O filme
"Eu me lembro" (Edgard Navarro, 2005) mostra a trajetória de uma
personagem desde sua infância em Salvador até sua fase adulta, percorrendo as
décadas de 50, 60 e 70. A década seguinte é tema para o documentário "Rock
Brasília" (Vladimir Carvalho, 2011) que aborda um período no qual o país
passou por uma profusão de bandas de rock na capital. A década atual foi palco
para o filme "2 Coelhos" (Afonso Poyart, 2012), o qual retrata a
crise existencial de um sujeito ambíguo que vive na intensidade da cidade de
São Paulo. São Paulo é a cidade na qual a personagem do filme "Céu de
Suely" (Karim Aïnouz, 2006) vivia antes de retornar a Iguatu, no interior
do Ceará; em certo momento ela confessa ter vontade de ir morar em Porto
Alegre. Porto Alegre é o local de filmagem para um dos filmes gaúchos mais
originais dos últimos anos (gravado todo em um único plano-sequência), chamado
"Ainda orangotangos" (Gustavo Spolidoro, 2007).
Os cinco
filmes acima são uma pequena parcela do atual riquíssimo cinema brasileiro. As
produções são diversificadas tanto em gênero como em temática. A dimensão continental do país favorece que cineastas possam realizar seus filmes de acordo
com a cultura regional; de modo que um filme gravado no Ceará mostrará peculiaridades locais distintas de outro gravado em São Paulo ou no sul do
país. Isso proporciona uma versatilidade de conteúdo narrativo e estético, com
potencialidade de ser mais heterogênea que a mega indústria de Hollywood (lá as
produções são majoritariamente realizadas em Los Angeles e Nova York)
Uma
questão apressada: os filmes são bons? Não é algo simples de
responder, visto que o gosto estético varia a cada espectador. É um questionamento secundário; pois antes de
julgar a qualidade da obra deve-se, obviamente, ver os filmes. É sabido que o
brasileiro, em média, torce
o nariz para a produção nacional. Parte do preconceito é explicado (mas não justificado) tendo
em vista a baixa qualidade técnica dos filmes produzidos pela Embrafilmes (vale salientar que houveram expressivas exceções) na
década de 80 (criada em 69 e extinta na década de 90). Aliado a isso a produção
nacional da primeira metade da década de 90 ficou praticamente estagnada, o
que, talvez, incentivou ainda mais para a manutenção do estigma que as produções
da década passada carregavam. Entretanto o cenário nacional recebeu uma nova
onda de incentivo através de leis incentivos à cultura na segunda metade da
década de 90, o que ficou conhecido de a “retomada” cinematográfica.
Quando
alguém alega que cinema nacional só tem porcaria eu respondo com outra
pergunta: será que você conhece cineastas como (exemplo de filme): Anna
Muylaert ( Durval Discos), Eduardo Coutinho (Cabra Marcado para Morrer), Cacá
Diegues (Bye Bye Brasil), Sanda Werneck (Sonhos Roubados), Andrucha Waddington
(Casa de Areia), Fabiano de Souza (A última estrada da praia), Cao Hamburger (O
ano em que meus pais saíram de férias), Hilton Lacerda (Tatuagem), Carlos
Gerbase (Menos que anda), Lírio Ferreira (Árido movie), Kleber Mendonça Filho
(O som ao redor), Carla Camurati (Copacabana), Hector Babenco (O passado), Beto
Brant (Cão sem dono), Luis Fernando Carvalho (Lavoura Arcaica), Caludio Assis
(Amarelo Manga), Marcelo Gomes (Cinema, Aspirinas e Urubus), Edgar Navarro (O
homem que não dormia), Marco Dutra (Trabalhar Cansa), Caetano Gotardo (O que se
move)?
Nessa
pequena lista não tem nenhum "cult", são cineastas que estão na ativa
ano após ano. Negar essa profusão de filmes de excelente qualidade parece ser
um típico caso de cherry picking.
Outra
questão que está intrínseca a nossa produção é a sua divulgação. Até onde eu
saiba não existe nenhum cinema no país onde existam exibições apenas de filmes
nacionais (com exceção a mostras), coisa que já ouvir dizer existir ali ao lado
nos hermanos argentinos. Mas a mera constatação que temos um problema de
divulgação/distribuição não anula o fato que produções nacionais de qualidade
existem (e não são ponto fora da curva).
É muito
curioso o sujeito que diz não gostar de filme nacional, mas é geralmente o
mesmo que diz "poxa, acabei vendo um filme e nem parecia ser
brasileiro." Como se nossa produção fosse alguma aberração artística. Com
relação a essa imbecilidade vale a resposta do José Padilha (ao comentar sobre
o sucesso de “Tropa de elite”) quando ele diz que basta um filme bem
filmado e com uma boa produção para que as pessoas o comparam com uma pretensa
existência de um modelo correto de fazer cinema (no caso, o de Hollywood). E
mais do que isso, é o que eu chamo de “preguiça fílmica” ou “preconceito
fílmico”. Note, por exemplo, o trato que as locadoras dão aos filmes nacionais:
ao colocarem em estantes separadas de outros filmes estão sugerindo que cinema
nacional é um gênero. Gênero cinematográfico pode até ser motivo de debate entre
cinéfilos, mas certamente não é uma nacionalidade que o define.
Infelizmente,
o preconceito (injustificado) aos filmes brasileiros ainda perduram. Recentemente,
o crítico Pablo
Villaça foi desafiado por um de seus leitores para criar uma lista de vinte
filmes nacionais que comprovassem a qualidade e diversidade da nossa atual
produção. Resultado: a lista apresentada pelo crítico teve quase cinco vezes
mais filmes do que o leitor havia pedido.
Eu
saliento a “preguiça fílmica” também para mostrar que a alegação que o Brasil nunca
teve filmes de gênero reconhecidamente importantes é um erro histórico
(provavelmente porque a pessoa não conhece esse histórico). Vários cineastas,
infelizmente já mortos, foram responsáveis por movimentos internacionalmente conhecidos
(como Cinema Novo e o Cinema Marginal); e muitos desses filmes são obras-primas:
Mário Peixoto (Limite), Walter Hugo Khouri (Noite Vazia), Galuber Rocha (Deus e
diabo na terra do sol), Carlos Reichenbach (Filme demência) e Sérgio Person (São
Paulo Sociedade Anônima) são alguns deles.
Creio
que parte da motivação para esse texto se concentrou em dois aspectos: i)
desmistificar a ideia recorrente que o cinema nacional atual não produz filme
de qualidade apreciável e ii) incentivar o espectador a explorar o atual
riquíssimo cinema brasileiro que tem sido desenvolvido há quase vinte anos
(período da “retomada”), além de procurar pelas obras brilhantes do nosso
histórico cinematográfico ( Como o “Cinema Novo” e o “Cinema Marginal”).
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