segunda-feira, 28 de março de 2016

A ética cristã

Originalmente postado no blog Bule Voador


Muitos cristão professam encontrar nos ensinamentos morais de Jesus as respostas para todas as questões morais da vida modera. Desnecessário dizer, Jesus abordou pouquíssimas das preocupações morais da sociedade atual. Por exemplo, ele não disse nada diretamente sobre a moralidade ou imoralidade do aborto, a pena de morte, guerra, escravidão, contracepção, ou discriminação social ou racial. Infelizmente, não é claro o que se pode deduzir sobre estes tópicos a partir de seus ditos ou de sua conduta prática. Sua doutrina de não resistir ao mal sugere que ele seria contra todo tipo de guerra, porém seu comportamento violento contra os cambistas nos templos sugere que ele pode considerar a violência como uma causa santa justificada. Seu dito “ame seu vizinho”, que implica amar seus inimigos, sugere que ele seria contra a pena de morte, porém suas ameaças ao fogo do inferno aos pecadores sugere que às vezes ele possa considerar a morte ou outra punição violenta como apropriada. 


Jesus não faz nenhum pronunciamento explícito sobre questões morais relacionadas ao socialismo, democracia, tirania e pobreza e o que pode-se inferir a partir de algumas coisas que ele diz parece estar em conflito com outras coisas. Considere sua atitude contra a pobreza. Sua defesa de vender tudo e dar aos pobres (Lucas 18:22) pode sugerir que ele se opunha à pobreza e queria eliminá-la. Entretanto, quando uma mulher usou um unguento caro na cabeça — e assim pudendo ser vendidos e dado o dinheiro aos pobres –, ela foi repreendida por discípulos, e Jesus a defendeu dizendo que “você tem sempre os pobres com você” (Mateus 26:11). Ele também parecia defender a pobreza material afirmando que um homem rico não pode entrar no Reino dos Céus (Mateus 9:23-24) e também que os pobres são abençoados e que deles é o reino dos céus (Lucas 6:20). Em alguns casos, o silêncio de Jesus sobre a moralidade de uma prática pode só pode ser interpretada como uma aprovação tácita. Por exemplo, embora a escravidão fosse comum no tempo de Jesus, não há nenhuma evidência de que ele atacou a prática. Como Morton Smith observou (*): 

Havia inúmeros escravos do imperador e do estado romano; o Templo de Jerusalém tinha escravos; o Sumo Sacerdote possuía escravos; todos os ricos e quase todo a classe média possuíam escravos. Tanto quanto nos é dito, Jesus nunca atacou esta prática. Ele entendeu esse estado de coisas como garantida e moldou suas parábolas em conformidade. Como Jesus coloca, o principal problema para o escravo não é para se libertar, mas para ganhar elogios de seu mestre. Parece ter havido revoltas de escravos na Palestina e na Jordânia na juventude de Jesus; e um líder milagroso de uma tal revolta teria atraído um grande número de seguidores. Se Jesus tivesse denunciado a escravidão, deveríamos quase certamente deveríamos ter indícios disso. Nós não temos estes indícios, então a suposição mais provável é que ele não disse nada a respeito. 


Além disso, se Jesus tivesse sido contra a escravidão, é provável que o seus seguidores anteriores teriam seguido seus ensinos. No entanto, Paulo (1 Corínios 7:21,24) e outros escritores cristãos primitivos guiavam os cristãos para continuar a prática de escravidão. Infelizmente, a aparente prática de aprovação tácita da escravidão de Jesus é obscurecida pela versão revisada e autorizada do Novo Testamento de uma tradição grega da palavra “doulos” como “servo” Por exemplo, na Versão Revisada Padrão, Jesus diz que o servo é como seu mestre (Mateus 10:25). Uma tradução mais exata seria que um escravo é como seu mestre.
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 Fonte: Trecho do capítulo Christian Ethics, do livro The Case Against Christianity, escrito por Michael Martin (*)Reirado do “Biblical Arguments for Slavery,” em Free Inquiry 7 (Spring 1987): 30.

domingo, 27 de março de 2016

Deus, uma hipótese improvável

Publicado originalmente no blog Bule Voador

Estima-se algo em torno de 8,7 milhões de espécies habitando atualmente o planeta. Também tem sido descobertas cerca de 15.000 novas espécies novas a cada ano. Isso sem falar no total de espécies já existentes em toda a história dos 4,5 bilhões de anos do planeta, que deve beirar na faixa dos 5 bilhões. Lá fora, no cosmos, os números são ainda mais impressionantes: Só na nossa galáxia, a via láctea, estima-se existir 100 bilhões de planetas. Estimativas tímidas sugerem algo em torno de 200 bilhões de galáxias no universo, que podem conter alguns 17 bilhões de planetas semelhantes à Terra (sem mencionar os outros bilhões de planetas não rochosos, do tipo Júpiter, que abundam o Universo). Até onde sabemos, há apenas uma única espécie que desenvolveu habilidade cognitiva de perscrutar criticamente o ambiente em que vive. Em nosso planeta nós somos a única espécie capaz disso.

No meio dessa monstruosidade de números, alguns — com arrogância ou medo da solidão cósmica –, alegam que há alguma entidade responsável pela criação dos mundos e das espécies. Mais estranho ainda, que esta entidade de alguma forma se preocupa com os interesses humanos. O que não deixa de ser curioso é justamente a correlação existente entre a espécie que desenvolveu raciocínio e um dos seus sub-produtos culturais mais populares: A existência de Deuses. Uma das dificuldades em sustentar essa crença é a tentativa de inserir qualidades aos Deuses que são comportamentos e vontades flagrantemente humanas. Quando alguém atribui consciência, preocupação moral, inteligência, criatividade e poder de criação (especialmente criação de seres à “imagem e semelhança” de Deus) está antropomorfizando e antropocentrizando a suposta entidade. Não há nenhuma novidade nisso, já que reflete coisas como o que Xenófanes já percebeu há mais de 2.000 anos: “Se os bois e os cavalos tivessem mãos e pudessem pintar e produzir obras de arte similares às do homem, os cavalos pintariam os deuses sob forma de cavalos e os bois pitariam os deuses sob forma de bois.”

Este é um dos problemas: Dedicar importância excessiva a atributos relacionados a uma espécie que representa uma fração muitíssimo pequena de todo o universo não é a melhor estratégia para mostrar plausibilidade de uma entidade teísta. Como já dito, somos apenas uma espécie das 5 bilhões que já existiram em um planeta num universo que pode existir outros 17 bilhões de planetas parecidos. Disso se segue que as suposições antropomórficas e antropocêntricas são, com elevada probabilidade, possivelmente falsas. Em miúdos: Só há um tipo de inteligência que tivemos acesso até hoje, a inteligência humana. Logo, há uma grande chance de que a criação de deuses seja um produto dessa inteligência.

No que diz respeito a influência de Deus no mundo, encontra-se no imaginário popular a ideia de que “ele sabe o que faz”. Para ilustrar o quanto o senso comum muitas vezes só reproduz crenças preguiçosas, tomemos o exemplo de um recente desastre natural. No estado de São Paulo, o recente deslizamento já ceifou a vida de 16 pessoas, além de causar sofrimento humano e material em habitantes de várias cidades. A pergunta é: Sabe Deus o que faz? Há algumas maneiras de tentar explorar com mais claridade essa pergunta, como: Ele sabe por que foi ele quem o fez? Ou apenas sabe e não faz nada para impedir? Ou tenta fazer algo e não consegue? Ora, se ele causou o desastre, então não é benevolente. No entanto, se ele não causou, mas apenas tem conhecimento do ocorrido, então não fez nada para impedir. Logo, não é onipotente. Se ele tentou evitar mas não conseguiu também não é onipotente. Ou ele não sabe? Então não é onisciente. Então por qual razão chamá-lo de Deus?

É possível articular algumas respostas para as questões anteriores, muito embora nem sempre o teísta que apenas repete ideias do senso comum as apresente. Uma delas é a que se segue. Deus possui todos os atributos (como benevolência, onipotência, onisciência, onipresença), mas abre mão conscientemente e temporariamente de alguns deles para que, sob a ação do mal, os humanos possam mostrar o melhor de si. Entretanto, isso ainda traria outros problemas, já que não é óbvio que a existência do mal incremente a existência do bem e não responde sobre a incompatibilidade dos atributos.

Para muitos, a ideia de um Deus é uma crença psicologicamente agradável. Apesar de toda a insistência e ligação emocional com a hipótese da existência de Deuses, a possibilidade dessa(s) entidade (s) não parece plausível. E uma vez concluindo isso, e se é com a verdade que estamos comprometidos, não é pelo fato de uma crença ser emocionalmente confortante que ela deve ser mantida.

Ceticismo sobre a ressureição


1. Uma alegação de milagre é inicialmente improvável em relação ao nosso conhecimento prévio;
2. Se a alegação é inicialmente improvável em relação ao nosso conhecimento prévio e as evidências para ela não são fortes, então não deve ser acreditado;
3. A ressurreição de Jesus é uma alegação de milagre;
4. A evidência para a ressurreição não é forte;
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Portanto, a ressurreição de Jesus não deve ser acreditada.
Enquanto que a premissa 2 é auto-evidente, e a premissa 3 é uma definição, as premissas 1 e 4 são as que requerem justificações.
*Premissa 1: A probabilidade inicial das alegações miraculosas
Por que supor que a ressurreição, como uma reivindicação milagre, inicialmente é improvável? Tradicionalmente um milagre é definido como uma violação de uma lei da natureza causada pela intervenção de Deus. A improbabilidade de milagre no sentido tradicional pode ser entendidos da seguinte forma. Para o bem do argumento, suponhamos que o teísmo, a crença na existência de Deus, é verdade. Então podemos esperar uma intervenção de Deus curso natural dos acontecimentos de forma a violar uma lei natural? Nós não podemos. Se o teísmo é verdade, então milagres no sentido de uma intervenção divina são possíveis, uma vez que há um ser sobrenatural que poderia fazê-los, mas isso não quer dizer que tais milagres são mais propensos de ocorrer do que não ocorrer. De fato, Deus teria boas razões por nunca utilizar milagres para alcançar seus propósitos. Deve-se considerar que este tipo de milagre não pode ser explicado pela ciência e, na verdade, é um impedimento para uma compreensão científica do mundo. Considere também que grandes dificuldades e controvérsias surgem em identificação de milagres. Seja qual for os bons efeitos que os milagres possam ter, eles também impedem, enganam e confundem. Uma vez que um Deus todo- poderoso parece ser capaz de alcançar seus propósitos de maneiras que não têm efeitos infelizes, concluo que há realmente motivo para supor que a existência de milagres é inicialmente improvável mesmo em uma visão religiosa do mundo.
[...]
Vamos supor que é provável que Deus faria sacrificar seu filho para a redenção da humanidade. Ainda não se seguiria que a encarnação e a ressurreição são eles próprios prováveis, pois estes eventos aconteceram em um tempo e local particular. No entanto, Deus poderia ter encarnado e morrido pelos pecadores em um número indefinido de outras ocasiões.
Não parece haver qualquer razão a priori para supor que ele teria encarnado, ou tivesse morrido, em um tempo e local particular em detrimento de outros tempos e lugares e em diversas outras maneiras. Consequentemente, mesmo que alguma encarnação ou ressurreição seja provável, não há uma razão a priori para supor que ele teria encarnado e morrido como Jesus no primeiro século da Palestina em uma cruz e ressuscitado em relativa obscuridade. Na verdade, dada as inúmeras alternativas à disposição de Deus, parece improvável que a encarnação e a ressurreição teriam acontecido no local e tempo onde supostamente aconteceu.
*Premissa 4: A insuficiência generalizada das evidências
O corpo de Jesus ressuscitado foi supostamente transformado em um corpo sobrenatural vivo. Sendo assim, todas as declarações a seguir devem ser verdadeiras:

1. Jesus é incapaz de ser ferido a qualquer momento após 33 d.C.
2. Jesus é incapaz de morrer a qualquer momento após 33 d.C.
3. Jesus é incapaz de envelhecer a qualquer momento após 33 d.C.
4. Jesus é incapaz de estar doente a qualquer momento após 33 d.C.
5. Jesus é capaz de se mover à vontade instantaneamente de um lugar para outro a qualquer momento depois de 33 d.C.
6. Jesus é capaz de atravessar paredes em qualquer momento após 33 d.C.
Vamos chamar de Jesus sendo trazido de volta à vida com esses atributos de sentido forte da ressurreição, e sendo trazido de volta à vida sem atributos sobrenaturais de sentido fraco da ressurreição. A maioria das evidências citadas para a ressurreição de Jesus, mesmo que esteja livre de outros problemas, não dá suporte à ressurreição no sentido forte. Por exemplo, a alegação do túmulo vazio, a conduta dos discípulos, muitos das pós-aparições da ressurreição e a ascensão do cristianismo, no máximo suportam a ressurreição no sentido fraco. Na verdade, as únicas provas relevantes que podem sustentar alguma versão da ressurreição no sentido forte parece ser as descrições de aparições do Jesus ressuscitado em que é dito que ele teria manifestado habilidades sobrenaturais em algum tempo e lugar particular.
Isto significa que todo o ônus para a afirmação de que Jesus ressuscitou no sentido forte sentido repousa sobre estas poucas descrições. Mas, mesmo que tais descrições são precisas, a ressurreição de Jesus no sentido forte não estaria comprovada. Por exemplo, suponha que um tenha razão para acreditar que Jesus não foi ferido por algum evento que ferido seus discípulos. Isso não seria suficiente para suportar a declaração (1) [Jesus é incapaz de ser ferido a qualquer momento após 33 d.C.]. Para satisfazer, alguém só poderia inferir essa conclusão ou a partir de uma teoria geral e bem aceita ou mostrar evidências que Jesus não foi ferido em uma gama de outras circunstâncias após 33 d.C. Mas nenhuma teoria está disponível, e os tipos de provas necessárias estão em falta.
[...]
A probabilidade de ressurreição é inicialmente baixa. Embora Deus poderia fazer milagres, não há razão para supor que no máximo ele iria fazê-lo raramente. Mesmo que alguém assuma que Deus fizesse uso de um milagre para salvar a humanidade, há muitas outras maneiras ele poderia fazer isso sem sacrificar seu filho e ressuscitá-lo. Além disso, mesmo se ele escolheu a encarnação, morte e ressurreição, não há nenhuma razão para pensar que deveriam ser no lugar e tempo onde supostamente aconteceu.
Desde a ressurreição é improvável, a evidência para ela deveria ser muito forte, mas não é. Alegadamente, Jesus foi ressuscitado no sentido forte, isto é, trouxe de volta à vida transformada em um ser com os atributos sobrenaturais. Contudo, a evidência de costume citada, por exemplo, o túmulo vazio, é irrelevante para o estabelecimento que Jesus tinha esses atributos. Além disso, o tipo de prova que é necessário é indisponível. Além disso, mesmo se assumirmos que Jesus ressuscitou no sentido fraco, a prova não é forte o suficiente para superar a improbabilidade inicial.
[...]
Se a ressurreição realmente ocorreu, Deus não seria incerto que fez: Teria feito como um evento para além da dúvida racional. Um argumento semelhante é dado por J. L. Schellenberg (1993), que alega que a existência de descrença razoável é evidência contra a existência de Deus. Portanto, a grande importância teológica da ressurreição é incompatível com a sua incerteza epistêmica.
[Livre tradução do artigo "Skeptical Perspectives on Jesus ’ Resurrection", Micahel Martin in The Blackwell Companion to Jesus -Wiley-Blackwell (2010)]