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Crédito: Credit: Maslov and Tkachenko |
Quando
a vida na Terra começou há mais 4 bilhões de anos - muito antes dos
seres humanos, dos dinossauros ou até mesmo as primeiras formas
unicelulares de vida -, ela pode ter iniciado como um "soluço" ao invés
de um "rugido": Blocos simples de construção moleculares, conhecidos
como monômeros, foram agregando-se em cadeias mais longas, chamadas de
polímeros, e, sequencialmente, acabaram indo em direção a lagos quentes -
que alguns chamam de lodo primordial.
Então,
em algum momento, essas cadeias poliméricas crescentes desenvolveram a
capacidade de fazer cópias de si mesmas. A concorrência entre
tais moléculas garantiria a existência das mais eficientes na tarefa e,
também, a capacidade de fazer cópias mais rápidas ou com maior
abundância -- traço que seria compartilhado pelas cópias geradas. Esses
replicadores rápidos poderiam preencher o lodo primordial com mais
velocidade do que os outros polímeros, permitindo que a informação por
eles codificada pudesse ser passada de uma geração para outra,
eventualmente, dando origem ao que nós pensamos hoje como a vida.
Mas,
sem registro fóssil para verificar os acontecimentos da Terra
primordial, temos uma narrativa que ainda está ausente de alguns
capítulos. Uma questão em particular continua a ser problemática: o que
permitiu o salto de uma sopa primordial constituída de monômeros
individuais para cadeias de polímeros autorreplicantes?
Uma nova proposta, publicada nesta semana no The Journal of Chemical Physics,
postula que a ligação de polímeros pode ter sido auxiliada por uma
molécula-modelo, ou seja, a união de dois polímeros auxiliada por essa
molécula-modelo poderia ter permitido que eles se tornassem
autorreplicantes.
"Tentamos
preencher essa lacuna no entendimento entre os sistemas físicos simples
para algo que pode se comportar de forma realista e transmitir
informações", disse Alexei Tkachenko, pesquisador do Brookhaven National
Laboratory. Tkachenko realizou a pesquisa ao lado de Sergei Maslov, um
professor da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign.
Origens da autorreplicação
A
autorreplicação é um processo complicado. O DNA, base para a vida na
Terra hoje, requer uma ação coordenada de enzimas e de outras moléculas a
fim de se duplicar. Os primeiros sistemas autorreplicantes eram,
certamente, mais rudimentares, mas a sua existência naquela época ainda é
um pouco desconcertante.
Tkachenko
e Maslov propuseram um novo modelo que mostra como as primeiras
moléculas autorreplicantes poderiam ter trabalhado. O modelo alterna
entre as fases "dia", em que os polímeros individuais flutuam
livremente, e fases "noite", em que se juntam para formar cadeias
maiores via ligação auxiliada por uma molécula-molde. As fases são
conduzidas pelas alterações cíclicas das condições ambientais, tais como
temperatura, pH e salinidade - que conduzem o sistema para fora do
equilíbrio e induzem os polímeros tanto a se unirem ou a se separam.
De
acordo o modelo, durante os ciclos de noite, múltiplos pequenos
polímeros ligam-se a cadeias de polímeros maiores, que atuam como molde.
Esse molde maior de cadeias mantém os polímeros menores próximos o
suficiente para que eles possam formar uma ligação química de cadeias
maiores - sendo uma cópia complementar de pelo menos parte da molécula
modelo. Com o tempo, os polímeros sintetizados devem predominar, dando
origem a um sistema autocatalítico e autossustentável de moléculas
grandes o suficiente para potencialmente codificar novas moléculas para a
vida.
Os
polímeros, também, podem ligar-se em conjunto sem a ajuda de um molde,
mas o processo é um pouco mais aleatório - uma cadeia que se forma em
uma geração não será necessariamente levada para a próxima. A ligação
assistida por molde, por outro lado, é um meio mais fiel de preservar a
informação, uma vez que as cadeias de polímero de uma geração são
utilizadas para construir a próxima. Assim, essa proposta combina o
prolongamento de cadeias de polímero com a sua replicação,
proporcionando um mecanismo potencial de hereditariedade.
Enquanto
alguns estudos anteriores têm argumentado que uma mistura dos dois é
necessária para sair um sistema de monômeros para outro de polímeros
autorreplicantes, o modelo de Maslov e Tkachenko demonstra que é
fisicamente possível para a autorreplicação surgir com apenas ligação
auxiliada pelo modelo.
"O
que nós demonstramos pela primeira vez é que mesmo se tudo que você tem
é a ligação auxiliada pelo modelo, você ainda pode iniciar o sistema de
sopa primordial", disse Maslov.
A
ideia da autorreplicação auxiliada por uma molécula molde foi
originalmente proposta na década de 1980, mas de uma forma qualitativa.
"Agora, é um modelo real que pode ser executado através de um
computador", disse Tkachenko. "É uma peça sólida de ciência para a qual
você pode adicionar outros recursos e estudar os efeitos de memória e
herança."
Com
o modelo de Tkachenko e Maslov, a condução a partir de monômeros para
polímeros é bem mais repentina. É necessário um determinado conjunto de
condições para dar o salto inicial de monômeros para polímeros
autorreplicantes, mas essas exigências rigorosas não são necessárias
para manter um sistema de polímeros autorreplicantes uma vez que se
venceu sobre o primeiro obstáculo.
Uma
limitação do modelo que os pesquisadores planejam abordar em estudos
futuros é a sua suposição de que todas as sequências de polímero são
igualmente prováveis de ocorrer. Transmissão de informações requer
variação hereditária -- há determinadas combinações de código de bases
para proteínas específicas, que têm funções diferentes. O próximo passo,
então, é a de considerar um cenário em que algumas sequências tornam-se
mais comuns do que outras, permitindo que o sistema para transmitir
informações significativas.
O
modelo de Maslov e Tkachenko se encaixa na proposta conhecida como
hipótese do mundo-RNA - a hipótese de que a vida na Terra começou com
moléculas de RNA autocatalíticas que, em seguida, levaria a existência
da molécula mais estável, porém mais complexa como modo de transmissão
de herança, do DNA. Entretanto, por ser uma tese muito geral, pode ser
utilizada para testar quaisquer hipóteses sobre a origem da vida que
dependa do surgimento de um sistema simples autocatalítico.
Maslov
adiciona: "Nós não estamos tentando resolver a questão de qual material
esta sopa primordial de monômeros está vindo" ou quais as moléculas
específicas envolvidas. Em vez disso, o seu modelo mostra um caminho
fisicamente plausível partindo de monômero indo em direção a polímeros
autorreplicante, assim avançando um passo mais para de compreender a
origem da vida.
Traçando a origem da vida, de Darwin até os dias atuais
Quase
toda cultura no planeta tem uma história de origem, uma lenda que
explica a sua existência. Os seres humanos parecem ter uma profunda
necessidade de uma explicação de como acabamos aqui, neste pequeno
planeta girando através de um vasto universo. Os cientistas, também, há
muito , têm procurado a história de nossas origens, tentando discernir
como, em uma escala molecular, a Terra passou de uma confusão de
moléculas inorgânicas para um sistema ordenado de vida. A pergunta é
impossível de responder com certeza; não há registro
fóssil nem testemunhas oculares. Entretanto, isso não impediu que
cientistas de tentarem.
Ao
longo dos últimos 150 anos, nossa compreensão da origem da vida tem
espelhado o surgimento e desenvolvimento dos campos de química orgânica e
biologia molecular. Ou seja, uma maior compreensão do papel que os
nucleotídeos, proteínas e genes desempenham na formação do nosso mundo
vivo hoje também melhora, gradualmente, a nossa capacidade de perscrutar
o seu passado misterioso.
Quando
Charles Darwin publicou seu seminal "A Origem das Espécies", em 1859,
ele falou pouco sobre o surgimento da vida em si, possivelmente porque,
na época, não havia nenhuma maneira de testar tais ideias. Suas únicas
observações reais sobre o assunto vêm de uma carta posterior a um amigo,
na qual ele sugeriu um que a vida surgiu a partir de uma "poça morna"
com um rico caldo de química de íons. No entanto, a influência de Darwin
era de longo alcance, e suas observações improvisadas formaram a base
de muitas origens dos cenários da vida nos anos seguintes.
No
início do século 20, a ideia foi popularizada e expandida por um
bioquímico russo chamado Alexander Oparin. Ele propôs que a atmosfera na
Terra primitiva era reduzida, o que significa que teve um excesso de
carga negativa. Este desequilíbrio de carga poderia catalisar uma sopa
pré-biótica de moléculas orgânicas existentes em direção às primeiras
formas de vida.
Os
textos de Oparin, eventualmente, inspiraram Harold Urey, que começou a
explorar a proposta de Oparin. Urey, em seguida, chamou a atenção de
Stanley Miller, que decidiu testar, formalmente, a ideia. Miller tomou
uma mistura da qual ele acreditava que os oceanos da Terra primitiva
pode ter constituído -- uma mistura de compostos reduzidos, ou seja,
composto de metano, amônia, hidrogênio e água- - e a ativou com uma
faísca elétrica. A descarga elétrica transformou quase a metade do
carbono no metano em compostos orgânicos. Um dos compostos que
produziram foi glicina, o aminoácido mais simples.
O
experimento inovador de Miller-Urey mostrou que a matéria inorgânica
poderia dar origem a estruturas orgânicas. E, embora a ideia de uma
atmosfera redutora tenha caído gradualmente em desuso, sendo substituída
por um ambiente rico em dióxido de carbono, a estrutura básica de
Oparin de uma sopa primordial rica em moléculas orgânicas ainda continua
plausível.
A
identificação de DNA como o material hereditário comum para toda a
vida, e a descoberta de que o DNA codifica o RNA, que, por sua vez,
codifica as proteínas, forneceu uma nova visão sobre a base molecular
para a vida. No entanto, forçou, também, os pesquisadores da origem da
vida para responder a uma pergunta desafiadora: Como poderia essa
maquinaria molecular complicada ter começado? O DNA é uma molécula
complexa, requerendo uma equipe coordenada de enzimas e de proteínas
para se replicar. Seu surgimento espontâneo parecia improvável.
Na
década de 1960, três cientistas -- Leslie Orgel, Francis Crick e Carl
Woese –, independentemente, sugeriram que o RNA poderia ser o elo
perdido. Já que o RNA pode autorreplicar-se, então, poderia ter agido
tanto como material genético como catalisador para o início da vida na
Terra. O DNA, mais estável, embora mais complexo, surgiria mais tarde.
Atualmente,
acredita-se, amplamente (embora não universalmente aceito), que, em
algum ponto da história, um mundo baseado no RNA dominou a Terra. Mas,
como e se houve um sistema ainda mais simples é algo que continua em
debate. Muitos argumentam que o RNA é muito complicado para ter sido o
primeiro sistema de autorreplicantes na Terra, e que algo mais simples o
precedeu.
Graham
Cairns-Smith, por exemplo, tem argumentado, desde a década de 1960, que
as primeiras estruturas genéticas não foram baseadas em ácidos
nucleicos, mas em cristais imperfeitos que surgiram a partir da argila.
Segundo ele, os defeitos nos cristais armazenariam as informações que
poderiam ser replicado e transmitido de um cristal para outro. Sua
ideia, embora intrigante, não é amplamente aceita.
Alternativamente,
outros pesquisadores suspeitam que o RNA possa ter surgido em conjunto
com os peptídeos - uma tese conhecida como mundo peptídeo-RNA -, em que
ambos trabalharam juntos para construir a complexidade. Os estudos
bioquímicos, também, estão fornecendo informações sobre ácidos nucleicos
análogos ao RNA, porém mais simples. Ainda, é possível que os primeiros
sistemas autorreplicantes na Terra não tenham deixado nenhum vestígio
de si mesmos em nossos sistemas bioquímicos atuais.
É
nesse sentido que o recente trabalho de Tkachenko and Maslov traz uma
colaboração importante. Sugerem que as moléculas autorreplicantes, tais
como o RNA, possam ter surgido através de um processo chamado de ligação
auxiliada por um molde. Isto é, sob certas condições ambientais,
pequenos polímeros poderiam ser levados a ligar-se com cadeias mais
longas de um polímero complementar, mantendo os fios curtos em
proximidade suficientes próximos uns dos outros para que eles pudessem
se fundir em cadeias mais longas. Através de mudanças cíclicas nas
condições ambientais que induzem cadeias complementares que virão
juntos, uma coleção autossustentável de hibridizadas -- polímeros
autorreplicantes --, capazes de codificar as bases para a vida, poderia
ter surgido.
______________________________
Tradução: Cícero Escobar
Artigo
"Spontaneous emergence of autocatalytic information-coding polymers,"
por Alexei Tkachenko and Sergei Maslov, The Journal of Chemical Physics
on July 28, 2015:
http://scitation.aip.org/content/aip/journal/jcp/143/2/10.1063/1.4922545