''É característico de um homem de tato dizer e escutar aquilo que fica bem a uma pessoa digna e bem-educada; pois há coisas que fica bem a um tal homem dizer e escutar a título de gracejo; e os chistes de um homem bem-educado diferem dos de um homem vulgar, assim como os de uma pessoa instruída diferem dos de um ignorante. Isto se pode ver até nas comédias antigas e modernas: para os autores das primeiras a linguagem indecente era divertida, enquanto os das segundas preferem insinuar; e ambos diferem bastante no que tange à propriedade do que dizem.'' Aristóteles, em Ética a Nicômaco
A marcha para Jesus parece-me problemática por si só. Darei algumas razões: Até onde eu conheço das leituras bíblicas, a atual marcha para Jesus é
algo não apenas desnecessário mas também incoerente com as escrituras.
Enquanto o evento histórico da entrada de Jesus em Jerusalém (base para o
Domingo de Ramos) teve um cunho social (uma voz contra a religião à
época que explorava politicamente
cidadãos), não vi ainda nenhuma bandeira da marcha combatendo problemas
atuais, como racismo, transfobia, homofobia, analfabetismo, machismo,
etc. Aliás, o que se vê, em edições anteriores, é justamente a
insistência de irritantes discursos contrários a união homoafetiva.
Somado a isso, a marcha parece recusar outros grupos cristãos, o que faz
o ecumenismo passar longe. Além disso, pelo menos no Brasil, a
organização da marcha é manchada pelo histórico da Igreja Apostólica
Renascer em Cristo, fundada pelo casal Hernandez. Em 2007, o casal foi
acusado de evasão de divisas, quando foram detidos por estarem levando
mais de 50 mil dólares escondidos em meio a bíblias (apesar de terem
declarado a alfândega não mais de 10 mil). Isso tudo sem falar de abusos
ao laicismo quando governantes evangélicos suportam financeiramente a
marcha com dinheiro público.
Apesar disso tudo, não está em jogo a liberdade individual da pessoa de participar da marcha. Por outro lado, é de uma outra liberdade que me preocupa deveras. É a liberdade intelectual das crianças. Embora pareça inocente em primeira análise, creio que a (quase) imposição religiosa para levar crianças em cultos e encontros é um grande mal. Discordo em muita coisa do que Dawkins fala sobre as religiões, mas concordo com ele que é uma espécie estupro mental dogmatizar crianças em tenra idade em nome de uma religião específica que um adulto em liberdade de consciência o faz -- e para manter a honestidade, considero que o mesmo erro é aplicável para os ateístas dogmáticos.
Um dos elementos que Aristóteles enfatizava em sua ética era o papel da educação moral nas crianças. Apesar disso, ele reconhecia que isso não era uma condição necessária nem suficiente para tornar-se um indivíduo virtuoso, mas provavelmente uma condição facilitadora. Nesse sentido, educar crianças com vieses explícitos a um determinado credo não deixa de ser uma ação problemática a longo prazo, tanto pior quanto mais dogmático o educador é. Não tenho nesse momento evidências empíricas para suportar, por isso coloco a tese de maneira doxástica: é problemático porque prejudica na capacidade de empatia e cognitiva dessas crianças.
A ironia é que muitas das ideias aristotélicas serviram de inspiração para os filósofos medievais cristãos (alguns deles de competência intelectual distinta, como Tomás de Aquino). Uma pena que alguns setores do cristianismo atual, e sobretudo evangélicos pouco críticos, não sigam adequadamente bem o conselho do grego.
Apesar disso tudo, não está em jogo a liberdade individual da pessoa de participar da marcha. Por outro lado, é de uma outra liberdade que me preocupa deveras. É a liberdade intelectual das crianças. Embora pareça inocente em primeira análise, creio que a (quase) imposição religiosa para levar crianças em cultos e encontros é um grande mal. Discordo em muita coisa do que Dawkins fala sobre as religiões, mas concordo com ele que é uma espécie estupro mental dogmatizar crianças em tenra idade em nome de uma religião específica que um adulto em liberdade de consciência o faz -- e para manter a honestidade, considero que o mesmo erro é aplicável para os ateístas dogmáticos.
Um dos elementos que Aristóteles enfatizava em sua ética era o papel da educação moral nas crianças. Apesar disso, ele reconhecia que isso não era uma condição necessária nem suficiente para tornar-se um indivíduo virtuoso, mas provavelmente uma condição facilitadora. Nesse sentido, educar crianças com vieses explícitos a um determinado credo não deixa de ser uma ação problemática a longo prazo, tanto pior quanto mais dogmático o educador é. Não tenho nesse momento evidências empíricas para suportar, por isso coloco a tese de maneira doxástica: é problemático porque prejudica na capacidade de empatia e cognitiva dessas crianças.
A ironia é que muitas das ideias aristotélicas serviram de inspiração para os filósofos medievais cristãos (alguns deles de competência intelectual distinta, como Tomás de Aquino). Uma pena que alguns setores do cristianismo atual, e sobretudo evangélicos pouco críticos, não sigam adequadamente bem o conselho do grego.