[Uma versão alternativa do texto foi publicada no Universo Racionalista]
A revista Journal of Cosmology (JoC) fez barulho novamente. E semelhante a outras vezes, a suposta ciência da revista é de qualidade duvidosa.
No recente estudo, os autores alegam ter encontrado evidências inequívocas de diatomáceas na região da estratosfera. Além disso, sugerem que os organismos são de origem extraterrestre.
Embora o estudo seja recente, o histórico polêmico
da revista é velho. Mais preocupante é a maneira como a notícia tem sido propagada
na mídia (aqui, aqui, aqui
e aqui).
Posto de maneira simples, a mais recente empreitada da revista está sendo
responsável por um viral que está se espelhando como evidência conclusiva da
chamada panspermia.
Um dos autores do texto, Chandra Wickramasinghe,
esteve envolvido em outro estudo,
também publicado na JoC, de qualidade metodológica duvidosa (ver aqui,
aqui, e aqui) meses atrás sobre a alegação de ter encontrado
diatomáceas em meteoritos. O estudo publicado naquela época foi conduzido com
metodologia falha e sem evidências conclusivas para suportar a alegação. Não
bastasse isso, nem foram capazes de mostrar que o que tinham encontrado era de
fato meteorito. Vale ressaltar que o periódico já foi mais de uma vez acusado
de práticas metodológicas questionáveis (aqui, aqui
e aqui).
Voltando no tempo: Em Março de 2011, a mesma
revista havia publicado um
trabalho que indicava ter encontrado bactérias extraterrestres em
meteoritos. Muito barulho para um texto que apresentava alegações muito ousadas e pouco rigor em análises (aqui e
aqui). A repercussão
(mais aqui
e aqui)
foi grande, ouso a dizer, em virtude do autor, Richard Hoover, ter
credenciais vinculadas com a NASA (aqui).
Na recente publicação, aparentemente os autores sequer
consultaram especialistas em diatomáceas e foram apressados em inferir, através
de análises muito limitadas, que os organismos pudessem ser de origem
extraterrestre. Como menciona Phil Plait : “diatomáceas são endêmicas na Terra,
essencialmente encontradas em todos os lugares onde há água. Será que essas não
teriam vindo da Terra? Eles (autores) afirmam que tomaram precauções para se
livrarem de contaminações. O que eles encontraram parece muito com as
diatomáceas encontradas na Terra. Como poderiam ter chegado a estratosfera?
Vulcões são uma possibilidade, embora eles dizem que nenhum vulcão teria
entrado em erupção recentemente (na região de coleta) e afirmam que uma
partícula daquele tamanho poderia sair fora da estratosfera rapidamente. Mas eu
não estou muito certo que isso é o caso (...).
Eles citam um estudo mostrando a rapidez com que uma partícula cairia de
diversas alturas, e dizem que a diatomácea cairia em questão de horas. Mas eu
li o artigo, e eles assumem que a atmosfera é estável e imóvel, e não mencionam
especificamente nenhuma outra força atuando sobre a partícula, exceto a gravidade
e flutuabilidade. Há, no entanto, vento e turbulência na estratosfera que pode
conseguir manter um pequeno objeto como esse no ar por algum tempo.”
A postura madura do Plait é ainda mais
evidenciada quando ele diz “o fato deles não saberem a maneira de como a
amostra (diatomácea) chegou naquela região (estratosfera) NÃO significa que não
há uma explicação.” De maneira semelhante, o astrobiólogo Chris
Mckay diz:
“Há provavelmente algo de verdade no que foi reportado no sentido de terem encontrado
coisas curiosas na atmosfera. O salto na conclusão que o achado é alienígena é
um grande pulo e deve requerer extraordinárias provas.” McKay ainda nos fornece
um exemplo astuto do que eventualmente poderia ser considerado uma evidência
extraordinária: “Se eles (autores) fosses capazes de mostrar que os organismos
são constituídos de aminoácidos na forma D (as proteínas na Terra são feitas da
forma L),
então isso eu consideraria convincente. Seria algum tipo de indicação que os
organismos não compartilham da mesma bioquímica da Terra. Se de fato os
organismos compartilham a biquímica encontrada na Terra isso demonstra que a
origem alienígena é provavelmente impossível.”
A postura dos autores lembra muito as
inconveniências daqueles programas de TV obscurantistas que seguem com o
raciocínio do tipo “não sei explicar, logo a causa é alienígena”. Talvez sirva
como um belo exemplo de argumentum
ad ignorantiam.
O JoC parece ter um compromisso com alegações
extraordinárias. Mas as evidências são parcas e pueris. Aplicando a navalha de Occam,
parece que explicações mundanas são muito mais satisfatórias do que o
dogmatismo pela panspermia que os autores propagam. A revista é um desserviço
para a comunidade de astrobiólogos que se empenham seriamente ao estudo da
possibilidade de vida extraterrestre. De fato, existem linhas de pesquisas dedicadas
o estudo de organismos em suspensão (aerobiologia), sendo bem mais
contidas em suas alegações e com rigor metodológico conveniente (veja um exemplo
aqui).
Carl Sagan acertou quando disse que alegações
extraordinárias exigem evidências extraordinárias. Abandonar a máxima saganiana
pode significar correr o risco de aceitar qualquer alegação pífia como
representante genuína de conhecimento.