos ilustram esse comportamento humano: as hipóteses fantásticas sobre o movimento e criação dos moais da ilha da Páscoa e a crença no mito do uso dos 10% do cérebro. Curiosamente não aparecem sempre como mitos isolados, pois muitas vezes são alegadamente complementares.
Moais. Fonte: Wikipedia.
No caso da ilha da Páscoa, a criação e movimentação dos moais suscitam diversas fantasias. O pacote de explicação inclui teses bizarras do tipo que as estátuas criaram vidas e começaram a se locomover (essa faz parte da própria tradição local)  e outras igualmente improváveis como a ajuda de extraterrestres. Sobre essa última, é reconhecido o papel de disseminação dessas ideias pelo do escritor Erich von Däniken. Ele e seus apoiadores adoram falar sobre “teorias”, mas caso estivessem comprometidos com um escrutínio sério reconheceriam que suas ideias são no máximo propostas especulativas (quando não são devaneios ou até mesmo mentiras).
Há mais de  seis décadas que a ilha da Páscoa tem sido seriamente estudada por antropólogos, historiadores e arqueólogos. Não é o intuito desse texto demonstrar os equívocos dos proponentes das ideias pouco prováveis envolvendo a ilha. De qualquer forma, parece que a sobrevivência desses mitos ocorrem em virtude da falta de informação. Por exemplo, na década de 90 um grupo de pesquisadores e cerca de 75 voluntários conseguiram erguer e transportar uma réplica de um moai de 10 toneladas fazendo uso apenas de material disponível na ilha (veja uma breve narração aqui, e a página da empreitada aqui). Mais interessante ainda é o fato de que outras expedições já haviam realizado experimentos locais similares. É o caso do famoso explorador Thor Heyerdahl, que em meados da década de 50 realizou uma expedição à ilha da Páscoa e parte de suas simulações das estátuas pode ser verificada em vídeos na web (Veja aqui, próximo aos 35 min.). Interessante notar que o explorador lançou o livro com seus relatos chamado “Aku-Aku: the Secret of Easter Island” uma década antes do famoso livro do Däniken “Eram os deuses astronautas?”. Talvez esse acontecimento exemplificaria alguma tendência de superestimar o extraordinário em detrimento da análise criteriosa.
 Outro mito popular diz respeito à capacidade do uso do cérebro para além dos 10% que os seres normais são capazes (em algumas teses alternativas a alegação é de usamos apenas um quarto do cérebro, o que revela ainda mais confusão e falta de consenso entre os propagadores de mito).
Em um estudo realizado pela neurocientista Suzana Herculano foi mostrado que no Brasil 59% das pessoas com graduação que foram entrevistadas acreditavam no mito. No livro “Os 50 maiores mitos populares da psicologia - Derrubando famosos equívocos sobre o comportamento humano”, os autores argumentam várias razões pelas quais o o uso de apenas 10% do cérebro é uma mentira. Conforme já discutido em outros textos, o livro também ressalta que o cérebro humano tem sido moldado pela seleção natural. Além disso, ele consome 20% do oxigênio respirado e representa meramente 2% do peso do corpo. Assim, além de ser um desperdício evolutivo usar apenas 10%, caso o mito fosse verdade (o que implica aceitar que 90% do cérebro seria desnecessário), haveria grande vantagem evolutiva em seres humanos com cérebros menores e mais eficientes, resultando que o caminho evolutivo mais natural fosse de eliminar indivíduos com cérebros ineficientes. Não apenas razões evolutivas confrontam o mito, mas também razões celulares e metabólicas, eletrofisiológicas, entre outras.
A movimentação dos moais na ilha da Páscoa é um tema tão fascinante para alguns que explicações mundanas parecem não ser suficientes. Daí que essa inquietação pode ser fonte de alegações extraordinárias na tentativa de explicar que as gigantescas pedras puderam ser movimentadas em virtude de seres humanos capazes de utilizar mais do que apenas os 10% do cérebro que a maioria dos mortais é capaz (algumas vezes nomeado de mana). É uma tese sedutora: se ralmente usamos apenas 10% de nossas capacidades cerebrais, então imagine o que não poderíamos ser capazes se – com um esforço e dedicação – pudéssemos trabalhar o restante que não é utilizado.
Apesar da sedução que essas histórias extraordinárias possam causar nenhuma delas é verdade. Nada mais é do que a criação de um mito em cima de outro mito.  A movimentação dos moais não exigiu nem tecnologia extraterrestre tampouco alguma capacidade extra-cerebral-humana; a história dos 10% do cérebro só convence aqueles que ainda não se tiverem vontade ou oportunidade de investigar a invericidade de uma alegação desse tipo.
Mas por que o cérebro humano é tendencioso a acreditar em coisas extraordinárias? Rascunhando um pouco uma possível resposta podemos encontrar sugestões na leitura de livros do psicólogo Michael Shermer. No livro “Por que as pessoas acreditam em coisas estranhas”, Shermer nos lembra que humanos são animais que procuram por padrões. Tentamos identificar significado ao que é complexo, além de muitas vezes desejarmos respostas rápidas às perguntas; e não raro a crença no extraordinário antecede a racionalização. Nesse sentido, o psicólogo sugere dois tipos de erros de pensamentos, a saber: Erro do tipo 1 - acreditar em algo errado, ou seja, sem evidência nenhuma (falso positivo); e erro do tipo 2 - rejeitar algo verdadeiro (a negação de um fato científico). Vale salientar que a questão não é que essas pessoas são pouco inteligentes, mas muito provavelmente o erro do tipo 1 ocorre mais em função da desinformação do que pela ignorância.
Acreditar em coisas com pouca ou nenhuma evidência parece ser o caso de pessoas dispostas a dar adesão à alegações com pouco teor de credibilidade, como o caso das ideias fantásticas sobre os moais e uso de somente 10% do cérebro.