A “cultura do cancelamento” é mais do que apenas uma multidão (que na verdade é uma minoria barulhenta) tentando remover um twitter porque alguém feriu seus sentimentos em um comentário de poucos caracteres. Se fosse apenas isso estaria tudo bem. Coisa muito pior está acontecendo em nome da “justiça social”, e pessoas inocentes estão sendo perseguidas, humilhadas e demitidas. Na década de 90, quando nada disso aconteceria, o filme “O Demolidor” previa que pessoas cometiam o crime de “moralidade verbal” ao dizer alguma palavra proibida pelo Estado. Já na literatura, George Orwell (no livro "1984") foi muito mais enfático e profético quando alertava para os perigos da vigilância contra a expressão.
Mais recentemente, o linguista norte-americano John McWhorter aceitou o desafio de falar com o grande público sobre esse fenômeno, tendo enfoque a questão questão racial. Atualmente está escrevendo seu novo livro ("THE ELECT: THE THREAT TO A PROGRESSIVE AMERICA FROM ANTI-BLACK ANTIRACISTS") e postando a cada duas semanas em seu site. Assim, a cada publicação ele pode ler comentários e atualizar seus capítulos de maneira colaborativa.
(John Mcwhorter)
O capítulo inicial é incrível e vale a pena ler para entender o que ele chama de nova religião secular emergente nos círculos progressistas. Nas palavras dele: "Todos esses casos ocorreram devido à influência de um estado de espírito que denominamos ponto de vista, mas que na verdade se tornou uma religião. Este é o antirracismo da Terceira Onda, mais frequentemente denominado "guerreiros da justiça social" ou "a multidão acordada" (n.doT.: "do inglês "woke mobe"). Pode-se dividir o antirracismo em três ondas, na mesma linha do feminismo. O antirracismo de primeira onda lutou contra a escravidão e legalizou a segregação. O antirracismo de segunda onda, nas décadas de 1970 e 1980, lutou contra as atitudes racistas e ensinou aos Estados Unidos que ser racista era uma falha. O antirracismo da Terceira Onda, tornando-se mainstream na década de 2010, ensina que porque o racismo está embutido na estrutura da sociedade, a “cumplicidade” dos brancos em viver dentro dele constitui o próprio racismo, enquanto para os negros, lutar contra o racismo que os rodeia é a totalidade de experiência e deve condicionar uma sensibilidade primorosa para com eles, incluindo a suspensão dos padrões de realização e conduta. Sob este paradigma, todos considerados insuficientemente cientes deste sentido de 'Existir Enquanto Branco' como culpabilidade eterna requer condenação amarga e ostracização, em um grau abstrato e obsessivo que deixa a maioria dos observadores trabalhando para dar um sentido real a isso, e faz as pessoas à esquerda e ao centro se perguntarem exatamente quando e por que eles começaram a ser classificados como retrógrados e deixam milhões de pessoas inocentes com medo de se perderem nos locais de uma zelosa marca de inquisição que parece pairar sobre quase qualquer declaração, ambição ou conquista na sociedade moderna."
Para ilustrar com casos reais, alguns exemplos abaixo foram retirados do próprio livro em construção (outros são casos reais, não citados no livro, porém bastante recentes também):
i) Em uma aula um professor ensinava linguagem chinesa para alunos de comunicação empresarial. A ideia é simples: Com a China cada vez mais influente nos mercados mundiais, conhecer algumas expressões podem ajudar a fechar bons negócios. Acontece que uma dessas expressões tem uma pronúncia que soa como a palavra proibida, a N-word como é conhecida. Veja que o professor emitiu a palavra com uma sonoridade que lembra a "N-word" em um momento que envolvia nenhum contexto racial. Mas alguns estudantes advogam que o contexto não importa mais. O resultado foi o diretor da unidade lançar um manifesto se desculpando pelo "racismo estrutural" e ainda dando uma suspensão ao professor.
ii) Um jornalista do New York Times atuava desde 1976. Recentemente escreveu uma peça para o jornal relatando uma conversa de terceiros, onde os envolvidos, um deles uma menina de 12 anos, teria dito, já há muito tempo atrás, a palavra proibida em uma de suas falas. O jornalista escreveu que tinha perguntado qual o contexto da fala, pois em muitas músicas os próprios rappers usam a tal palavra. Por essa conversa ele foi demitido.
iii) Após o caso envolvendo o assassinato George Floyd, a diretora de uma unidade de uma universidade americana se prenunciou dizendo: "Estou escrevendo para expressar minha preocupação e condenação dos recentes (e passados) atos de violência contra pessoas de cor. Os eventos recentes lembram uma história trágica de racismo e preconceito que continua a prosperar neste país. Eu me desespero por nosso futuro como nação se não nos levantarmos contra a violência. Vidas Negras Importam, mas também, A Vida de Todos Importam. Ninguém deve ter que viver com medo de ser alvo de sua aparência ou do que acredita.” Como fica evidente, a professora reconheceu que ainda existe um problema racial nos EUA. Mas cometeu o erro imperdoável de dizer que "todas as vidas importam". Assim, ela foi denunciada a seus superiores e rapidamente saiu do emprego, sem sequer ter permissão para se defender.
iv) O Museu de Arte Moderna de São Francisco foi criticado por não se comprometer o suficiente com artistas não brancos. O presidente do museu concordou, mas acrescentou que o museu não iria interrompar de inserir na coleção artistas brancos porque isso constituiria "discriminação reversa". O que está por trás dessa expressao é simples e bem entendido pelo senco comum: pessoas não-brancas podem ser racistas; qualquer pessoa pode ter crenças que são racistas. Resultado: O presidente foi demitido? O mero uso desse termo ("discriminação reversa") foi suficiente para ele perder o emprego.
v) O Departamento de Educação de Oregon recentemente encorajou os professores a se inscreverem para treinamento que incentiva a “etnomatemática”, uma tendência educacional que argumenta, entre outras coisas: i) "resposta certa" na matemática é um sintoma da supremacia branca; ii) "O conceito de matemática sendo puramente objetivo é inequivocamente falso, e ensiná-lo é ainda menos" iii) a "objetividade - descrita como 'a crença de que existe algo como ser objetivo ou neutro '- é da supremacia branca."
vi) Pessoas negras devem deixar de escutar e estudar música clássica.
vii) Um analista de dados em uma empresa de consultoria durante a privacidade de sua casa tuitou um estudo de um professor negro de ciências políticas da Ivy League, Omar Wasow, mostrando que, em comparação com os protestos da atualidade, os protestos contra o racismo durante anos 50 e 60 nos EUA (época das cruéis leis Jim Crow) eram mais prováveis de ser menos violentos e também menos provável de fazer os eleitores locais dessas cidades em votarem no partido republicano. Resultado: Seu chefe o chamou, o repreendeu e depois o demitiu.