quinta-feira, 27 de março de 2014

"Olá, estranho": por que o filme "Closer - perto demais" completa 10 anos tornando-se um jovem clássico

Observação: O texto abaixo contém spoiler massivo. Se você ainda não viu o filme não é recomendável a leitura.
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"O amor não é suficiente?"
"Closer - perto demais" é um filme de 2004, dirigido pelo alemão Mike Nichols. O cineasta é responsável de outras obras de relevância, como "Quem tem medo de Virginia Woolf?" (seu primeiro filme, em 1966), "A primeira noite de um homem" (1967) e "Ânsia de amar" (1971). Nichols tem longa tradição no teatro. E, provavelmente, isso já explica duas constatações: sua ausência nos cinemas desde 2007 ("Jogos do poder" foi o filme que se seguiu a "Closer"); e parte de escolhas estéticas e narrativas do filme "Closer".

Escrevo o texto tendo em mente as seguintes motivações: Após 10 anos de lançamento, o filme ainda se mantém atual (resistiu ao tempo)? Continua a dar conta da complexidade das relações amorosas, que na época o roteiro estava notadamente (não apenas, mas também) preocupado com as discussões de relações virtuais? Ainda é capaz de causar impacto nos espectadores qua ainda não assistiram? Outra motivação é de caráter assumidamente emotivo, pois gosto muito do filme. O considero como um laboratório de relações humanas. E como homenagem aos 10 anos da obra resolvi escrever sobre.

Inicialmente, é importante lembrar as quatro personagens principais no qual o filme se desenvolve:

Alice - Natalie Portman
Dan - Jude Law
Larry - Clive Owen
Anna - Julia Roberts

"A primeira coisa sobre amor que você não entende é o compromisso"

Logo na primeira cena, dois estranhos (Alice e Dan) intercalam olhares. À medida que o som colocado diretamente na cena de abertura é paulatinamente mesclado com o som ambiente, o cineasta cria um trabalho de som simples, mas não desinteressante. Assim, essa é uma opção eficiente de apresentar dois dos personagens principais. Além disso, situa o espectador não apenas ao estado de espírito dos futuros amantes mas também revela parte do ambiente da grande cidade na qual o filme terá desenvolvimento.


"Onde está seu amor...Eu não posso fazer nada com essas suas palavras fáceis"
É particularmente interessante a naturalidade dos primeiros encontros: Alice retira carinhosamente o óculos da face de Dan; apesar de ter sido um primeiro encontro incomum, Larry e Anna interagem de maneira muito natural. Nesse sentido, enquanto estamos sendo apresentados aos quatro personagens que movem a narrativa, também somos levados a entender parte da natureza dos mesmos que contrasta com a dureza e muitas vezes indiferença na qual o comportamento deles predominará no futuro.

A inteligência da narrativa fica evidente em escolhas acertadas que ajudam no desenvolvimento da trama. Algumas dessas escolhas são de roteiro, e outras visuais. Como exemplo da primeira, note que Anna é fotógrafa. Mais do que isso, ela fotografa pessoas desconhecidas - e isso, novamente, ressalta parte do eixo central da narrativa, resumido pelo slogan "olá, estranho". Segue-se disso o exemplo da escolha visual: durante uma exposição de Anna, Alice e Larry (nesse momento marido de Anna) encontram-se pela primeira vez. Nada poderia ser mais inteligente, e metaforicamente belo, do que a opção desse encontro ocorrer defronte a fotografia de Alice eternizada na imagem com olhar triste (tirada meses atrás por Anna). Note também que o livro escrito por Dan chama-se "O Aquário", o que reforça ainda mais a ideia que o filme sirva como um palco no qual somos os observadores.

Mike Nichols também opta por economizar a narrativa sempre que possível. O que poderia, à primeira vista, ser prejudicial, justamente pelo fato da existência de vários personagens com personalidades complexas tenderem a confundir o espectador. Assim, nota-se comportamentos cíclicos - que não apenas evidencia algo típico das relações humanas - mas também deixa o filme esteticamente agradável. Isso pode ficar muito claro quando lembramos que Alice conta a Dan como teria deixado seu ex-namorado; a frase dita por ela é a mesma que futuramente usaria para romper com Dan. Além disso, no início do filme Alice aparece caminhando sozinha, e Dan também. Apesar de contextos psicológicos diferentes, essa cena é, no sentido de formato, quase a mesma a que volta a aparecer no término do filme. Alice e Dan novamente aparecem intercalados, mas dessa vez distanciados geograficamente. Notar também a cena quando Alice diz a Larry "Olá, doutor" - que é evidentemente uma maneira interessante de remeter o espectador novamente à reflexão da temática do filme.
"Eu não sou capaz de mentir a você, pois te amo"

Um dos elementos principais de um bom filme é a evolução dos personagens. Essa transformação pode ser física ou psicológica, positiva ou negativa, mas é importante para a qualidade de um personagem que este não seja o mesmo daquele no início da projeção - sobretudo em narrativas conduzidas pelo personagem em detrimento da ação. É um desafio atingir isso de maneira satisfatória em pouco tempo de tela. Uma maneira efetiva de conduzir isso é através de maquiagem, roupa e penteado. Nesse sentido, "Closer" não deixa a desejar. Todos os personagens passam por mudanças significativas quando comparado o início e final da projeção. Nichols é eficiente em ressaltar isso, especialmente nas cenas finais, quando todos os quatro persosagens ganham destaque com o intuito de mostrar seus destinos.

Ainda sobre o desenvolvimento psicológico das personagens, é possível observar o cuidado do roteiro em trabalhar a as características de cada atuação, sem torná-las unidimensionais. Por exemplo, Larry tem tendências mais agressivas e parece sempre mais obcecado pelos detalhes sexuais (especialmente no momento da revelação da traição de Anna). Alice oscila entre a meiguice e o aparente desapego com que toma suas decisões. Dan, mesmo demonstrando calmaria e simpatia, parece não dominar minimamente suas emoções - como fica evidente nas cenas em que parece obcecado pelo passado de Alice com Larry, culminando por agredí-la.

Alguns alegam que "Closer" falha em mostrar a passagem do tempo. Penso que é uma acusação desonesta. É verdade que anos se passam no decorrer do filme, e o tempo exato pode não ficar evidente ne primeira vez que o vemos. Independente disso, é fácil notar a passagem do tempo em diversas situações. Alguns elementos de maquiagem claramente fortalecem isso, como no caso da mudança de cabelo de Alice ou a presença de diálogos que expõem objetivamente palavras como "há meses".
"Eu não sou uma ladra."

Talvez o grande mérito do filme - e é uma das razões que o tornam um jovem clássico - é sua capacidade de levantar questões atemporais, como: Até onde devemos conhecer alguém para afirmar interesse amoroso? Apenas um encontro pode ser suficiente? Ainda que não seja, como negar a intensidade de um sentimento (mesmo que seja apenas físico)? É fácil definir a suposta linha que divide luxúria de amor? Existe alguma espécie de vida útil para o amor? E ainda sobre o próprio filme: As personagens estavam mesmo apaixonados? Ou estavam mais comprometidos com seu próprios egoísmos? Por que Alice teria mentido sua verdadeira identidade? Mas qual o motivo dela revelar seu nome apenas para Larry? As relações virtuais são vetores de desentendimento, ou apenas intensificam o que já é próprio do ser humano? Parece que as personagens não se entendem adequadamente, apesar da aproximação física. Isso reflete parte dos relacionamentos modernos? Parece que estão mais preocupados com seus próprios prazeres, e assim é legítimo concluir que estão falhando em reconhecer que a necessidade do outro é condição necessária para garantir a felicidade de ambos?

A vertente teatral do cineasta fica evidente quando identificamos que o filme é concentrado em diálogos. E essa característica é bem explorada ao não infantilizar as relações amorosas - justamente porque o filme está comprometido no estudo dessas relações que, muitas vezes, são os momentos em que mostramos parte do que o ser humano pode ter de pior. Apesar do formato tipicamente teatral, a competência técnica de Nichols com relação ao cinema é muito acurada. Tanto a fotografia como a montagem são concentradas em função das personagens e suas falas. Isso acentua dramaticidade do filme, que, mesmo focando em relacionamentos, não necessita de cenas de sexo para explicitar a complexidade das relações.

Por fim, uma consideração pessoal. Ao mesmo tempo que amo eu desprezo as personagens. Talvez pelo fato de que o filme é como um palco para que possamos descobrir mais sobre nós mesmos. A complexidade psicológica daqueles personagens é algo que me assombra - sou capaz de encontrá-los na vida real, e o pior, já fui capaz - em menor intensidade que eles, felizmente - de tomar atitudes que eu mesmo considerei desprezíveis. Talvez porque parte daquilo que consideramos falhar no amor nada mais é do que a marca inerente do que é ser humano. Assim, talvez o ato de cometer (inadvertidamente) a dor no outro nem seja o maior erro - mas não aprender com as sutilezas dos erros é uma grave falha moral - coisa que as personagens de "Closer" parecem não reconhecer. Costumo dizer que não é apenas a vida que imita a arte, mas parece-me que o contrário é recorrentemente mais plausível: é a arte que imita a vida.

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P.S.: Apesar de tentar usar um pouco do conhecimento que tenho aprendido sobre linguagem cinematográfica, esse texto não é necessariamente uma crítica. Crítica cinematográfica é também uma profissão. Aqui escrevo apenas como um amador.

P.P.S.: As frases abaixo das imagens são retiradas do filme, mas não necessariamente estão atribuídas ao momento exato da respectiva imagem.

Um comentário:

  1. Acabei de assistir novamente e procurei uma resenha sobre o filme,a que mais gostei foi essa aqui. Vc fez uma pergunta: Pq Alice nao contou o nome verdadeiro prara Dan. É simples: ele nao perguntou.

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