sexta-feira, 4 de maio de 2018

O medo do Glifosato é um alarme falso



                                                                         [Publicado originalmente no Diário Popular]








Molécula Glifosato


Em um recente artigo de opinião, o ecólogo Marcelo Dutra da Silva escreveu sobre a possibilidade do consumo de glifosato estar associado ao câncer. O glifosato é um herbicida de amplo espectro usado para matar ervas daninhas na agricultura e que se tornou difundido através da comercialização pela Monsanto para a agricultura transgênica. O autor alegou que o uso do herbicida resultou em (i) aumento da incidência de certos tipos de câncer e uma possível relação com a incidência de autismo, e trouxe à tona um recente estudo argentino ("Association between cancer and environmental exposure to glyphosate") que associa a exposição ambiental do glifosato com casos de câncer; portanto (ii) reforçaria a tese que "comprova a estreita relação entre o glifosato e o câncer." Minha breve pretensão é apresentar um contraponto para as alegações (i) e (ii).
Quando se fala sobre toxicidade, a primeira tarefa é examinar um parâmetro conhecido como dose letal mediana (DL50), que é a dose necessária de uma dada substância ou radiação para matar 50% de uma população em teste. É normalmente apresentado com as unidades de mg/kg e considera-se nocivo um DL na faixa de 200 a 2000 e muito tóxico um DL menor que 25 (a ideia é fácil: quanto menor mais tóxico e quanto maior menos tóxico). O DL50 do glifosato é estimado em 5600 mg/kg. Para efeitos comparativos, é facilmente encontrado que o DL50 para o sal de cozinha, a cafeína e nicotina são de 3000, 192 e 50 mg/kg, respectivamente. Isso significa que o glifosato é menos tóxico que o sal de cozinha e, desse modo, é difícil comprar a tese que este herbicida seja a causa de todos os males. Além disso, o uso do glifosato conseguiu reduzir o uso de outros herbicidas que demonstravelmente possuem efeitos nocivos (como a atrazina e o 2,4,5-T).
Um recente relatório assinado pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (com o título de "Review of the Evidence Relating to Glyphosate and Carcinogenicity") levou em consideração vários estudos revisados por reconhecidas agências internacionais (como a Agência Internacional para a Pesquisa sobre Câncer e a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos), chegando a seguinte conclusão:  "A maioria dos estudos em humanos não mostrou associação entre exposição ao glifosato e câncer. Embora um pequeno número de estudos com um número limitado de participantes encontrou uma associação fraca entre a exposição ao glifosato e o risco aumentado de linfoma não-Hodgkin, vários outros estudos não encontraram esta associação."
No ano passado, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos emitiu o que é considerado um dos mais abrangentes exames dos estudos pertinentes sobre o glifosato já realizados ("Glyphosate Issue Paper: Evaluation of Carcinogenic Potential), no qual também concluiu que "não existe nenhuma forte evidência para a sugestão do potencial carcinogênico do glifosato, e que pequenas alterações não estatisticamente significativas observadas na carcinogenicidade animal e estudos epidemiológicos foram contraditadas por estudos de qualidade igual ou superior”.
Sobre o artigo citado pelo ecólogo, a próprio resumo dos autores originais é mais contido que a alegação alarmante comumente propagandeada: "Este estudo detectou alta poluição de glifosato em associação com o aumento das frequências de câncer em uma típica aldeia agrícola argentina, entretanto não pode fazer alegações de causalidade. Outros desenhos de estudo são necessários, mas se corroborar a concrescência de alta exposição ao glifosato e câncer." Uma lição importante de qualquer investigação empírica, sobretudo quando interpretamos estudos isolados, é que correlação não é sinônimo de causa e consequência, portanto é prudente evitar pânico moral nesses casos.
Com relação a incidência de autismo, é necessário lembrar que essa história foi espalhada depois de um artigo de um autor francês ter sido publicado em 2012 na revista Food and Chemical Toxicology. Após alguns meses de escrutínio na comunidade científica o artigo foi retratado sob suspeita que o trabalho não tivesse qualidade suficiente para fazer parte da literatura científica.
Atualmente, o esmagador consenso científico é que o glifosato é uma opção muito segura para o controle de ervas daninhas, com muitos benefícios e poucos riscos. O problema do alarmismo fácil é que incide muito tempo sobre coisas seguramente não merecedoras de tamanha atenção, ao passo que outras de ricos reais, como o risco do cigarro, começam a perder credibilidade quando alertas são emitidos.

Um comentário:

  1. Parabéns pelo ótimo texto. Concordo com a maior parte das tuas opiniões em relação a este assunto. Gostaria de contribuir com algo que foi dito mas que talvez não tenha ficado claro para todos. A proibição ou banimento indiscriminado de herbicidas baseados em estudos alarmantes pode ser catastrófica não somente para o setor agrícola, mas também para toda a industria alimentícia e consequentemente todos os consumidores. A não utilização de herbicidas pode implicar na elevação dos custos de uma lavoura ou na diminuição da produtividade por hectare, ou seja, precisaremos de mais área para produzir a mesma quantidade de alimento outrora produzido com herbicida, gerando aumento no desmatamento. Além deste problema, o aumento dos custos acarreta num aumento dos preços dos alimentos em geral, este pequeno fato torna a comida menos acessível justamente para a camada mais pobre da população. Meus amigos, pode ser difícil enxergar, mas, os herbicidas, transgênicos entre outras tecnologias agrícolas, tornam o mundo mais igual e dão acesso à comida barata a quem antes não tinha. Grande abraço.

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