domingo, 24 de fevereiro de 2013

Evidências do aquecimento global antropogênico

[Texto publicado no blog da Liga Humanista do Brasil - Bule Voador]

ResearchBlogging.org

Um dos maiores mitos acerca do aquecimento global diz respeito ao não consenso na comunidade científica da existência desse fenômeno. Entretanto, o aquecimento global é um fato, e é consenso na comunidade científica. Além disso, existem evidências suficientes para alegar que o aquecimento global atual é, em grande parte, consequência de ações humanas.
O processo de publicação em periódicos científicos internacionais ocorre através de um escrutínio no qual outros pesquisadores da mesma área avaliam a possibilidade ou não de publicação de um artigo (chamado de avaliação por pares). Nesse sentido, a possibilidade de existir uma conspiração acerca do fenômeno aquecimento global é uma alegação que exige provas. A maioria dos negacionistas não apresentam as evidências da conspiração, tampouco dados que refutem os dados empíricos e os obtidos através de simulações dos modelos climáticos. Sendo assim, este texto tem o objetivo de mostrar, embora de maneira não exaustiva, que: i) o fenômeno do aquecimento global é consenso na literatura científica, e ii) existem evidências suficientes para sustentar a conclusão de que o aquecimento global dos últimos 50 anos têm uma causa majoritariamente antropogênica.
             Um levantamento dos artigos publicados entre os anos de 1993 e 2003 realizado por Oreskes & Peiser [1] demonstrou não existir sequer um artigo publicado nesse ínterim o qual rejeitasse a proposição que o aquecimento global é de causa antropogênica. Enquanto 75% dos trabalhos concordaram com essa posição, os 25% restantes não comentaram diretamente sobre a causa do aquecimento (focaram nos método ou nas análises paleoclimáticas). Vale ressaltar que só foram levados em consideração nesse levantamento os artigos publicados através de uma avaliação por pares.
Outro estudo independente, realizado por Anderegg e colaboradores [2], conclui indicado um valor entre 97 a 98% dos especialistas dos estudos em climatologia que professam concordância com a alegação do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change): “os gases de efeito estufa antropogênicos são responsáveis pela maior parte do inequívoco aumento na média global da temperatura desde a última metade do século 20.”

Não é difícil entender o porquê da imensa maioria dos cientistas concordarem com os resultados desses estudos. Abordagens independentes realizadas por pesquisadores convergem no sentido de apontar os seres humanos como causadores majoritários do efeito estufa ao longo do ultimo século.


Meehl e colaboradores [3] simularam modelos climáticos os quais levaram em consideração os principais fatores que influenciam a temperatura global: emissões humanas de gases de efeito estufa, atividade solar, aerosol vulcânico e humano e ozônio. Segundo os autores, embora entre 1910 e 1940 a principal causa do aumento no aquecimento pudesse ser atribuída a causas naturais, não era possível alegar o mesmo para o aquecimento que o planeta Terra tem enfrentado desde a segunda metade do século 20. Além disso, foi estimado que aproximadamente 80% do aquecimento global entre 1890 a 2000 foi devido a causas antropogênicas.
            Abordagens estatísticas foram realizadas por autores independentes. Em 2008, Lean & Rind [4] utilizaram uma ferramenta matemática chamada regressão linear múltipla (técnica capaz de analisar a contribuição de diversas variáveis independentes sobre uma variável dependente, neste caso a temperatura) para estimar a contribuição de diferentes fatores no aquecimento global da superfície da Terra.

        Figura 1: Causas do aquecimento global na superfície para 4 intervalos de tempo (Adaptado de skepticalscience.com).

      
A partir da Figura 1 é possível notar que o aumento da temperatura global na superfície é predominantemente de causa antropogênica (barra roxa) em todos os intervalos de tempos. Além disso, a abordagem estatística não destoa dos dados captados por estações meteorológicas (representado pela barra HadCRUT  de cor azul clara). Os autores ainda concluem que entre 1889 e 2006, os humanos causaram aproximadamente 80% do aquecimento, enquanto apenas 12% pode ser atribuído a causas naturais (a conta não fecha 100% devido a imperfeições inerentes ao modelo estatístico, bem como nem todos os fatores terem sido levados em consideração).


Dois anos depois, em um trabalho independente, Scott e colaboradores [4] constataram resultados semelhantes aos de Lean & Rind. Desta vez, foram realizados simulações de cinco modelos climáticos distintos. Considerando o resultado médio desses modelos, a contribuição humana para o aquecimento global chega a 86%. Os autores reforçam a detecção da influência humana no clima da Terra através de fenômenos como seca, derretimento de gelo no Ártico, mudança de salinidade nos oceanos, umidade atmosférica e inúmeros outros impactos climáticos regionais.

Entre os trabalhos mais recentes, destaca-se o de Gillet e colaboradores [6] . Para o estudo foi utilizado a última geração de um modelo canadense (CanESM2) que acopla as dinâmicas do oceano e atmosfera  com ciclo de carbono. Um resultado parcial desse trabalho está ilustrado na Figura 2.
Figura 2: atribuição de causas de mudança na temperatura média do planeta para três intervalos de tempo (Adaptado de Gillet e colaboradores [6]).

    

Na Figura 2 é dada a seguinte atribuição de cores: vermelha aos gases de efeito estufa, verde a demais efeitos antropogênicos, e azul a causas naturais. Nota-se que em todos os três períodos a mudança de temperatura sempre foi dominantemente causada por gases de efeito estufa. As barras verticais indicam as incertezas associadas; a barra horizontal tracejada indica a soma das 3 tendências consideradas, e a barra horizontal contínua representa o valor  observado dessa soma. Em outras palavras, há excelentes concordâncias entre a simulação das forças (gases efeito estufa, outras antropogênicas e causas naturais) causadoras do aquecimento global com os dados observados; portanto, sugere que o modelo possui confiabilidade para indicar as causas do aquecimento global.

Por fim, é importante frisar que todos os trabalhos citados convergem para a mesma conclusão: os humanos têm sido causadores dominantes do aumento da temperatura média global, pelo menos, nos últimos 100 anos.

Referências 
[1] Oreskes, N. (2004). BEYOND THE IVORY TOWER: The Scientific Consensus on Climate Change Science, 306 (5702), 1686-1686 DOI: 10.1126/science.1103618
[2] Anderegg, W., Prall, J., Harold, J., & Schneider, S. (2010). Expert credibility in climate change Proceedings of the National Academy of Sciences, 107 (27), 12107-12109 DOI: 10.1073/pnas.1003187107
[3] Meehl, G. A., Washington, W.A., Ammann, C.M., Arblaster, J.M., & Wigley, T.M., Tebaldi (2004). Combinations of Natural and Anthropogenic Forcings in Twentieth-Century Climate J. Climate DOI
10.1175/1520-0442(2004)017  

[4] Lean, J., & Rind, D. (2008). How natural and anthropogenic influences alter global and regional surface temperatures: 1889 to 2006 Geophysical Research Letters, 35 (18) DOI: 10.1029/2008GL034864
[5] Stott, P., Gillett, N., Hegerl, G., Karoly, D., Stone, D., Zhang, X., & Zwiers, F. (2010). Detection and attribution of climate change: a regional perspective Wiley Interdisciplinary Reviews: Climate Change DOI: 10.1002/wcc.34
[6] Gillett, N., Arora, V., Flato, G., Scinocca, J., & von Salzen, K. (2012). Improved constraints on 21st-century warming derived using 160 years of temperature observations Geophysical Research Letters, 39 (1) DOI: 10.1029/2011GL050226

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

12 perguntas céticas sobre astrologia

[Texto publicado no Universo Racionalista]

Manuscrito zodíaco do século 14.


Uma das crenças mais arraigadas no imaginário popular diz respeito, na sua forma tradicional, a uma possível divinação baseada na posição de astros e movimentos de corpos celestes com relação ao momento do nascimento do indivíduo. O ramo da astrologia mais popular atualmente, pelo menos no ocidente, foi estabelecido pelos gregos que basicamente fundamentaram algo que já vinha sido desenvolvido pelos babilônios 450 anos antes de Cristo.
Em virtude da popular aceitação das 12 divisões ocidentais dos signos dos zodíacos, o presente texto pretende fazer um exercício cético através de 12 perguntas céticas sobre a astrologia. Não tem intenção de ser um texto definitivo, mas apenas uma iniciação para aqueles que ainda não têm opinião formada, e para os que têm vale a provocação saudável.
É fácil encontrar excelentes textos complementares (aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui), bem como vídeos e áudios (aqui e aqui) sobre o assunto na internet. Além disso, estudos experimentais já foram publicados em jornais científicos avaliados por pares com o objetivo de estudar a validade da hipótese astrológica, e nenhum desses mostrou resultado favorável para a validade da prática. Em síntese, vários desses estudos mostram que não há diferença significativa entre o acaso e as previsões astrológicas. Em outras palavras, se uma pessoa não astróloga tentar divinações ela provavelmente terá uma taxa de acerto não muito distinta daquela obtida pelo astrólogo. Alguns desses estudos são: estudo empírico da personalidade e fatores astrológicos, diferenças de personalidade entre gêmeos, demonstração da não eficácia da astrologia, estudos de meta-análise (uma técnica estatística desenvolvida para integrar os resultados de diversos estudos) sugerem que os astrólogos não são capazes de predizer com significância maior seus resultados do que se esperaria se alguém fizesse semelhantes predições ao acaso.
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1) Quais os astros influenciam na astrologia?
São os planetas do nosso sistema solar, provavelmente. Mas luas, asteroides e satélites artificiais também estão presentes na via láctea. Somente em nosso sistema há dois cinturões de asteroides relevantes que no somatório de suas massas poderiam ser equivalente a massas de planetas. Além disso, é curioso que outros astros não influenciem na vida das pessoas, como galáxias, quasares e buracos negros (Ainda é importante ressaltar que praticamente todas as estrelas visíveis ao olho nu são pertencentes a nossa galáxia. Estimativas apontam para mais 170 bilhões de galáxias no Universo observável. Há dois mil anos atrás não havia telescópios, e portanto o olho humano limitado não era capaz de considerar a existências de outros objetos estelares).
 2) O planeta Terra não influencia na astrologia?
Talvez o astro mais importante, e que provavelmente poderia ter grande influência, é o planeta Terra, e que aparentemente não e é considerado pela astrologia. Apesar de não estar projetada no céu está projetada no chão. Parece-me arbitrário dizer que só o que está projetado no céu tem influencia e as demais projeções não.
3) Gêmeos monozigóticos possuem características idênticas?
Gêmeos geneticamente idênticos possuem comportamentos distintos.
 4) Em que momento você nasceu?
É difícil definir o horário que o bebê nasce. É muito arbitrário: No corte do cordão umbilical; ou na hora que enfermeira anota depois de ver o relógio, que, talvez, possa não ser exatamente o horário de fato; ou ainda é horário em que a mãe do bebê decide ser a correta, e que por motivos de exaltação emocional do momento, não é necessariamente o horário correto ("horário correto" é outra coisa de difícil definição).
 5) A previsão astrológica só funciona depois do nascimento?
Então deve existir alguma espécie de mágica na placenta que impede a astrologia ser aplicada ao feto também.
 6) A astrologia tem relação com algum componente genético?
Macacos possuem um DNA muito semelhante a nossa espécie. Talvez exista uma astrologia do macaco também. Mas é curioso que a arrogância antropocêntrica não abra espaço para esses estudos. Pois qual motivo da astrologia funcionar para uma espécie e não para outra. Se existe a relação com os genes, vale ressaltar que bananas possuem um código genético mais extenso que o do ser humano. Seria legal poder ler diariamente o horóscopo das bananas. E isso é uma hipótese bem coerente, visto que há evidências que sugerem que metade do DNA dos humanos é semelhante ao das bananas.
7)  Mera coincidência?
Dado a quantidade imensa de corpos celestes no cosmos, é improvável não encontrar uma correlação entre um determinado objeto celeste e um evento específico (desastres, posse de reis que modificaram a história, ou até mesmo acontecimentos pessoais). Entretanto, correlação não é sinônimo de causa e consequência.
 8) Astrologia é científica?
Embora possa ser uma tarefa filosoficamente extensa definir o que é ciência é possível tomar alguns atalhos que não comprometem a visão global da prática científica atual. Esta se faz através de produção de conhecimento justificado e sistematizado. Existem jornais científicos nos quais os pesquisadores submetem suas pesquisas que serão avaliados por seus pares. A astrologia não produz conhecimento sistemático, e seu objeto de estudo, se existe de fato, é confuso e obscuro. O ônus da prova de mostrar a validade da astrologia cabe aos astrólogos, e se querem o status científico devem seguir o escrutínio da mesma maneira que outras áreas seguem. Ainda assim, vários experimentos já foram realizados na tentativa de mostrar a validade da astrologia. Até o momento não existem evidências que a que funcione. Portanto, há uma garantia justificada na alegação que a astrologia não é ciência. Por outro lado, algo não ser científico não significa que não pode ser válido em alguma outra aplicação ou que sua manifestação deve ser impedida.
 9) Qual o critério da sua astrologia ser mais provável que a minha astrologia?
Somente na astrologia Hindu há três segmentos (Siddhānta, Sahitā, Horā). Além desses, atualmente ainda existem versões chinesas, tibetanas, etc. Em resumo, basta abrir o programa "stellarium” (simulador do céu de qualquer local do mundo em qualquer época), que você poderá simular as diversas constelações de diversos povos além dos citados, como egípcios, polinésios, navajo, tupi-guarani...
Naturalmente que nenhuma dessas constelações são semelhantes a constelação dos zodíacos. Justamente porque são desenhos arbitrários e distintos em cada cultura.
 10)Em que você acredita?
Desde o século 16, com a manifestação do Papa Sixtus V, a igreja cristã  tem se posicionado contra a astrologia. Alguns pensadores, como Lutero, Calvino eAgostinho de Hipona condenaram a prática da astrologia. Uma visão determinista do mundo compromete o livre-arbítrio. Além disso, a vida das pessoas poderia não ser comandada por uma entidade divina, mas sim pelos astros. Sem entrar no mérito da crença religiosa, é curioso que algumas pessoas continuam mantendo crenças que, muitas vezes por falta de reflexão crítica, são contraditórias quando comparadas.
 11)  A astrologia é dependente das constelações?
A versão ocidental da "atual" astrologia data de mais de dois mil anos atrás. Desde então pouca coisa mudou. Naquela época o sol passava por 12 constelações. Atualmente, ele passa por 13 constelações. Na prática, há uma constelação extra pela qual o sol é projetado atualmente, chamada de Ophiuchus (ou Serpentário). Isso pode ser facilmente verificado no programa supracitado ("Stellerium"), no qual é possível simular as constelações por onde o sol é projetado atualmente bem como por qual passava há dois mil anos atrás.
12) Meu signo é mesmo o que dizem?
O mesmo motivo acima que faz o sol passar por uma 13° constelação é o que faz o sol não passar atualmente pela constelação que passava há dois mil anos atrás (devido ao movimento de precessão da Terra). Ou seja, naquela época eu realmente era de câncer, porém hoje, em Julho, o sol passa pela constelação de gêmeos, e no ano 10.000, no mesmo mês, o sol estará em Peixes. Em outras palavras, no passado eu era de câncer, no presente sou de gêmeos e no futuro serei de peixes.
Link para o download do “Stellarium”, aqui.


domingo, 6 de janeiro de 2013

O argumento non sequitur da visita extraterrestre

[Texto publicado no Universo Racionalista]

(Voyager 1)
“Somos pequenos bípedes, mas com sonhos gigantes” Poeta Diane Ackerman

A ficção científica é algo fabuloso. Embora muita coisa do nosso atual cotidiano tenha sido inspirada a partir desse gênero, e ainda continua surgindo, muitas das elucubrações e previsões continuam sendo hipotéticas e apenas desejos. Infelizmente uma dessas é a viagem interestelar. É comum ler /escutar a seguinte frase (certamente com variantes, mas vale aqui para o exercício cético):
“O homem já mandou máquinas a outros planetas, portanto acredito que extraterrestres puderam ter nos visitado no passado.”
Pretendo mostrar que este argumento é fraco, ou pelo menos é um exagero concluir visitas extraterrestres a partir dessa comparação.
Inicialmente é necessário recordar algumas definições quando estamos nos referindo a distâncias cósmicas. Uma delas é o ano-luz. Fácil: é uma medida de comprimento (e não tempo) de valor aproximadamente de 10 trilhões de quilômetros (um trilhão = 1 seguido de 12 zeros). Portanto, dado as distâncias cósmicas, é natural que se use essa escala. Porém, alguns objetos estão bem pertos da Terra, e podemos utilizar submúltiplos do ano-luz (apenas com regra de três). Exemplo de distâncias:
Terra-lua: 1,25 segundos luz
Terra-Sol: 8 minutos-luz
Por exemplo, se o sol se apagasse nesse exato momento, demoraríamos 8 minutos para perceber isso. Isso porque a luz tem uma velocidade no vácuo de aproximadamente 300 000 Km/s. Uma das consequências do trabalho de Einstein foi demonstrar que nada no Universo viaja mais rápido que a luz. Viajar nessa velocidade significa que para ir até a lua demoraríamos 1,25 segundos. Entretanto não dispomos dessa tecnologia, e é por isso que a viagem até ao nosso satélite natural será mais demorada tanto quanto mais lenta for a velocidade da nossa espaçonave.
O planeta mais distante que conseguimos mandar uma sonda com o objetivo de pousar na superfície foi em Marte (embora a sonda Huygens tenha atingido o solo da lua Titã, mais longe que Marte, isso só ocorreu uma vez e enviou sinais por 90 minutos) . O planeta vermelho dista da Terra em torno de 225 milhões de Km, o equivalente de 12,5 minutos-luz (é um valor médio, pois essa distância é variável e depende da órbita elíptica dos planetas).  Uma grande façanha, sem dúvidas. Entretanto ainda estamos no quintal cósmico. O planeta Marte faz parte de nosso sistema solar, este que ainda conhecemos deveras pouco.
Nesse exato momento temos outra razão para se orgulhar da tecnologia humana. Refiro-me a sonda Voyager, o objeto mais veloz lançado ao espaço, que partiu da Terra há 35 anos e percorreu desde então 18,5 bilhões de Km, com uma média de velocidade de 17 Km/s (~ 61 000 Km/h).
Espera-se que nos próximos anos a sonda alcance o limite de nosso sistema solar. Uma comparação útil para entender melhor a monstruosidade das distâncias envolvidas em (futuras) viagens estelares pode ser realizada através dos dados da sonda Voyager 1. Os 18,5 bilhões de Km percorridos pela sonda correspondem a aproximadamente 17 horas-luz. Na prática, isso seria o equivalente a executar mais de 1.450.000 voltas em torno do planeta Terra (quase um milhão e 500 mil voltas).  Sim, é bastante; porém perfeitamente crível dado o tempo de 35 anos que a sonda já foi lançada.
Ainda assim, o limite do sistema solar é uma distância desprezível comparada às distâncias estelares. Isso porque a distância da estrela mais próxima da Terra (próxima centauri) está a 4,2 anos-luz. Mantendo a comparação acima, viajar para esta estrela (e portanto visitar os planetas deste sistema) seria o equivalente a mais de 3 bilhões de voltas ao redor do planeta Terra. E o tempo para essa façanha? Considerando a velocidade média da Voyager, demoraria 73 mil de anos para se alcançar a próxima centauri. Esse tempo é gigantesco na escala humana; e para efeito de comparação considere que o comportamento moderno da nossa espécie foi atingindo há cerca de 50 mil anos.
Outra maneira de visualizar isso é comparar a distância da qual a sonda já percorreu até hoje, ou seja, 17 horas-luz e descontar de 4,2 anos-luz. Apenas para completar um ano-luz já seria necessária uma distância extra a percorrer de 8749 horas-luz (ou 9,4 trilhões de Km – equivalente a 730 milhões de voltas ao redor da Terra).
Vale salientar que não é somente a velocidade um fator decisivo. Uma viagem dessas exigiria uma quantidade imensa de energia. Nesse sentido, cálculos sugerem que mesmo se fosse disponível um reator de fusão nuclear (tecnologia do qual ainda não dispomos), seria necessária uma quantidade de combustível ao equivalente de mil navios supertanques, e ainda o tempo de viagem poderia ser reduzido para no máximo 900 anos. Isso motiva mais uma pergunta: como levantar a partir do solo uma massa tão gigantesca como esta? Outro interessante cálculo estima que para uma espaçonave viajar até a estrela mais próxima mantendo 70% da velocidade da luz (certamente uma façanha extraordinária, lembrando que a Voyager mantém a média de 0,005% da velocidade da luz) seriam necessários uma quantidade de energia igual a 2,6x1016 Joules (2,6 seguido de 16 zeros). Na prática, isso significa o equivalente de toda energia elétrica produzida no planeta durante 100 mil anos, e ainda assim a viagem tomaria 6 anos.
Ainda é possível questionar independente de cálculos. Uma civilização extraterrestre deve, obviamente, ser tecnologicamente capaz de enviar sondas ao nosso planeta. Isso pressupõe não somente o aparecimento de vida em outro planeta, mas também que essa vida eventualmente tenha conseguido ter uma evolução tecnológica capaz de investigar o Universo e criar máquinas inteligentes. E mais, apenas o eventual surgimento de uma civilização tecnológica não garante que ela seja capaz de vencer a dificuldade das viagens interestelares.  E mesmo que consiga, dado a vastidão do Universo, é outro desafio que o alvo da visita seja necessariamente o planeta Terra. Além disso, mesmo se todos esses requisitos fossem fáceis de ocorrer no Cosmos, ainda temos que supor o interesse de uma civilização por investigar o Universo. Quem sabe esse desejo não seja algo intrínseco a própria natureza humana; uma espécie de busca antropocêntrica para amenizar a solidão e o silêncio cósmico.
            O fato de nossa espécie humana ter interesse de investigar outros mundos e, apesar de ainda estarmos engatinhando, de fato temos visitado outros lugares no Universo não segue disso que o mesmo deva acontecer com uma civilização extraterrestre. E se ela existe (acredito que sim, e nesse sentido encontro a defesa disso através do princípio da mediocridade ou, na linguagem de Barcelos, no pluralismo), deverá vencer uma dificuldade técnica monstruosa para poder levar à cabo viagens desse tipo. Isso tudo elimina com certeza absoluta a visita de extraterrestres (no passado ou futuro)? Certamente não. Mas torna este evento muito improvável, sobretudo quando as alegações de visitas no passado carecem de evidências. Portanto, defender que extraterrestres já nos visitaram deve ir muito além de alegações ou opiniões populares com fraca justificação. A forte adesão pela vontade que algo tivesse acontecido não garante que de fato tenha ocorrido. E para avaliar isso devemos encaminhar nossa observação a um escrutínio que seja apoiado nas razões pelas quais deveríamos acreditar em algo.
(Texo também publicado no Universo Racionalista)