O ano foi de isolamento. Isso ajudou tirar da prateleira livros ainda não lidos, bem como se manter informado em leituras novas sobre assuntos bastante atuais.
Selecionei aqui 05 livros que mais gostei de ler em 2020. Dou uma rápida explicação sobre eles. Todos são facilmente encontrados em versões físicas e/ou digitais (no meu caso através do Kindle). Não está em ordem de preferência. Acontece que os temas são tão diversos que cada um deles eu gostei por razões diferentes.
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# Agricultura: Fatos e Mitos #
Três autores (dois deles grandes nomes na área: Xico Graziano e Décio Luiz Gazzoni) trazem uma série de fatos e mitos sobre a agricultura brasileira. É um livro incrível porque consegue com sucesso satisfazer uma demanda reprimida de divulgação científica séria sobre esse assunto. Na verdade os assuntos, pois são vários:
desmatamento, pesticidas, orgânicos, transgênicos, etc.
* Lembra aquela crença que alimento orgânico é sempre e inequivocadamente melhor que o alimento convencional ? É mito.
* Lembra aquela crença que o plantio transgênico aumentou a produtividade de várias plantações e não tem risco à saúde humana? É verdade.
* Lembra aquela crença que em 2019 houve aumento de desmatamento na Amazônia Legal? É verdade, porém o maior pico de desmatamento registrado em uma série histórica ocorreu em 2004.
E por aí vai. Cada uma dessas está recheado de evidências e citações na literatura.
Talvez uma das coisas exageradas do livro é o título, pois pode impedir o primeiro acesso ao livro justamente de pessoas que mais precisam dele. De todo modo, o conteúdo é ótimo porque abre uma discussão importante. A escritora fez um trabalho de investigação, mantendo a compaixão que o assunto merece. O livro foca em crianças (não em adultos), sobretudo em meninas pré-púberes. O assunto pode ser explosivo para a cabeça de algumas pessoas, mas merece atenção e discussão. Por essa razão vou me prolonga rum pouco mais nesse livro.
Segundo a tese dela, uma espécie de epidemia silenciosa está se espalhando entre as adolescentes. Após um extenso levantamento de dados, nos é apresentado a uma suposta epidemia em garotas que, subitamente, sem qualquer sinal prévio, passam a se identificar como transgênero. Embora certamente haja casos reais de crianças transgêneros em tenra idade, o que tem sido observado é que as adolescentes estão sendo induzidas a aceitar a “transição de gênero” a partir de uma premissa bastante difundida em países ricos (EUA, Canadá, Inglaterra e Suécia) baseada no "consentimento informado", a qual se baseia única e exclusivamente na afirmação das garotas. Consultas psicológicas para avaliar outras possíveis causas de seus transtornos (como depressão, ansiedade ou déficit de atenção) são desencorajadas com ameaças, inclusive médicos tendo clínicas fechadas. Nos círculos mais progressistas uma pequena centelha de dúvida na palavra da criança pode virar acusação de transfobia, inclusive com perda de emprego.
Classicamente, a incidência esperada de disforia de gênero é algo entre 0,005 a 0,014% entre meninos. Em meninas é ainda menor: Entre 0,002 a 0,003%. Trocando em miúdos: Se esses dados são precisos, isso significa uma incidência da disforia clássica de menos de 1 em 10.000 pessoas. No entanto, na última década, conforme o livro discute, a disforia de gênero na adolescência parece ter aumentado expressivamente. Só nos EUA a prevalência aumentou em mais de 1.000 por cento. Ou seja: em vez de um caso a cada mil pessoas, como era de se esperar, estimativas sugerem um aumento de um a cada cinquenta. No outro lado do mundo, na Suécia, entre os anos de 2008 e 2018 houve um aumento de 1.500% em diagnósticos de disforia de gênero entre meninas de 13-17 anos de idade. Coisa similar foi constatado na Inglaterra.
Isso tudo saltou os olhos de muitas autoridades, inclusive pais, e a razão disso é a escalada que ocorre após a menina se reconhecer como menino: primeiro, a troca de pronome; depois, o uso de bloqueadores de hormônios; na sequência, uso de testosterona; e, por fim, cirurgia de remoção de mamas e/ou faloplastia. Isso tudo tem acontecido (pelo menos até a ingestão de testosterona) em meninas com idade a partir de 12 ou 13 anos. Algo que me chamou a atenção: O perfil da grande maioria desses casos são de meninas de classe média/alta, brancas, de família com valores progressistas e com elevado acesso diário a redes sociais.
É bem sabido que a disforia de gênero (pelo menos a clássica disforia) acomete principalmente os meninos e mesmo assim não em taxas elevadas como as que se tem visto hoje. Em um artigo científico recente publicada na renovada revista PLOS ONE, uma pesquisadora chamou esse novo fenômeno de "disforia de gênero de início rápido" (rapid onset of gender dysphoria). A questão é: essa nova disforia é uma coisa real? Talvez, ninguém tem a resposta final ainda. Tem muita coisa explanatória.
Algumas leituras extras:
Artigo na PLOS ONE: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6095578/
Reportagem sobre os caso na Suécia: https://www.theguardian.com/.../ssweden-teenage...
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Na esteira do livro anterior, este da neuroscientista e sexóloga Debra Soh é, de certa forma, mais abrangente. O tema não é menos espinhoso também. Mas é mais espinhoso para quem está contaminado com a cabeça no ativismo identitário, vive no twitter, tumblr e só lê Judith Butler e/ou Foucault. No mundo real, eis alguns fatos discutidos no livro:
- Só existem dois sexos na natureza humana;
- Em mais de 99% das pessoas o gênero sexual é idêntico ao seu sexo;
- Sexo biológico não é um espectro (quem acredita nisso confunde característica sexual primária com característica sexual secundária);
- Sexo biológico não é definido através dos cromossomos (XX ou XY);
- Sexo biológico é definido pelos gametas. Na espécie humana só tem dois tipos: esperma e óvulo. Não existe intermediário.
- Reconhecer o fato acima não impede reconhecer a dignidade de pessoas transexuais, pois, sim, existem pessoas que caem nessa classificação, e isso não está em contradição com as afirmações anteriores;
- Pessoas intersexo existem, são em número bastante minoritário, e ainda assim a existência dessas pessoas não entra em conflito com as afirmações acima;
- Pessoas com o gênero identificado como demigênero-fluido, bigênero neutrois, demigirl, aliagender, pangender, demiboy e mais uns outros 70 possíveis (cada mês a lista aumenta) é um fenômeno curioso, mas é, provavelmente, coisa de ativista com pouca curiosidade sobre o mundo.
Livros de divulgação científica modernos, em português, e de qualidade, ainda é coisa escasso no Brasil. Este aqui, feito em colaboração com um professor da Universidade de Ouro Preto (aliás, o professor
Desidério Murcho
é uma figura que merece ser seguida nas redes) tenta suprimir essa escassez. A obra é acessível para quem nunca leu algo sobre filosofia, e ainda deixa um gosto de querer mais. Os ensaios discutem temas como valores éticos (subjetivos e objetivos), valores políticos, fundamentos da fé, fundamentos do conhecimento e fundamentos estéticos. Enfim, vários temas de filosofia são explorados aqui. E ainda consegue oferecer um texto que não busca fazer proselitismo em nenhum dos assuntos. Na medida do possível, apresenta sempre uma ou duas versões de pontos e contrapontos de uma posição. ---------
Descobri esse livro acidentalmente, durante um episódio do podcast do Sam Harris entrevistando o Frank Ostaseski. Frank foi fundador do Zen Hospice Project em San Francisco. Nesse lugar dedicou boa parte da vida explorando o cuidado compassivo em pacientes em estado terminal. Não foram poucas as vezes que eu deixar me levar na emoção dos casos contado pelo Frank. O fim da vida, da nossa ou de entes queridos, nos convida a receber a refletir sobre situações que poucas vezes nos deparamos. Seu livro nos oferece cinco convites para participar desse processo inevitável: Não espere; aceite tudo, não rejeite nada; traga tudo de si para a experiência; encontre um lugar de descanso no meio de tudo e cultive o não saber. Além de nos brindar com conselhos teóricos que valem a pena ser seguidos, nos incentiva a prática da meditação mindfulness. A leitura foi muito agradável.
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