[Texto publicado no Livres Pensadores]
Na primeira
semana de Julho de 2012 os cientistas anunciaram fortes evidências de que o
Bóson de Higgs teria sido finalmente descoberto. Segundo a física teórica, esta
partícula seria a responsável por dar massa a todas as demais existentes. De maneira bem simples, vale lembrar que o fóton, outra partícula fundamental, mediadora da força
eletromagnética (a luz é uma onda eletromagnética) não possui massa. Não seria
nenhum exagero dizer que - segundo o modelo padrão que explica a existências
das partículas -, não fosse o bóson de Higgs, não existiria no universo as
“coisas com massa”; logo, não existiriam as galáxias, as estrelas, os planetas,
a vida.
A “caçada” ao
bóson de Higgs serve como motivação para uma reflexão tão importante quanto os
resustados da ciência, aquilo que muitas vezes fica somente nos bastidores,
porém é o que garante o sucesso desta atividade humana. Quando o físico
britânico Peter Higgs propôs a hipótese da partícula, em 1964, a primeira
revista científica para o qual ele submeteu seu trabalho (Physics Letters) rejeitou
em publicar suas ideias. Em outra tentativa (Physics Letters Review), após
algumas melhorias, seu trabalho foi aceito. Nota-se, portanto, que a hipótese
da existência dessa partícula já existe há quase 50 anos. Foi necessária a
tecnologia atual dos aceleradores de partículas para que a hipótese pudesse
realmente ter sido testada. E isso não aconteceu somente com esta partícula,
mas sim com várias outras.
O poder
preditivo da física teórica está exemplificado com a “caçada” ao bóson de Higgs.
Determinada hipótese é levantada com fundamentos teóricos e, mesmo que ainda
não sendo possível comprovar a ideia durante algum período de tempo, se tal
hipótese for testável pode ser considerada científica. Nesse sentido é
necessário destacar que se o bóson de Higgs não fosse descoberto não significa
dizer que não foi realizado ciência; muito pelo contrário, pois a componente
experimental do método não garante a satisfação subjetiva dos cientistas, mas,
como já dito, podendo ser testável, é sim científico. Ainda se o bóson de Higgs
não fosse encontrado, isso poderia ser, de fato, fascinante no sentido de poder
abrir caminho para outras questões na física de partículas (estaria o modelo
padrão equivocado, a predição do bóson em questão foi falha, o modelo padrão é
apenas uma parcela de outro maior, etc.). Em outras palavras, o filósofo Thomas
Khun intitularia este acontecimento como uma mudança de paradigma. Nesse
aspecto, uma mudança mais recente no paradigma da ciência não é melhor que seu paradigma antigo, mas apenas diferente. Além disso, o sucesso ou não dessa
“caçada” nos mostra que na ciência, ao contrário de algumas outras atividades
humanas, não existe o apelo a uma autoridade, a figura inquestionável. A
natureza é o tribunal final.
O fazer científico ressalta de maneira
sublime nossa ignorância sobre as coisas do mundo. Embora afirmar que o método
pelo qual a ciência funciona seja o mais confiável para descobrir a natureza
possa carecer de argumentos justificáveis, eu diria que o processo
auto-corretivo e humilde no qual os cientistas estão submetidos garante ao
método uma categoria de excelência quando o assunto é aplicação prática. Naturalmente
que a ciência não se preocupa somente com questões de aplicações imediatas, e
quem defende que o LHC (o equipamento construído para fazer diversos testes na área de
física de partículas) foi um empreendimento muito caro talvez esteja pouco informado do real investimento da ciência no mundo. O bóson de Higgs talvez não
nos traga aplicações práticas de imediato. Entretanto, quem imaginaria que no
século 18, com os estudos descoberta da eletricidade, o mundo sofresse uma
revolução tão gigantesca, de tal forma que se hoje nos comunicamos foi graças a
essa empreitada humana de descobertas e curiosidades. Ainda mais atual, é
graças a mecânica quântica que podemos fazer usos de CD, DVD e blu-ray. E mais
fascinante ainda é que os problemas teóricos da física mal começaram a ser
respondidos. O paradigma atual sugere que tudo o que conseguimos ver desse
universo representa somente 4%. O resto? Bem, ainda é uma incógnita. Seria
alguma partícula ainda para ser descoberta, ou uma nova teoria elegante (teoria
das cordas)? Quando estas forem respondidos, novas perguntas certamente virão à
tona. E isso inspira recordar outra peculiaridade da ciência: não é um
conhecimento absoluto, pois o escrutínio das hipóteses é realizado de maneira a
evitar a interferência subjetiva.
Talvez isso tudo
já tenha sido melhor explorado por Carl Sagan: “Existem muitas hipóteses na
ciência que são erradas. Isso é perfeitamente correto; elas são a abertura para
descobrir o que é certo. A ciência é um processo auto-corretivo. Para serem
aceitas, novas ideias devem sobreviver aos mais rigorosos padrões de evidência
e escrutínio.”
OBS.: este
texto não explica com detalhes o que é o bóson de Higgs, nem era a intenção.
Para saber veja:
- Ciência no
Cotidiano : o bóson de Higgs ou a partícula de Deus - http://www.youtube.com/watch?v=RBchi6xKmTI
- Fronteiras
da ciência (rádio universidade da UFRGS, episódios 12 e 17): http://www6.ufrgs.br/frontdaciencia/
Nenhum comentário:
Postar um comentário