sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Estaria a ficção científica tornando-se uma ficção?



            
2001 - Uma odisseia no espaço (Kubrick, 1968)
 "A meta da ficção científica é lançar uma nova lente sobre a realidade e chegar um pouco mais perto do significado de sermos humanos. Às vezes, com a ficção científica, você se aproxima mais da verdade do que se tivesse seguido todas as regras." Brit Marling

  Em uma recente entrevista ao site TheWrap.com, o roteirista Roberto Orci afirmou que as séries de ficção-científica para a televisão estão sendo substituídas pelo gênero fantasia [1].  A tendência, segundo ele, é dar preferência a séries como “Game of Thrones” e “The Walking Dead”.

Star Trek
                Mas devemos nos perguntar: por que isso está acontecendo? Na verdade a ficção-científica pura nunca foi um grande sucesso de público. Sempre esteve estereotipada por ser um gênero para pessoas “que não vivem no mundo real”. O problema é que a maioria das pessoas nem sabe o que o mundo real realmente é. Se falarmos sobre o “Gato de Schrödinger”, distorções do espaço-tempo, esferas de Dyson, coletores Bussard, anti-matéria, para a maioria das pessoas elas lhe olharão como se você tivesse antenas e tivesse acabado de chegar de Andoria. São alguns temas científicos recorrentes na ficção-científica que a grande maioria das pessoas sequer sonha que existam, e tendem a crer que são “coisas viajantes” que aparece nos filmes “daquela gente maluca”.
                Não é de se estranhar que para fazer sucesso de público os filmes têm fugido desses conceitos e abordado temas mais inteligíveis para o público em geral. Isso ocorre porque infelizmente quem faz um filme é um estúdio que quer ganhar dinheiro, e para isso precisa de público. E o público em geral realmente não gosta de ficção-científica.
Stars Wars - O império contra-ataca (Kershner, 1980)
                Até mesmo os clássicos da ficção-científica têm se reinventado. Os dois últimos filmes de Star Trek fugiram um pouco da ciência e foram grandes sucessos de público. A ciência ainda está lá, mas parece ter perdido espaço, voltando um pouco para as origens da Série Clássica. A Série Clássica não era de grande acurácia científica, mas essa não era a proposta principal. Era uma série a frente de seu tempo que tratava de temas da sociedade da época sob a camuflagem das viagens espaciais, usando a ciência para contar as histórias, mas focando nos indivíduos. As outras séries da franquia mantiveram a mesma linha, mas trouxeram um compromisso com o conteúdo científico um pouco mais acentuado.
Solaris (vesrão de Tarkosky, 1972)
                Os maiores clássicos da ficção-científica nunca foram sucessos de público: “2001, A Space Odyssey” (sci-fi hard), “Star Trek” (sci-fi soft) (todas as séries), “Blade Runner” (sci-fi hard), “Solaris” (sci-fi hard). Em compensação, filmes de fantasia que usam alguns temas da ficção-científica, como “Star Wars” e “Independence Day”, fazem sucesso estrondoso, pois são simplesmente experiências visuais que agradam ao público em geral. De fato, isso é uma atitude recorrente: as pessoas acham que só porque inclui espaço e alienígenas um filme é de ficção-científica. Não só isso não é verdade como um filme não precisa de espaço e alienígenas para ser ficção-científica. A ficção-científica lida principalmente com o impacto da ciência, tanto verdadeira como imaginada, sobre a sociedade ou os indivíduos.
Blade Runner (Scott, 1982)
                Embora não exista um consenso sobre a definição de ficção científica, John Clute e Peter Nicholls na “The Encyclopedia of Science Fiction” [2] encontramos o seguinte: “um gênero literário cuja condições necessárias e suficientes são a presença e interação de elementos de estranheza e de racionalização científica cujo principal dispositivo formal é um referencial imaginativo alternativo ao ambiente empírico que o leitor vive.” Também é importante lembrar a distinção de fantasia. Nesse sentido, encontramos eco nas palavras um tanto poética de Rod Serling, quando diz que “Fantasia é o impossível feito provável, e ficção científica é o improvável feito possível”. Portanto, salvo as devidas comparações entre literatura e cinema, percebemos que o gênero é muito mais do que apenas um filme no qual comece com “A muito tempo atrás, em uma galáxia muito distante...”
Filhos da esperança (Cuarón, 2006)
                Talvez seja nas obras independentes e/ou de menores recursos que o gênero esteja mantendo qualidade. E nesse contexto, alguns exemplos recentes podem ser citados, como “Europa Report”, “Primer”, “Lunar”, “Filhos da Esperança” e “Loop”. Certamente tais exemplares não são a panaceia salvacionista do gênero, tampouco representam por completo o gosto heterogêneo dos fãs -, mas certamente abrandam um pouco a decadência intelectual no qual amiúdes estamos expostos.
                  Como representantes consumidores da ficção deixamos nosso humilde manifesto de descontentamento frente a contínua queda de qualidade do gênero nas telas. Também evidenciamos que não somos opositores do gênero fantasia. Por outro lado, percebemos a contínua perda de espaço qualitativo e quantitativo da ficção científica em detrimento da diversão fácil. E enquanto no papel de entusiastas estaremos exigindo maior zelo com este gênero que já ofereceu imensas colaborações artísticas e, sem dúvidas, detentor de um potencial (filosófico e artístico) incomensurável. 

and all those moments will be lost in time...like tears in rain  
(E todos estes momentos se perderão no tempo... como lágrimas na chuva)
[Derradeira frase final do personagem Roy Batty (Rutger Hauer), no filme Blade Runner]

Autores:
Alexandre Godoy Graeff
Cesar Pinheiro
Cicero Escobar

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Referências:
[1] http://www.thewrap.com/tv/article/tca-sleepy-hollowstar-trek-producer-roberto-orci-fantasy-displacing-sci-fi-107656

[2] TheEncyclopedia of Science Fiction - J. Clute; P. Nicholls

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