Eu adoraria viver em um planeta livre de preconceitos contra gays, lésbicas, negros, transexuais e mulheres. Igualmente adoraria não viver num planeta em que os novos cardápios preconceituosos estão se tornando mais populares e aceitáveis, entre eles o ódio e discriminação negativa contra pessoas brancas (vide exemplos norte-americanos com a famigerada tese da "supremacia branca") e pessoas héteros (sobre isso, leiam David Banatar em The second Sexism e Daphe Patai em Heterophobia).
Por ora vou desconsiderar o problema de definir com mais precisão o que entendo por preconceito (para o que tenho em mente basta considerar algo como um juízo de valor moralmente equivocado sobre alguém ou grupo de pessoas). Isso pode ser importante de ser clarificado, sobretudo porque pessoas poderão divergir em relação ao que é preconceituoso caso não tenham claramente definido os termos. De qualquer forma, devo apenas destacar que não incluo casos de estereótipos como necessariamente preconceituosos. Há uma vasta literatura na psicologia afirmando que os estereótipos que temos são muito precisos (extensivamente defendido nos textos do psicólogo Lee Jussim). Um exemplo: Homens e mulheres diferem, em média, em interesses e comportamentos (ver Why Gender Matters do Leonard Sax e Diferença essencial do Simon Baron-Cohen). Isso é um estereótipomuito preciso e não considero preconceito afirmá-lo.
De todo modo, há uma inescapável questão factual sobre o meu desejo: Pessoas preconceituosas sempre existiram, ainda continuam existindo e, embora parece que estão diminuindo (sobre isso leiam Steven Pinker em o Novo Iluminismo), não parece que se extinguirão por completo em qualquer escala de tempo razoavelmente humana (quero dizer com isso a escala de tempo antes que sejamos extinguidos como espécie). Nesse sentido, alguns sugerem o uso da empatia para combater discriminação. Acontece que a empatia é um dos recursos mais fomentadores de criar violência que existe. Funciona muito bem como aqueles que já gostamos, e muito mal com aqueles que não fazem parte do nosso grupo (sobre isso, leia Against Empathy do Paul Bloom). Por essas e outras penso que as políticas baseadas com foco excessivo em identidades de grupo estão indo de mal a pior (sobre isso, o cientista político com viés da esquerda americana Mark Lilla tem muito a dizer em O progressista de ontem e o do amanhã).
No entanto, o que podemos garantir alcançar numa escala de tempo razoavelmente humana é culpar e punir os criminosos que fazem algum dano às vítimas. Grosso modo, podemos fazer isso atacando as três principais manifestações preconceituosas mais comuns, ou seja: Punindo os agressores físicos, os agressores verbais, ou ambos. Algumas pessoas defendem que as três maneiras são justificadas. De minha parte, salvo raras exceções, só estou disposto a aderir ao enfrentamento (via leis) das agressões físicas. Eu entendo que muita gente fica desconfortável com isso, mas essa posição parece-me a consequência (defensável) que se segue em conceder liberdade de expressão isenta de menor restrições possíveis (e elas existem, sobre isso leiam Nigel Warburton e o seu Free Speech - A Very Short Introduction). E defender a liberdade de expressão só tem sentido se a defendemos para as coisas que mais desprezemos, do contrário não é liberdade coisa alguma (sobre isso, leia o caso do esquerdista Noam Chomsky que defendeu um nazista o seu direito de se expressar e Stuart Mill no maravilho livro Sobre a Liberdade).
A razão anterior é filosófica, mas há outras de teor pragmático. Se optarmos por calar a boca de nossos desafetos (inclusive os declarados preconceituosos), ou seja, aderir as três punições anteriores, o que pode se seguir disso? Vou dar três exemplos. Primeiro, o mais óbvio, é que nenhuma ideia desaparece da mente de pessoas só porque a forçamos por lei que não seja dita. Se alguma ideia ruim aparece no debate público precisamos nos esforçar para mostrar seus erros, e só podemos fazer isso com a livre expressão assegurada. Outra, nem tão óbvia, mas que parece-me ter suporte na psicologia, é que impedir ideias circular incentiva pessoas a formar grupos clandestinos rodeados em torno de suas ideias. Espere alguns anos de repressão contra essas pessoas e logo elas aparecerão com um imenso ressentimento e ódio exponencialmente maior. A partir daí qualquer tentativa de convencê-las com a palavra já pode ser uma vã tentativa. A última, eu confesso, é a mais pessoal. De minha parte eu prefiro saber o que pensam as pessoas com as quais eu convivo ao invés de impedi-las de falar. Se algo que elas acreditam me parece condenável, eu tenho duas opções: Posso conversar com elas (já fiz, e funcionou), ou posso me afastar (também já fiz, e quase nunca falha, pelo menos para minha saúde mental).
Reconheço que tem muita gente de boa intenção que trabalha com muito afinco para resolver os preconceitos no mundo. Muito do que já foi feito ajudou bastante ao progresso humano (de novo, sobre isso leia o Novo Iluminismo do Pinker). No entanto, daquilo que ainda sobra para resolver, sou bastante cético que algumas opções que estão aí com bastante popularidade (lei contra discurso de ódio, por exemplo) possam ser eficazes em não criar problemas piores do que já enfrentamos hoje. E mais uma coisa deve ser dita: Para as minorias, nunca houve momento histórico melhor para se viver neste planeta. E reconhecer este fato já alivia um pouco minha vontade utópica descrita no início deste texto.