domingo, 22 de setembro de 2013

A infundada alegação de diatomáceas extraterrestres - a ciência de qualidade duvidosa da Journal of cosmology



                                              [Uma versão alternativa do texto foi publicada no Universo Racionalista]
 A revista Journal of Cosmology (JoC) fez barulho novamente. E semelhante a outras vezes, a suposta ciência da revista é de qualidade duvidosa.
No recente estudo, os autores alegam ter encontrado evidências inequívocas de diatomáceas na região da estratosfera. Além disso, sugerem que os organismos são de origem extraterrestre.
Embora o estudo seja recente, o histórico polêmico da revista é velho. Mais preocupante é a maneira como a notícia tem sido propagada na mídia (aqui, aqui, aqui e aqui).
Posto de maneira simples, a mais recente empreitada da revista está sendo responsável por um viral que está se espelhando como evidência conclusiva da chamada panspermia.
Um dos autores do texto, Chandra Wickramasinghe, esteve envolvido em outro estudo, também publicado na JoC, de qualidade metodológica duvidosa (ver aqui, aqui, e aqui) meses atrás sobre a alegação de ter encontrado diatomáceas em meteoritos. O estudo publicado naquela época foi conduzido com metodologia falha e sem evidências conclusivas para suportar a alegação. Não bastasse isso, nem foram capazes de mostrar que o que tinham encontrado era de fato meteorito. Vale ressaltar que o periódico já foi mais de uma vez acusado de práticas metodológicas questionáveis (aqui, aqui e aqui).

Voltando no tempo: Em Março de 2011, a mesma revista havia publicado um trabalho que indicava ter encontrado bactérias extraterrestres em meteoritos. Muito barulho para um texto que apresentava alegações muito ousadas e pouco rigor em análises (aqui e aqui). A repercussão (mais aqui e aqui) foi grande, ouso a dizer, em virtude do autor, Richard Hoover, ter credenciais vinculadas com a NASA (aqui).

Na recente publicação, aparentemente os autores sequer consultaram especialistas em diatomáceas e foram apressados em inferir, através de análises muito limitadas, que os organismos pudessem ser de origem extraterrestre. Como menciona Phil Plait : “diatomáceas são endêmicas na Terra, essencialmente encontradas em todos os lugares onde há água. Será que essas não teriam vindo da Terra? Eles (autores) afirmam que tomaram precauções para se livrarem de contaminações. O que eles encontraram parece muito com as diatomáceas encontradas na Terra. Como poderiam ter chegado a estratosfera? Vulcões são uma possibilidade, embora eles dizem que nenhum vulcão teria entrado em erupção recentemente (na região de coleta) e afirmam que uma partícula daquele tamanho poderia sair fora da estratosfera rapidamente. Mas eu não estou muito certo que isso é o caso (...). Eles citam um estudo mostrando a rapidez com que uma partícula cairia de diversas alturas, e dizem que a diatomácea cairia em questão de horas. Mas eu li o artigo, e eles assumem que a atmosfera é estável e imóvel, e não mencionam especificamente nenhuma outra força atuando sobre a partícula, exceto a gravidade e flutuabilidade. Há, no entanto, vento e turbulência na estratosfera que pode conseguir manter um pequeno objeto como esse no ar por algum tempo.”

A postura madura do Plait é ainda mais evidenciada quando ele diz “o fato deles não saberem a maneira de como a amostra (diatomácea) chegou naquela região (estratosfera) NÃO significa que não há uma explicação.” De maneira semelhante, o astrobiólogo Chris Mckay diz: “Há provavelmente algo de verdade no que foi reportado no sentido de terem encontrado coisas curiosas na atmosfera. O salto na conclusão que o achado é alienígena é um grande pulo e deve requerer extraordinárias provas.” McKay ainda nos fornece um exemplo astuto do que eventualmente poderia ser considerado uma evidência extraordinária: “Se eles (autores) fosses capazes de mostrar que os organismos são constituídos de aminoácidos na forma D (as proteínas na Terra são feitas da forma L), então isso eu consideraria convincente. Seria algum tipo de indicação que os organismos não compartilham da mesma bioquímica da Terra. Se de fato os organismos compartilham a biquímica encontrada na Terra isso demonstra que a origem alienígena é provavelmente impossível.”

A postura dos autores lembra muito as inconveniências daqueles programas de TV obscurantistas que seguem com o raciocínio do tipo “não sei explicar, logo a causa é alienígena”. Talvez sirva como um belo exemplo de argumentum ad ignorantiam.

O JoC parece ter um compromisso com alegações extraordinárias. Mas as evidências são parcas e pueris. Aplicando a navalha de Occam, parece que explicações mundanas são muito mais satisfatórias do que o dogmatismo pela panspermia que os autores propagam. A revista é um desserviço para a comunidade de astrobiólogos que se empenham seriamente ao estudo da possibilidade de vida extraterrestre. De fato, existem linhas de pesquisas dedicadas o estudo de organismos em suspensão (aerobiologia), sendo bem mais contidas em suas alegações e com rigor metodológico conveniente (veja um exemplo aqui).

Carl Sagan acertou quando disse que alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias. Abandonar a máxima saganiana pode significar correr o risco de aceitar qualquer alegação pífia como representante genuína de conhecimento.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Estaria a ficção científica tornando-se uma ficção?



            
2001 - Uma odisseia no espaço (Kubrick, 1968)
 "A meta da ficção científica é lançar uma nova lente sobre a realidade e chegar um pouco mais perto do significado de sermos humanos. Às vezes, com a ficção científica, você se aproxima mais da verdade do que se tivesse seguido todas as regras." Brit Marling

  Em uma recente entrevista ao site TheWrap.com, o roteirista Roberto Orci afirmou que as séries de ficção-científica para a televisão estão sendo substituídas pelo gênero fantasia [1].  A tendência, segundo ele, é dar preferência a séries como “Game of Thrones” e “The Walking Dead”.

Star Trek
                Mas devemos nos perguntar: por que isso está acontecendo? Na verdade a ficção-científica pura nunca foi um grande sucesso de público. Sempre esteve estereotipada por ser um gênero para pessoas “que não vivem no mundo real”. O problema é que a maioria das pessoas nem sabe o que o mundo real realmente é. Se falarmos sobre o “Gato de Schrödinger”, distorções do espaço-tempo, esferas de Dyson, coletores Bussard, anti-matéria, para a maioria das pessoas elas lhe olharão como se você tivesse antenas e tivesse acabado de chegar de Andoria. São alguns temas científicos recorrentes na ficção-científica que a grande maioria das pessoas sequer sonha que existam, e tendem a crer que são “coisas viajantes” que aparece nos filmes “daquela gente maluca”.
                Não é de se estranhar que para fazer sucesso de público os filmes têm fugido desses conceitos e abordado temas mais inteligíveis para o público em geral. Isso ocorre porque infelizmente quem faz um filme é um estúdio que quer ganhar dinheiro, e para isso precisa de público. E o público em geral realmente não gosta de ficção-científica.
Stars Wars - O império contra-ataca (Kershner, 1980)
                Até mesmo os clássicos da ficção-científica têm se reinventado. Os dois últimos filmes de Star Trek fugiram um pouco da ciência e foram grandes sucessos de público. A ciência ainda está lá, mas parece ter perdido espaço, voltando um pouco para as origens da Série Clássica. A Série Clássica não era de grande acurácia científica, mas essa não era a proposta principal. Era uma série a frente de seu tempo que tratava de temas da sociedade da época sob a camuflagem das viagens espaciais, usando a ciência para contar as histórias, mas focando nos indivíduos. As outras séries da franquia mantiveram a mesma linha, mas trouxeram um compromisso com o conteúdo científico um pouco mais acentuado.
Solaris (vesrão de Tarkosky, 1972)
                Os maiores clássicos da ficção-científica nunca foram sucessos de público: “2001, A Space Odyssey” (sci-fi hard), “Star Trek” (sci-fi soft) (todas as séries), “Blade Runner” (sci-fi hard), “Solaris” (sci-fi hard). Em compensação, filmes de fantasia que usam alguns temas da ficção-científica, como “Star Wars” e “Independence Day”, fazem sucesso estrondoso, pois são simplesmente experiências visuais que agradam ao público em geral. De fato, isso é uma atitude recorrente: as pessoas acham que só porque inclui espaço e alienígenas um filme é de ficção-científica. Não só isso não é verdade como um filme não precisa de espaço e alienígenas para ser ficção-científica. A ficção-científica lida principalmente com o impacto da ciência, tanto verdadeira como imaginada, sobre a sociedade ou os indivíduos.
Blade Runner (Scott, 1982)
                Embora não exista um consenso sobre a definição de ficção científica, John Clute e Peter Nicholls na “The Encyclopedia of Science Fiction” [2] encontramos o seguinte: “um gênero literário cuja condições necessárias e suficientes são a presença e interação de elementos de estranheza e de racionalização científica cujo principal dispositivo formal é um referencial imaginativo alternativo ao ambiente empírico que o leitor vive.” Também é importante lembrar a distinção de fantasia. Nesse sentido, encontramos eco nas palavras um tanto poética de Rod Serling, quando diz que “Fantasia é o impossível feito provável, e ficção científica é o improvável feito possível”. Portanto, salvo as devidas comparações entre literatura e cinema, percebemos que o gênero é muito mais do que apenas um filme no qual comece com “A muito tempo atrás, em uma galáxia muito distante...”
Filhos da esperança (Cuarón, 2006)
                Talvez seja nas obras independentes e/ou de menores recursos que o gênero esteja mantendo qualidade. E nesse contexto, alguns exemplos recentes podem ser citados, como “Europa Report”, “Primer”, “Lunar”, “Filhos da Esperança” e “Loop”. Certamente tais exemplares não são a panaceia salvacionista do gênero, tampouco representam por completo o gosto heterogêneo dos fãs -, mas certamente abrandam um pouco a decadência intelectual no qual amiúdes estamos expostos.
                  Como representantes consumidores da ficção deixamos nosso humilde manifesto de descontentamento frente a contínua queda de qualidade do gênero nas telas. Também evidenciamos que não somos opositores do gênero fantasia. Por outro lado, percebemos a contínua perda de espaço qualitativo e quantitativo da ficção científica em detrimento da diversão fácil. E enquanto no papel de entusiastas estaremos exigindo maior zelo com este gênero que já ofereceu imensas colaborações artísticas e, sem dúvidas, detentor de um potencial (filosófico e artístico) incomensurável. 

and all those moments will be lost in time...like tears in rain  
(E todos estes momentos se perderão no tempo... como lágrimas na chuva)
[Derradeira frase final do personagem Roy Batty (Rutger Hauer), no filme Blade Runner]

Autores:
Alexandre Godoy Graeff
Cesar Pinheiro
Cicero Escobar

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Referências:
[1] http://www.thewrap.com/tv/article/tca-sleepy-hollowstar-trek-producer-roberto-orci-fantasy-displacing-sci-fi-107656

[2] TheEncyclopedia of Science Fiction - J. Clute; P. Nicholls