Parte 1: Um
Experimento Mental
A noção de
“igualdade” convida-nos a alguns questionamentos interessantes, dos quais um
deles está ilustrado na pergunta: Igualdade de oportunidade implica em igualdade
de resultados? Antes de responder, deixemos claro o que está em causa em cada
expressão:
Igualdade
de oportunidade: Aspiração ética em
prover iguais condições de acesso e oportunidades, na maioria das vezes
incentivada por leis que tratam com isonomia todas as pessoas.
Igualdade
de resultados: Um ideal de
paridade numérica numa determinada atividade com representação, o máximo
possível, para os diferentes grupos (étnicos/sexuais, etc.) numa dada sociedade.
Imaginemos
o seguinte experimento mental. Um ser onipotente projeta e cria uma sociedade
de maneira mais igualitária possível — na acepção acima de igualdade de
oportunidades — , e após finalizar sua criação deixa seu experimento
acontecer livremente. Consideremos o tempo inicial o momento no qual essa
entidade deixa de influenciar nessa sociedade. Esse tempo inicial é como se
fosse o início de um filme sendo projetado em um programa de computador. Para
efeitos de raciocínio consideremos que essa sociedade mantém viva, em suas
leis, o interesse de perseguir os ideais de igualdade de oportunidade. O que se
seguirá a partir disso?
Uma
resposta preliminar deve reconhecer a tentativa promovida por algumas pessoas
de avançar na conciliação de três eixos considerados moralmente relevantes:
diversidade, igualdade e liberdade. Se entendermos igualdade como
“igualdade de oportunidade”, podemos deixar de lado, para os nossos propósitos,
a investigação de eventuais problemas (se algum existe) nessa tentativa
conciliação. Por outro lado, não podemos nos furtar de compreender que caso
entendamos igualdade como “igualdade de resultados” (doravante também
chamado de equidade), teremos problemas de incompatibilidades entres
esses eixos morais.
Considere,
primeiramente, equidade e diversidade. De forma sucinta, ambas são logicamente
inconsistentes, ou seja, não podem coexistir. Se as pessoas são “diversas”, e
nós estamos interessados em garantir suas expressões de diversidades, a
consequência inevitável do encorajamento da diversidade é a desigualdade de
resultados. Quanto mais diversa as pessoas menor é a expectativa de esperar
igualdade em relação aos seus resultados. Isso denota a incompatibilidade da
equidade com diversidade: Para atingir o ideal de equidade devemos
necessariamente eliminar a diversidade, e vice-versa. Dito de outro modo, se
assumirmos que as pessoas possuem interesses distribuídos de maneira não
homogênea — que é a própria noção de diversidade/pluralidade — , equidade é uma
impossibilidade.
O eixo
moral da liberdade também fica comprometido, pois não há possibilidade de
manter, ao mesmo tempo, liberdade e equidade. Para se obter igualdade de
resultados, a partir de igualdade de oportunidade, podemos pensar, de maneira
não exaustiva, duas maneiras: i) As pessoas têm todas interesses iguais (ou
algo muitíssimo próximas disso) ou ii) as pessoas são diferentes, mas alguma
espécie de formatação social os tornam todas iguais. Ocorre que i) é
empiricamente falso e ii) é uma possibilidade real, porém indesejável,
pois só é alcançável através da violação de liberdades e autonomias individuais
com uso de força autoritária.
Podemos nos
afastar um pouco do nosso experimento mental idealizado e afirmar que, apesar
das incongruências acima, as buscas por igualdades de resultados através de
incentivos não são completamente ruins. Algumas atividades humanas ainda
sofrem de sub-representação injusta, e os incentivos de equilíbrio não devem
ser completamente abandonados. No entanto, as dificuldades acima ainda se
mantêm, sobretudo em sociedades livres e democráticas. Como consequência, é
esperado, sobretudo na realidade prática, que as desigualdades de resultados
observadas sejam também devido a interesses distintos entre os indivíduos,
e não unicamente a preconceitos e discriminações (muito embora existam).
No mundo real
a desigualdade de resultados pode se manifestar de variados modos. Dentre eles,
um dos mais comuns é a desigualdade econômica. Deixarei de lado esse tipo, mas
é bom notar, na esteira das palavras Steven Pinker, que desigualdade
de renda não é necessariamente um componente fundamental do bem-estar no
contexto do progresso humano. O
objetivo prioritário deve ser a eliminação da pobreza, que uma espécie de
desigualdade absoluta, enquanto a comparação de rendas médias é um exercício de
desigualdade relativa. O mal-estar gerado pela continuação da desigualdade é
uma questão secundária perto da urgência da extrema pobreza. Por outro
lado, questões que envolvem as correlações entre desigualdade e violência não podem ser
desprezadas. Há muito a se dizer sobre esse assunto, mas não será esta
modalidade de desigualdade que será abordada aqui. O tipo de desigualdade que
será dada atenção na continuidade não é menos contenciosa: A desigualdade de
sexos.
É bem
sabido, e lamentável, a opinião que
considera, muito rigidamente, opções profissionais como sendo uma caixinha
"para homens" e outra "para mulheres". Nesse sentido, toda
iniciativa de algum efeito real de minimizar isso é bem-vinda. Essa é uma
explicação, não descartável, do papel cultural afastando as mulheres da ciência.
É popular a crença defendendo o sexismo como um dos fatores predominantes
operando no desestímulo de mulheres a buscarem carreiras STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática). Essa crença não é completamente falsa. Por outro lado, é disputável que seja a única, ou inclusive a
principal, causa desse fenômeno. Há hipóteses competitivas e/ou complementares necessárias
de serem levadas em consideração.
Após técnicas avançadas de estatística, a
psicologia encontrou cinco principais fatores da personalidade humana (Big Five), a saber:
Abertura para a experiência (openness to experience), conscienciosidade
(conscientiousness), extroversão (extraversion), amabilidade (agreeableness)
e neuroticismo ou instabilidade emocional (neuroticism) (algumas páginas
oferecem testes do Big Five, veja aqui e aqui). A literatura
relevante na área sugere a existência de comportamentos típicos dos sexos, os
quais as pessoas já observam no cotidiano. Embora alguns temem a alcunha do
estereótipo, e não há razões para temê-lo (pois são precisos) e não necessariamente sempre idêntico a preconceito, o fato é
que, em média, homens são mais propensos ao risco, mulheres menos; mulheres são mais empática, homens menos; mulheres são mais sensíveis a instabilidade
emocional, homens menos. Tudo isso tem relação ao Big Five dos traços psicológicos, e o fato
mais sólido observado e bastante documentado após anos de levantamento de dados é o seguinte: Em média, os interesses
dos meninos gravitam para coisas, sobretudo coisas móbiles; e os interesses das meninas gravitam em torno
de faces e pessoas. Dessa forma, autores como Richard Lippa afirmam isso como consequência principal dos homens
tenderem a preferir ocupações envolvendo coisas
mecânicas e de carpintaria, enquanto mulheres tendem a preferir ocupações envolvendo
situações mais sociais, como professoras, enfermeiras e psicólogas. Algo
similar é avançado por Baron-Cohen, ao sugerir, em base de dezenas de trabalhos, que o cérebro masculino
tende a ser sistematizador, e o cérebro feminino empatizador (Figura 1).
Figura 1: Modelo de Coeficiente
de Empatia do psicólogo Simon Baron-Cohen. Fonte: Diferença Essencial.
|
Através do acúmulo de evidências disponíveis (Figura
2) podemos inferir uma diminuição da influência social nessas tendências de
escolhas. Quando são oferecidos a meninos e meninas variados tipos de
brinquedos, e os deixados livres para escolher, há uma tendência espontânea dos meninos escolherem brinquedos "típico para
meninos", e o mesmo ocorre com as meninas. Em outras observações, tem-se visto que meninas
passam mais tempo do que meninos prestando atenção em faces humanas. Igualmente interessante são os trabalhos mostrando que chimpanzés fêmeas preferem bonecas a caminhões, e os machos preferem brinquedos móbiles a bonecas com faces. Resultados similares já foram replicados com macacos-rhesus. Embora todas essas diferenças sexuais possam ser tomadas como
consideradas pequenas, são suficientes para resultar em diferenças de natureza
biológica mensurável entre os sexos. Considerando que em todos esses casos a
influência social humana é bastante minimizada, sobretudo nos casos de
chimpanzés e macasos-rhesus – pois dificilmente estes animais apresentam crenças sociais como as
nossas –, tudo isso
indica pouca influência das sugestões advindas das teses nomeadas de “construção social”.
Figura 2: a) Distribuição gaussiana da altura observada entre
homens (curva à direita) e mulheres (curva à esquerda). b) Magnitudes de diferenças em comportamentos sexuais entre homens
e mulheres. Fontes: Gender,
Nature and Nurture (Richard Lippa) e Brian
Gender (Mellisa Hines).
O "valor d" é um parâmetro estatístico de comparação de
diferenças de variáveis. Por convenção, valores positivos estão na direção de
favorecer homens, e negativos as mulheres.
Em geral, considera-se que d > 0,8 é alto, d = 0,5 é
moderado e d = 0,2 é pequeno. Sendo assim, o valor d= 1,7
encontrado na diferença de alturas é considerado bastante alto. A maioria das
diferenças de comportamento sexuais são menores que 1,7. Por exemplo, homens se
saem melhor em tarefas de rotação mental de objetos tridimensionais (d =
0.94) e mulheres se saem melhor em tarefas de fluência verbal (d =
-0,33). Tipicamente, os valores de d para traços comportamentais são
menores do que as diferenças médias de alturas entre homens e mulheres.
Portanto, embora diferenças existam, homens e mulheres são mais parecidos do que
diferentes. (Importante notar que essas evidências não mostram que todas as
mulheres têm essas características em um nível maior que os homens (ou
vice-versa). Ou seja, são médias populacionais e não dizem respeito a
indivíduos. Notar também que muitas dessas diferenças entre os sexos são
pequenas e há uma intersecção significativa entre homens e mulheres em
qualquer característica (qualquer característica da Fig. 2b vai apresentar
distribuições gaussianas típicas a observadas na Fig. 2a), e portanto não
nos permitem reduzir pessoas à sua identidade de grupo. As diferenças
existentes, entretanto, são suficientes para observarmos comportamentos
observáveis distintos entres os sexos).
|
Todas essas evidências apontam na direção de um
elemento inerentemente biológico considerável na questão de escolha de
profissões. Se isso tudo é verdade, em grande medida parece ser, significa que
a verdade não é sexista só porque,
em larga escala, as mulheres – em condições de plena liberdade –, preferem ocupações que lidem com pessoas e homens
preferem ocupações que lidem com coisas. Isso tudo não significa alegar inexistência de pressões sociais e/ou
discriminações operando nas escolhas profissionais.
Antes de avançar é necessário pontuar que natureza
e cultura não são mutualmente excludentes. Sendo assim, a alegação peremptória do tipo “gêneros são
construídos socialmente” não é menos determinista do que a alegação biológica
cromossômica do tipo “homens são XY e mulheres são XX”. No entanto, é bastante comum a crença no
sentido de gênero é construção social, o que não deixa de ser uma
alegação determinista no sentido cultural. (Tem sido muito avançada a diferença
entre sexo e gênero, mas essa diferença não será abordada aqui. O uso do termo
“gênero” é apenas para contextualizar o termo que os proponentes da construção
social do sexo utilizam. No entanto, não é óbvio que essa diferença de terminologia seja
necessária).
A predição “gênero é construção social” pode ser empiricamente testada.
Se for verdade, em condições de igualdade de oportunidades homens e mulheres se
aproximariam em escolhas profissionais. Isso tem sido testado, e os dados têm mostrado justamente o oposto do predito pela tese da construção social: As diferenças de escolhas
são mais pronunciadas nas sociedades em que a igualdade de gêneros é mais
avançada, como nos países escandinavos Suécia, Dinamarca e Noruerga. E não são apenas pontos de exceção, são correlações estatísticas com vários países do mundo (Figura 3): Os países com alta expectativa de vida, altos níveis de alfabetização,
educação e renda são susceptíveis de ter as maiores diferenças entre os sexos
na personalidade. Níveis elevados de dimorfismo sexual resultam de traços de personalidade de homens e mulheres justamente nos
países menos restritos enquanto
condições sociais e econômicas. Em condições sociais e econômicas menos
afortunadas, diferenças inatas de personalidade entre homens e mulheres se
aproximam.
Figura
3: Paradoxo da Igualdade de Gênero. Quanto maior o Índice de Igualdade de Gênero (eixo y), menor a
proporção entre homens e mulheres nas áreas STEM (eixo x).
|
Uma explicação provável para o fenômeno acima é porque a prosperidade e
igualdade trazem maiores oportunidades de autorrealização; assim, homens e
mulheres têm o poder de ser quem mais realmente são. Não parece por acaso,
portanto, que alguns dados apontam o predomínio de mulheres em áreas de exatas como engenharia na Rússia e
na China do que nos países com maior igualdade de gênero como Canadá, Alemanha,
EUA e Finlândia. As mulheres americanas e europeias estão entre as pessoas mais
educadas, bem informadas, e autodenominadas em toda a história da humanidade. E
é plausível a defesa que na Rússia e China há mais mulheres em áreas das exatas
muito mais por imposição do que por escolha livre (em comparação, Rússia e
China apresentam liberdades mais tolhidas).
Não é o caso de meninas obterem baixo desempenho nas áreas exatas nos
países mais igualitários. Muito pelo contrário, elas apresentam desempenho tão
bom ou melhor em comparação aos meninos nas ciências na maioria dos países e,
em quase todos eles, as meninas teriam sido capazes de ter aulas de ciências e
matemática em nível universitário se tivessem assim desejado. Importante
destacar também que estes encontram correlações positivas entre
"satisfação pessoal" vs "países mais igualitários"
(quanto maior o primeiro, maior o segundo). Sendo assim, é inevitável a
conclusão: Os países nos quais as mulheres são mais bem capacitadas (mais
"empoderadas") são os que mais as capacitam escolher livremente suas
opções de carreiras. A conclusão faz sentido, pois se alguém mora num país
mais rico e igualitário, as pessoas são mais livres para fazer suas escolhas em
concordância com sua natureza, sem depender de
pressões artificiais de escolher profissões que não lhes agradam, mas
muitas vezes acabam sendo valorizadas mais no mercado (como engenharia).
Novamente, isso tudo não deve ser tomado como sugestão para abandonar os
esforços de recrutar mais mulheres para as áreas exatas. Tampouco sugere que
mulheres que desejam perseguir carreiras STEM devem ser impedidas, pois
isso seria uma discriminação injusta
inaceitável. Entretanto, os dados acima ilustram médias populacionais do
mundo real, portanto o alerta anterior continua valendo: Liberdade de
escolha é incompatível com equidade. Homens e mulheres têm, em média,
concepções diferentes do que constitui o sucesso, apesar da insistência pela
equidade por impor a mesma concepção masculina de sucesso a todos. Forçar um projeto
obsessivo de igualdade de resultados (ou seja, 50% de homens e 50% de mulheres
em todas as áreas) poderá comprometer o bem-estar justamente das pessoas que se
pretendia preservar.
Parte 3:
Engenharia Social
Alguém ainda poderia discordar das observações expostas acima. Ou seja,
poder-se-ia continuar querendo sustentar a crença que equidade deve ser um
objetivo moral louvável a ser alcançado. Mesmo assim, é ponto pacífico que há
formas melhores e piores para isso. Eis aqui uma sugestão notavelmente ruim.
Imagine um ingresso em um curso de graduação de Engenharia Elétrica com 30
vagas disponíveis. Após a seleção no vestibular, a composição dos aptos a
realizarem matrícula são de 28 meninos e 2 meninas (e isso não parece ser muito
distinto da realidade). Imaginemos ainda a existência de suplentes das vagas sendo
compostos apenas por meninos. Se quiséssemos forçar uma igualdade de resultados
(equidade) poderíamos impedir a matrícula do curso de 26 alunos, deixando,
dessa forma, a turma com 2 meninos e 2 meninas matriculadas. Fica óbvio nesse
exemplo que na ânsia de solucionar uma pretensa injustiça (desigualdade
representativa numérica de sexos na turma), estaríamos criando uma outra
injustiça ao impedir a matrícula de 26 meninos competentes para assumir o
compromisso.
Podemos ampliar esse experimento. É bem sabido que mulheres dominam numericamente áreas de enfermagem,
nutrição e cuidados infantis. Além
disso, homens dominam numericamente as áreas de mineração e de pedreiros. O proponente da ideia acima estaria disposto a aplicar
a mesmas regras nas profissões de enfermagem e mineração? Nesse caso, será que
a mulheres aceitariam de bom grado serem forçadas a abandonarem as áreas cuja
elas mais têm afinidade em nome da causa da equidade? Um mundo desse jeito se
aproxima bastante do famoso conto distópico Harrison Bergeron, no qual, no final do século, emendas constitucionais obrigaria todas
as pessoas serem iguais em resultado. Ninguém poderia ser mais forte ou mais
rápido, entre várias outras coisas. Se duas pessoas estivessem em uma sala, e
uma delas tem deficiência auditiva, seria obrigado, pela força da lei, que a
pessoa sem comprometimento auditivo devesse usar aparelhos que lhe causariam
diminuir artificialmente o que escuta. Algumas outras penalidade que as pessoas
deveriam se expor: Óculos para diminuir a visão; sacolas com pesos para
diminuir a velocidade ou dificultar pessoas mais fortes e mais ágeis; uso de
máscaras ocultas para disfarçar a beleza física de pessoas mais belas (quanto
mais horrível a máscara, mais bonita é a face). Provavelmente poucas pessoas
estariam adeptas a esse tipo de engenharia social, já que parece consenso que a
maneira ética de proceder para perseguir o ideal de equidade é através de
combater preconceitos e promover incentivos de meninas para seguir as áreas
ainda pouco representadas por elas.
Não se surpreenda, entretanto, se houver pessoas promovendo coisas
similares ao experimento acima. Recentemente, o jornal The New York Times se
mostrou incomodado pelo fato de quase 70% das cartas enviadas ao editor serem
de homens. Para solucionar isso decidiram bolar um plano para obter a paridade numérica de
cartas recebidas (50/50). A
consequência disso é que se algum homem escrever uma carta, independente da
qualidade da proza ou qualidade da argumentação, terá substancialmente diminuída a chance de sua
carta ser publicada. Uma preocupação
ética virtuosa não deveria estar excessivamente preocupada com esse tipo de
identitarismo. A lição relevante aqui é aquela maravilhosamente propagada pelo Martin Luther King no contexto da luta contra o racismo, com adaptações ao nosso caso: O
conteúdo e a qualidade do texto deveria preocupar mais o leitor do que a
identidade de quem escreve. Há outras formas de buscar o ideal de equidade,
contudo a opção escolhida pelo jornal é bem próximo do exemplo indesejado do
experimento inventado logo acima.
Algo curioso do caso do The New York Times é o fato das pessoas escrevem
voluntariamente ao jornal, sem nenhum grande impedimento. Pode até ser o caso
que algumas mulheres sejam impedidas, ou pouco incentivadas através de
discriminações sociais, a escrever para jornais. Por outro lado, não é possível
deixar de notar simplesmente que isso pode ser uma atividade na qual homens, em
média, preferem fazer mais do que mulheres. Isso encontra reforço em outras
evidências, como o fato de que 9 em cada 10 escritores da Wikipédia são homens. Essa é uma atividade típica que mulheres não têm nenhum “teto de
vidro” as impedindo de exercer, basta acessar e começar a digitar. No entanto, de
maneira geral, parece ser uma atividade bastante divertida para os homens.
O que está em causa é que, em um cenário no qual as medidas
anti-discriminação tenham sido tomadas ao máximo (ou seja, garantida de
igualdade de oportunidades) numa indústria ou outra atividade qualquer, e
ainda persistirem uma representação maioritária de homens, não se segue que
a razão disso é exclusivamente advinda de discriminação. Pelo contrário,
num cenário desses é possível argumentar em direção a baixa influência de
discriminação com relação a admissão de pessoas. Simplesmente pode ser o caso
do tipo de trabalho oferecido provavelmente ser mais atrativo para mais homens.
O mesmo raciocino vale para as atividades com predomínio feminino.
Parte 4: Liberdade de Expressão
Até aqui já deve ser suficiente para mostrar algumas inquietações emergentes
na busca desenfreada pela equidade. Resta observar a possível violação de outro
valor muito estimado, porém pouco compreendido: A liberdade de expressão. Nesses casos, é evidente a tensão entre
violação da expressão quando, a partir dela, são dito coisas que ameaçam o
sucesso da equidade.
Em tempos recentes, talvez o caso mais notável ocorreu na Google em
2018. O engenheiro James Damore foi
demitido da empresa após escrever um memorando
alegando que as pesquisas indicam que há mais homem em empresas de tecnologia
porque, na média, homens se interessam mais em tecnologia e há influência
biológica neste interesse. Uma das expressões mais causadoras de comoção foi o
termo " neuroticismo", pois, não sem razão, parece indicar um juízo
de valor negativo associado a "mulheres neuróticas". Acontece que,
bem ou mal escolhido, o uso do termo não é culpa dele. É um termo técnico bastante usado na psicologia, e significa um perfil de pessoa com alta
ansiedade e menor tolerância ao estresse. Muitas pessoas foram apressadas em
seus ao tirar a expressão do seu contexto ao julgar o sujeito de sexismo. Parte do jornalismo não se furtou de condenar o memorando de
machista. Isso não poderia ser mais mentiroso, pois ele mesmo se manifestou contra
discriminações a mulheres, e concorda que elas existem (o texto começa
afirmando isso). Acima de tudo, o memorando não era uma prescrição (como o
mundo deve ser), mas uma descrição, bastante acurada, que ajuda a explicar
a defasagem da equidade em empresas de tecnologia. A questão que fica é: Mesmo
que o engenheiro estivesse factualmente errado com relação a suas observações (não
parece ser o caso), ainda assim justificaria uma demissão? (Leia o memorando na
íntegra e traduzido aqui).
Uma leitura equivocada do caso acima tenderia
a pensar que está sendo feita uma defesa preconceituosa ao alegar que uma
mulher em um cargo considerado "tipicamente masculino" é
biologicamente menos adequadas para esse tipo de trabalho (no caso em questão, de
engenheira de programação). Isso é enganador em dois sentidos. Primeiro porque
denotaria uma má compreensão das diferenças comportamentais. Essas eventuais
diferenças observáveis não nos permite reduzir indivíduos a um grupo. As
diferenças observadas são médias populacionais, e ainda há bastante
sobreposição entre os sexos desses comportamentos (isso é a consequência de
duas curvas gaussianas com certa proximidade em suas médias, ver a Figura 2a).
O segundo erro é porque os modelos de
diferenças de sexos são descritivos, ou seja, tendam capturar a realidade. Eles
nada dizem sobre prescrição, ou seja, não estão se comprometendo com crenças do
tipo “mulher deve seguir tal profissão” e “homens devem seguir esta outra
profissão”. Pelo mero fato de descrevermos a realidade disso não se segue que a
estamos prescrevendo. Esse é um equívoco infelizmente bastante comum, porém já
observado pelo filósofo escocês David Hume no século XVIII. Segundo Hume, não
podemos a partir de enunciados descritivos puramente factuais concluir normas
ou prescrições de pronunciamentos éticos para se fazer alguma coisa (na
filosofia é chamado de Guilhotina de Hume).
Em outro caso recente, o presidente da
Harvard, Lawrence Summers, emitiu opiniões similares no sentido de haver
diferenças biológicas entre homens e mulheres que ajudariam a explicar a
desigualdade numérica delas nas áreas exatas. Algumas pessoas se sentiriam
ofendidas e como consequência o presidente foi obrigado a pedir demissão. A pesquisa acadêmica também tem sido alvo de
violações desse tipo. Recentemente um artigo foi retratado de um periódico, depois de já ter passado pela revisão por
pares, unicamente porque uma petição de 900 pessoas ficou incomodada com as
hipótese sobre disforia de gênero explorada pelo autor.
Todos esses casos revelam na prática a
inconsistência entre buscar ferrenhamente a busca pela equidade (mesmo que apenas como
discurso) ao mesmo tempo que se pretende preservar liberdade. A liberdade em
ameaça pode ser tanto aquela ao qual permite as pessoas escolherem suas
profissões que mais lhe agradam, bem como a liberdade que é provavelmente a
mais fundamental de todas, ou seja, de se expressar sem temer punições
desproporcionais. A observação bastante lamentável nesses casos é que os
afeiçoados agressivamente pelo ideal da equidade se dizem amantes da liberdade,
mas ignoram veementemente que é justamente a liberdade de expressão deles que
permite suas ideias possas continuar circulando no mercado público de ideias,
por mais incongruentes que elas sejam.
Conclusão
Tendo isso em vista tudo o exposto até aqui, a
resposta que obtemos a nossa pergunta original é: Igualdade de oportunidade
não implica necessariamente em igualdade de resultados, por duas razões: i)
Descritiva, pois é isso o que observamos no mundo real e ii) prescritiva, pois
nem sempre devemos eticamente almejá-la; ambas as razões são passíveis de
concordância se prezamos valores como diversidade/pluralidade e liberdade. Se
acreditamos em diversidade então devemos acreditar na diferença e liberdade, o que implica
necessariamente um afastamento da equidade.