[Texto publicado no blog da Liga Humanista do Brasil - Bule Voador]
Um dos
maiores mitos acerca do aquecimento global diz respeito ao não consenso na
comunidade científica da existência desse fenômeno. Entretanto, o aquecimento
global é um fato, e é consenso na comunidade científica. Além disso, existem
evidências suficientes para alegar que o aquecimento global atual é, em grande
parte, consequência de ações humanas.
O
processo de publicação em periódicos científicos internacionais ocorre através
de um escrutínio no qual outros pesquisadores da mesma área avaliam a
possibilidade ou não de publicação de um artigo (chamado de avaliação por
pares). Nesse sentido, a possibilidade de existir uma conspiração acerca do
fenômeno aquecimento global é uma alegação que exige provas. A maioria dos
negacionistas não apresentam as evidências da conspiração, tampouco dados que
refutem os dados empíricos e os obtidos através de simulações dos modelos
climáticos. Sendo assim, este texto tem o objetivo de mostrar, embora de
maneira não exaustiva, que: i) o fenômeno do aquecimento global é consenso na
literatura científica, e ii) existem evidências suficientes para sustentar a conclusão
de que o aquecimento global dos últimos 50 anos têm uma causa majoritariamente
antropogênica.
Um levantamento
dos artigos publicados entre os anos de 1993 e 2003 realizado por Oreskes &
Peiser [1] demonstrou não existir sequer um artigo publicado nesse ínterim o
qual rejeitasse a proposição que o aquecimento global é de causa antropogênica.
Enquanto 75% dos trabalhos concordaram com essa posição, os 25% restantes não
comentaram diretamente sobre a causa do aquecimento (focaram nos método ou nas
análises paleoclimáticas). Vale ressaltar que só foram levados em consideração
nesse levantamento os artigos publicados através de uma avaliação por pares.
Outro
estudo independente, realizado por Anderegg e colaboradores [2], conclui
indicado um valor entre 97 a 98% dos especialistas dos estudos em climatologia
que professam concordância com a alegação
do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change): “os gases de efeito
estufa antropogênicos são responsáveis pela maior parte do inequívoco aumento
na média global da temperatura desde a última metade do século 20.”
Não
é difícil entender o porquê da imensa maioria dos cientistas concordarem com os
resultados desses estudos. Abordagens independentes realizadas por
pesquisadores convergem no sentido de apontar os seres humanos como causadores
majoritários do efeito estufa ao longo do ultimo século.
Meehl
e colaboradores [3] simularam modelos climáticos os quais levaram em
consideração os principais fatores que influenciam a temperatura global:
emissões humanas de gases de efeito estufa, atividade solar, aerosol vulcânico
e humano e ozônio. Segundo os autores, embora entre 1910 e 1940 a principal
causa do aumento no aquecimento pudesse ser atribuída a causas naturais, não
era possível alegar o mesmo para o aquecimento que o planeta Terra tem
enfrentado desde a segunda metade do século 20. Além disso, foi estimado que
aproximadamente 80% do aquecimento global entre 1890 a 2000 foi devido a causas
antropogênicas.
Abordagens estatísticas foram realizadas por autores independentes.
Em 2008, Lean & Rind [4] utilizaram uma ferramenta matemática chamada
regressão linear múltipla (técnica capaz de analisar a contribuição de diversas
variáveis independentes sobre uma variável dependente, neste caso a temperatura)
para estimar a contribuição de diferentes fatores no aquecimento global da
superfície da Terra.
Figura 1: Causas do aquecimento global
na superfície para 4 intervalos de tempo (Adaptado
de skepticalscience.com).
A
partir da Figura 1 é possível notar que o aumento da temperatura global na
superfície é predominantemente de causa antropogênica (barra roxa) em todos os
intervalos de tempos. Além disso, a abordagem estatística não destoa dos dados
captados por estações meteorológicas (representado pela barra HadCRUT de cor azul clara). Os autores ainda concluem
que entre 1889 e 2006, os humanos causaram aproximadamente 80% do aquecimento, enquanto
apenas 12% pode ser atribuído a causas naturais (a conta não fecha 100% devido
a imperfeições inerentes ao modelo estatístico, bem como nem todos os fatores
terem sido levados em consideração).
Dois
anos depois, em um trabalho independente, Scott e colaboradores [4] constataram
resultados semelhantes aos de Lean & Rind. Desta vez, foram realizados simulações
de cinco modelos climáticos distintos. Considerando o resultado médio desses
modelos, a contribuição humana para o aquecimento global chega a 86%. Os
autores reforçam a detecção da influência humana no clima da Terra através de
fenômenos como seca, derretimento de gelo no Ártico, mudança de salinidade nos
oceanos, umidade atmosférica e inúmeros outros impactos climáticos regionais.
Entre
os trabalhos mais recentes, destaca-se o de Gillet e colaboradores [6] . Para o
estudo foi utilizado a última geração de um modelo canadense (CanESM2) que
acopla as dinâmicas do oceano e atmosfera
com ciclo de carbono. Um resultado parcial desse trabalho está ilustrado
na Figura 2.
Figura 2: atribuição de causas de
mudança na temperatura média do planeta para três intervalos de tempo (Adaptado
de Gillet e colaboradores [6]).
Na
Figura 2 é dada a seguinte atribuição de cores: vermelha aos gases de efeito
estufa, verde a demais efeitos antropogênicos, e azul a causas naturais.
Nota-se que em todos os três períodos a mudança de temperatura sempre foi
dominantemente causada por gases de efeito estufa. As barras verticais indicam
as incertezas associadas; a barra horizontal tracejada indica a soma das 3
tendências consideradas, e a barra horizontal contínua representa o valor observado dessa soma. Em outras palavras, há excelentes
concordâncias entre a simulação das forças (gases efeito estufa, outras
antropogênicas e causas naturais) causadoras do aquecimento global com os dados
observados; portanto, sugere que o modelo possui confiabilidade para indicar as
causas do aquecimento global.
Por
fim, é importante frisar que todos os trabalhos citados convergem para a mesma
conclusão: os humanos têm sido causadores dominantes do aumento da temperatura
média global, pelo menos, nos últimos 100 anos.
Referências
[2] Anderegg, W., Prall, J., Harold, J., & Schneider, S. (2010). Expert credibility in climate change Proceedings of the National Academy of Sciences, 107 (27), 12107-12109 DOI: 10.1073/pnas.1003187107
[3] Meehl, G. A., Washington, W.A., Ammann, C.M., Arblaster, J.M., & Wigley, T.M., Tebaldi (2004). Combinations of Natural and Anthropogenic Forcings in Twentieth-Century Climate J. Climate DOI
10.1175/1520-0442(2004)017
[4] Lean, J., & Rind, D. (2008). How natural and anthropogenic influences alter global and regional surface temperatures: 1889 to 2006 Geophysical Research Letters, 35 (18) DOI: 10.1029/2008GL034864
[5] Stott, P., Gillett, N., Hegerl, G., Karoly, D., Stone, D., Zhang, X., & Zwiers, F. (2010). Detection and attribution of climate change: a regional perspective Wiley Interdisciplinary Reviews: Climate Change DOI: 10.1002/wcc.34
[6] Gillett, N., Arora, V., Flato, G., Scinocca, J., & von Salzen, K. (2012). Improved constraints on 21st-century warming derived using 160 years of temperature observations Geophysical Research Letters, 39 (1) DOI: 10.1029/2011GL050226
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