Texto também publicado no blog oficial da Liga Humanista do Brasil (LiHS) - Bule Voador
Fonte: The Guardian - Peter Macdiarmid/Getty |
A
ciência não é, como alguns pensam, meramente um discurso engendrado
através de decisões em votos de maioria. Algumas pessoas tentam
justificar decisões politicamente equivocadas ao fazerem uso da alegação
“discursiva” dos resultados científicos. Essa imagem pós-moderna
relativista do conhecimento científico resulta em confusão na distinção
da boa e da má ciência. Como disse Susan Haack, o sucesso
da ciência é devido a distinção epistêmica, e não por privilégio (1).
Distinção porque, a ciência bem conduzida é, assim como outras
atividades humanas (história, investigação criminal e algumas vezes até
mesmo o senso-comum), caracterizada por um conjunto intrincado de boas
evidências.
Existe no Brasil a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PNPIC).
Um de seus objetivos é incorporar e implementar a chamadas “prática
integrativas e complementares” no Sistema Único de Saúde (SUS).
Pergunto-me se uma política dessas não é, antes de tudo, uma deturpação
daquilo que clinicamente entende-se por saúde.
Uma dos motivos alegados para a criação
da PNPIC foi em virtude da crescente demanda da população. Acontece que
há algo de muito preocupante quando algumas políticas públicas são
tomadas para satisfazer a (suposta) maioria das pessoas: parece um
flagrante exemplo de falácia ad populum, ou uma medida que é cúmplice de
uma (suposta) medicina não baseada em evidências.
Dentre as práticas suportadas estão a
acupuntura e a homeopatia. E nenhuma das duas têm eficácia clínica (2).
Assim, uma vez no SUS, a existência do PNPIC está incentivando, por
anuência governamental, uma má saúde. É no mínimo um suporte a uma
(suposta) medicina no mínimo capenga e muito questionável quanto à
eficácia. Acredito que o erro é, sobretudo, ético: O estado, enquanto
responsável pela boa saúde pública — ou pelo menos provedor de condições
mínimas de tratamento –, está agindo de maneira moralmente condenável
ao permitir que práticas de eficácia duvidosa sejam disponibilizadas à
população.
Entendo que há alguma maneira de
compatibilizar responsabilidade pública da saúde com liberdade privada. É
precisamente reconhecer que pessoas têm o direito de estudar e criar
clínicas de práticas complementares e, dessa forma, quem decide por
optar por elas também não podem ser impedidas. Obviamente, isso deve
acontecer apenas no âmbito privado. Por outro lado, no contexto de saúde
pública, os responsáveis por ela devem responder por ações que estejam
alinhadas com o melhor conhecimento médico e científico no momento. E
fornecer no SUS alternativas como acupuntura e homeopatia é atuar em
direção oposta a isso.
No ensaio Icarus,
escrito por Bertrand Russel, o autor manifestava seu receio de que a
ciência pudesse ser usada para promover poder de grupos dominantes em
detrimento da tornar as pessoas mais felizes. É difícil ficar
indiferente a esse manifesto ao perceber que pessoas que são
responsáveis por zelar por um bem de suma importância (saúde pública)
são míopes em suas decisões. Nesses casos, a previsão do Russel parece
se confirmar de uma maneira curiosa: ao ignorar a ciência, afastam as
pessoas não apenas de seu potencial poder curativo, mas também apostam
na tentativa de torná-las inimigas de algo que, pelo menos em algum
aspecto, poderiam salvá-las da ignorância.
Referências
1. Haack, Susan. Manifesto de uma moderada apaixonada. Editora PUC-Rio/Edições Loyola.
2. Ernst, Edzard & Sigh, Singh. Truque ou tratamento. Editora Record.
2. Ernst, Edzard & Sigh, Singh. Truque ou tratamento. Editora Record.
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