quarta-feira, 10 de julho de 2024

Bjorn Lomborg e as críticas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

 Em setembro de 2023, um artigo da Nature destacou que estávamos no meio do caminho em relação aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. O texto alerta contundente de que o mundo não está no caminho certo para alcançar nenhum dos 17 ODS até 2030. Se o progresso continuar no ritmo atual, prevê-se que até o final desta década haverá 575 milhões de pessoas vivendo em extrema pobreza, 600 milhões enfrentando fome e 84 milhões de crianças e jovens fora da escola. A análise mostra que apenas 02 dos 36 alvos dos ODS estavam caminho certo até aquele momento, enquanto muitos outros mostram progresso limitado ou nenhum progresso, incluindo questões cruciais como pobreza, água potável segura e conservação dos ecossistemas.

ODS significa "Objetivos de Desenvolvimento Sustentável". São 17 objetivos interligados estabelecidos pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2015, com a meta de serem atingidos até 2030. Eles fazem parte da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, que visa abordar questões globais entendidas como urgentes, contemplando a erradicação da pobreza, a proteção do meio ambiente e a garantia de paz e prosperidade para todos. Visando alcançar cada um desses objetivos, existe, em média, 10 metas a ser atingida para cada ODS, totalizando 169 metas ao total. Isso pode pode parecer um número alto, e de fato é. E talvez isso explique, em parte, a preocupação expressada pelos autores da Nature.

Fonte: https://www.nature.com/articles/d41586-023-02808-x

É importante lembrar que os ODS sucedem outra iniciativa da ONU, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Os ODM foram criados pelo então Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, e um pequeno grupo de assessores, com pouca participação pública ou governamental. Annan e sua equipe trabalharam em colaboração com o Fundo Monetário Internacional, com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico e com o Banco Mundial. O resultado foi um plano curto e eficaz: oito objetivos e 18 metas específicas, iniciando em 2000 e terminando em 2015. Apesar de mais enxutos que os atuais ODS, os ODM alcançaram relativo sucesso. Um exemplo notável de progresso foi a redução significativa na mortalidade infantil. Em 1990, quase 12 milhões de crianças com menos de cinco anos morriam anualmente. Em 2015, esse número caiu pela metade.

Bjørn Lomborg é um cientista político e professor dinamarquês renomado por seu trabalho em economia ambiental e sua abordagem distinta sobre questões de sustentabilidade e mudanças climáticas. Em 2004, ele fundou o think tank Copenhagen Consensus, com o objetivo de otimizar o uso de recursos globais por meio da avaliação e priorização de problemas e soluções, baseadas em análises econômicas de custo-benefício. O Copenhagen Consensus reúne especialistas para examinar diversos desafios globais, como saúde, nutrição, educação e meio ambiente, visando identificar quais investimentos podem gerar os maiores benefícios para a sociedade.

Na esteira do relativo sucesso dos ODM, parecia razoável defender uma nova rodada de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, desta vez mais ambiciosa. No entanto, como argumenta o dinamarquês Bjorn Lomborg, as "ODS prometem tudo para todo mundo ao mesmo tempo"; portanto, não é surpreendente que não estejam alcançando o sucesso esperado.

Uma das críticas do dinamarquês é que, ao lado de metas nobres e cruciais, há muitas outras que são consideravelmente menos prementes, como a promoção turismo sustentável, o aumento da produção de alimentos orgânicos e a garantia de espaços públicos verdes para pessoas com deficiência. Não há problema em querer promover tais políticas, mas colocar essas promessas no mesmo nível de metas mais urgentes é desconcertante em um mundo onde centenas de milhões de pessoas ainda passam fome, são acometidas por doenças infecciosas, têm péssimo acesso à educação e sofrem com falta de acesso à energia.

Outras metas prometem resultados positivos, mas sem fornecer um plano claro de como alcançá-los. Uma delas promete "emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas as mulheres e homens, incluindo jovens e pessoas com deficiência". No entanto, não é como se a maioria dos líderes políticos não estivesse ciente da importância de criar empregos. Se houvesse uma maneira simples e eficaz de cumprir essa meta, já teria sido implementada. Da mesma forma, os ODS insistem na necessidade de "promover sociedades pacíficas". A paz é desejável, mas sem alguma inovação política para torná-la mais viável, isso apenas reitera um desejo secular sem muita clareza em como seria possível alcançar. Outras metas são, muito provavelmente, irrealizáveis devido à sua enorme ambição. Alguém acredita que será possível alcançar a meta de "acabar com todas as formas de discriminação contra todas as mulheres e meninas em todos os lugares" até 2030? Novamente, não é que muitas dessas metas não sejam nobres, mas as promessas de resolver todo e para todos ao mesmo é um projeto hercúleo com grandes chances de falha.

Por outro lado, algumas metas podem ser alcançadas, mas a um custo extremamente alto. Por exemplo, os ODS prometem "sistemas de proteção social para todos", o que essencialmente significa implementar um sistema básico de bem-estar em todos os países, incluindo provisões para deficiência e velhice. No entanto, segundo Lomborg, não se leva em conta que isso custaria muito mais de um trilhão de dólares por ano até 2030, mesmo excluindo os países ricos.

Algumas metas dos ODS são difíceis de entender. Por exemplo, uma das dez promessas de educação promete, ipsis litteris, "assegurar que todos os alunos adquiram os conhecimentos e habilidades necessários para promover o desenvolvimento sustentável, incluindo, entre outros, por meio da educação para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis, direitos humanos, igualdade de gênero, promoção de uma cultura de paz e não-violência, cidadania global e valorização da diversidade cultural e da contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável". Entender exatamente o que isso significa, e como alcançar, parece dar margem a uma variada gama de interpretações. Mais difícil ainda seria como implementar.

Em seu livro "Best Things First" (2023), Lomborg argumenta que é essencial, e possível, priorizar as ações globais com base em análises de custo-benefício para garantir que os recursos limitados sejam utilizados de maneira eficiente. Ele propõe uma abordagem mais focada e pragmática, destacando que, ao concentrar os esforços nos problemas que podem ser resolvidos de forma mais eficaz e com maior impacto, é factível alcançar resultados significativamente melhores.  Um dos aspectos que mais incomoda Bjørn Lomborg é que todas essas 169 metas das ODS não são ideias sem custo.

Lomborg ecoa as críticas e as preocupações lançada por outros pesquisadores, como o editorial da Nature. Deixa explícito que se o mundo continuar com as tendências atuais — excluindo a estagnação anômala causada pela Covid-19 em 2020-21 — atingiremos a marca de 100% dos ODS apenas após 2078, quase meio século de atraso. Mais relevante na análise de Lomborg é a desigualdade no atraso no cumprimento das metas entre os países. Países de renda média-baixa estarão 'apenas' 38 anos atrasados, enquanto os países de baixa renda estarão quase um século atrasados. Já os países de alta renda estarão incrivelmente 150 anos atrasados.

Os 17 objetivos e o ano alcançado com base nas tendências de 2015-19 para países de renda média-baixa. “Nunca” significa que os indicadores estão se afastando do objetivo.

A 'metade mais pobre do mundo' se refere a países de baixa e média-baixa renda, categorizados pelo Banco Mundial como países onde cada pessoa, em média, ganha menos de US$ 1.085 por ano ou apenas cerca de US$ 3 por dia. Nos países de renda média-baixa, as pessoas ganham até quase US$ 12 por dia. Para comparação, a renda média diária na China é de US$ 33 e nos países de alta renda (ou mundo rico), é de US$ 132.

Segundo dados do livro, um investimento anual de aproximadamente US$ 35 bilhões pode resultar em mudanças significativas: salvando 4,2 milhões de vidas anualmente, melhorando a situação financeira da metade mais pobre do mundo em mais de um trilhão de dólares, quase eliminando a tuberculose e reduzindo em 1,5 milhão o número de mortes por doenças crônicas. Aumentando a produtividade agrícola, poderíamos evitar a fome para mais de cem milhões de pessoas e assegurar educação de qualidade para quase todas as crianças dos países mais pobres, potencialmente elevando sua renda coletiva em mais de US$ 600 bilhões por ano.

Eis o argumento centra do livro: Ao longo de um período de 7 anos (2023 a 2030), implementar as 12 principais soluções teria um custo anual de US$ 41 bilhões, enquanto que os benefícios totais (econômicos + sociais) alcançarão US$ 2,1 trilhões. Isso implica que cada dólar investido resultará em notáveis US$ 52 de retorno, ou seja, a relação benefício-custo é de 52.

É possível encontrar quase todo o livro na página do Copenhagen Consensus, juntamente com todas as referências que compõem todos os estudos das ideias contidas no livro: https://www.copenhagenconsensus.com/bestthingsfirst.

Gastar $35 bilhões pode parecer muito, então é útil colocar isso em contexto. Para os 4,1 bilhões de pessoas na metade mais pobre do mundo, esse valor representa um aumento de apenas $8,50 por ano por pessoa.  Além disso, os $35 bilhões são um custo modesto em comparação aos $211 bilhões que os governos ricos gastam anualmente em ajuda ao desenvolvimento.

À medida que o mundo se aproxima da marca de meio caminho para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a proposta é maximizar, em termos de custo-benefício, as melhores estratégias para alcançar esses compromissos das ODS. Para isso, um time de economistas pesquisadores que trabalhou com o think tank Copenhagen Consensus produziu 12 soluções principais a se focar, sendo elas: Tuberculose, educação, saúde materna e neonatal, pesquisa e desenvolvimento agrícola, malária, e-procurement (compras eletrônicas), nutrição, segurança na posse da terra, doenças crônicas, comércio, imunização infantil e migração qualificada

Portanto, essas ideias não são opostas necessariamente às ODS; na verdade, algumas são quase idênticas. No entanto, Lomborg critica a falta de foco e o excesso de promessas nas ODS, argumentando que muitos desses objetivos podem ser irrealistas e não priorizam os investimentos de maneira eficaz.

No livro, discute-se que, apesar de muitos objetivos dos ODS serem altamente desejáveis, alguns, como alcançar a paz mundial, carecem de caminhos eficazes para sua realização. O time de economistas que trabalhou com o think tank Copenhagen Consensus colaboraram para explorar maneiras eficientes de reduzir o risco de conflitos, mas descobriram que mesmo políticas dispendiosas têm eficácia limitada conhecida nesse sentido. A única política identificada como significativa foi o envio de forças de paz após a assinatura de tratados de paz, capaz de reduzir a probabilidade de regiões frágeis voltarem a conflitos, embora seus custos sejam consideráveis. A relação benefício-custo estimada foi de aproximadamente $5 por dólar investido, destacando-se como uma política benéfica, mas que não atende ao critério de custo-benefício de $15 estabelecido pelo livro. Enquanto várias políticas são consideradas medianas e algumas até contraproducentes, apenas uma dúzia se destaca por oferecer retornos fenomenais.

Apenas para ilustrar um exemplo discutido pelo autor, as ODS estabelecem metas ambiciosas para reduzir as taxas de mortalidade materna e neonatal até 2030. A meta inicial de saúde dos ODS visa reduzir a mortalidade materna global para 0,07%, um objetivo desafiador que requer uma queda significativa nas taxas de mortalidade, quase quatro vezes mais rápida do que durante os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). No entanto, os progressos até agora têm sido insuficientes, com a taxa de mortalidade materna estagnada desde 2015. Alcançar essa meta implicaria uma redução significativa no número de mortes maternas anuais, de aproximadamente 300.000 para menos de 100.000 até 2030, apesar dos nascimentos globais esperados permanecerem estáveis. Similarmente, a meta para a mortalidade neonatal, abaixo de 1,2% até 2030, é considerada desafiadora, com o progresso atual sugerindo que esse objetivo só será alcançado em 2060, resultando em uma redução anual mais modesta nas mortes neonatais do que o esperado.

Para identificar as políticas mais eficazes na redução das mortes maternas e neonatais, os pesquisadores utilizaram a ferramenta Lives Saved Tool. Esta ferramenta avalia o impacto de intervenções como o Cuidado Obstétrico e Neonatal de Emergência Básico e a expansão dos serviços de Planejamento Familiar em 55 países de baixa e média-baixa renda, os quais juntos respondem por 90% das mortes maternas e neonatais globais. O custeio dessas intervenções inclui despesas diretas do setor de saúde com medicamentos, suprimentos e pessoal médico, além dos custos indiretos suportados pelas mulheres, como transporte e perda de salários. Embora frequentemente negligenciados nos orçamentos, esses custos pessoais são componentes significativos dos custos das políticas. Os benefícios anuais combinados dessas intervenções são substanciais, totalizando US$ 322 bilhões. Em termos de retorno social, cada dólar gasto gerará benefícios no valor de $87. A maioria desses benefícios decorre da salvaguarda de vidas de recém-nascidos, cada uma contribuindo com o dobro de anos de vida em comparação às vidas maternas salvas.

Com relação ao tema das mudanças climáticas, o autor reconhece como uma preocupação global séria. No entanto, argumenta que as políticas climáticas atuais geralmente proporcionam retornos econômicos menores do que $15 para cada dólar investido. Ele destaca que medidas como a implementação de um imposto global eficiente sobre carbono, embora uma das soluções mais eficazes, produzem apenas cerca de $2 em benefícios para cada dólar gasto. Além disso, políticas mais ambiciosas, como alcançar emissões líquidas zero de carbono, enfrentam dificuldades para gerar benefícios econômicos que superem seus custos. Um dos principais desafios é intervalo de tempo necessário para que os benefícios das políticas climáticas sejam percebidos. Enquanto os custos são imediatos, os benefícios são graduais e podem levar séculos para se materializarem plenamente. Estudos mencionados indicam que os benefícios líquidos das políticas climáticas podem não superar seus custos antes de 2080, ou mesmo durante o próximo século. Portanto, o autor argumenta que é desafiador justificar investimentos significativos em políticas climáticas baseando-se apenas nos benefícios econômicos diretos, especialmente considerando a prioridade urgente de muitos problemas imediatos enfrentados pela metade mais pobre do mundo.

Ainda nesse tema, é válida uma observação curiosa final. Na preparação para decidir as metas globais que acabaram sendo chamadas de ODS, a ONU realizou uma pesquisa global sobre prioridades, coletando opiniões de quase 10 milhões de pessoas, fornecendo, dessa forma, uma ideia que tenta capturar diretamente as prioridades do mundo. A pesquisa pediu às pessoas que priorizassem 16 questões importantes, e os itens mais bem classificados foram muito claros: educação, saúde, empregos, fim da corrupção e nutrição. Apesar da tendência crescente pelo interesse midiático voltado ao aquecimento global e mortes envolvendo desastres naturais (contrariando algumas evidências, diga-se de passagem), [ce1] a opção "ação contra a mudança climática" ficou em 16º lugar entre as 16. A prioridade das pessoas foi em temas de educação, saúde e trabalho.  Se isso revela alguma coisa, é que as prioridades da população nem sempre são as mesmas dos intelectuais e/ou políticos. E, novamente, o que não é nada surpreendente.

Fonte: http://about.myworld2030.org/my-world-2015